Ser jovem: que roubada. Pela simples razão de que as chances de você carregar um enorme fardo chamado nostalgia, são muito grandes. E claro, sempre existirá uma obra, uma canção, um filme para te lembrar disso. O culpado da vez por tamanho “sofrimento”, no meu caso, é “As Vantagens de Ser Invisível”, película de 2012, que assisti apenas recentemente. É o tipo de história que aumenta ainda mais o peso que sentimos em relação a carregar o passado. Só que, estranhamente, em vez de suar, querendo estacionar esse fardo logo no chão, choramos felizes e satisfeitos por não conseguir largar mão.
O bonito do filme é, basicamente, nos mostrar que, em alguma época, era possível ser invisível, ao mesmo tempo em que podíamos ainda sonhar em sermos heróis– aliás o filme é candidato para o troféu melhor uso da canção de Bowie em todos os tempos. E por que vemos beleza nisso? Seguramente na constatação de que alguém só é invisível hoje se quiser. Ninguém é invisível hoje em tempos de selfies tecnológicos e existenciais. Nem o que passou, é invisível mais: neste sentido não existe coisa mais sintomática que o You Tube, aquele enorme arquivo de imagens e sons que nos faz, o tempo todo nos medicar com doses extras de passado. Pensar/assistir/ visitar/compartilhar algo raro é cada vez mais raro.
Mas a sagaz e apaixonante turma do filme não era notada pelos outros intencionalmente. Eles eram os esquisitões, os diferentes, sublimavam os clichês do sujeito vencedor tipicamente retratados na adolescência norte-americana. A graça é que eles viam vantagem nisso: era uma espécie de heroismo conservar suas individualidades no meio de tantas imposições sociais.
É importante lembrar que o filme é muito mais bacana que esse resumo sem sal que coloco aqui: trata-se de um registro sensível e inteligente para um gênero (teen movies) constantemente idiotizado em outras produções.
Mas semanas após secar as lágrimas derramadas depois de assistir ao filme, me ponho a pensar: esse sentimento de uma certa nostalgia confortável no qual estamos excessivamente inseridos é bom? Vivendo numa sociedade retrô como vivemos, trata-se de um autêntico dilema. A questão é que, com tanto acesso ao que passou, será que conseguimos andar para frente? Não estaremos satisfeitos, estacionados feito Bill Murray no dia da lontra, em “Feitiço do Tempo”, de volta a um passado imodificável?
Porque o que assusta é a constatação de que não é só a tecnologia ou a mídia que nos transporta diretamente para o passado. Não são apenas citações ou referências que vemos em filmes, canções etc. Vivemos tempos em que o pastiche– uma versão nova para uma velha história– captura com precisão sentimentos, subjetividades, que são acionadas a todo tempo.
Aquele tipo de memória que transforma ossos em vidros, que nos transporta para uma série de acontecimentos que, logicamente, não poderiam estar de volta. Mas como, se estão ali, na nossa frente, na série de TV, no filme do cinema, na canção no computador? De certa forma, é uma magia inversa e sádica, e pode apontar uma obsessão com a juventude eterna. Um tema tão clássico que segue, reprocessado, em níveis inacreditáveis como se não pudesse chegar a se tornar um... bem, um clássico, oras.
Queremos ser Dorian Gray, e não o seu retrato– ninguém quer ser maculado e machucado pelo tempo. E um dos efeitos naturais da passagem cronológica é justamente o esquecimento, a perda de algo. Nossa febre por arquivo é um antídoto contra isso. Mas não seria também um veneno? É muito bom ter um John Hughes na Sessão da Tarde para nos lembrar que estamos ali ainda, de castigo em uma manhã na escola; apaixonados pela garota de rosa choque, curtindo a vida adoidado, sendo que na real estamos bem longe disso; pelo menos daquela noção de curtir a vida adoidado.
“As Vantagens de Ser Invisível” é também aquele velho truque: temos saudades dos “melhores piores”anos de nossas vidas, numa analogia prática para a adolescência. Somos seduzidos pelo canto da sereia de filmes como ele e nos afogamos, satisfeitos, em um longo e interminável mergulho na nostalgia. Satisfeitos, procuramos tesouros em barcos naufragados. Me pergunto quando nos satisfaremos com o barco que veleja, instável na superfície do presente.
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