Como corpos levados pela preamar, o ouro negro chega às praias nordestinas contaminando a vida animal e vegetal e limitando o acesso das populações locais à sua sobrevivência; pelas mãos de grileiros o fogo destrói a floresta amazônica; das minerações malgeridas em Minas Gerais, a lama tóxica avança soterrando vidas, casas, histórias e sonhos. Não. Não são fenômenos da natureza. São desastres evitáveis, causados pela ação humana, que jamais poderão se repetir.
Nesta semana, completaram-se quatro anos desde o rompimento da barragem de Fundão, no município de Mariana, que jogou cerca de 40 milhões de metros cúbicos de lama no leito do rio Doce, ceifando 19 vidas, deixando centenas de pessoas desabrigadas e espalhando desespero e dor.
Para reparar os impactos desse desastre – responsabilidade exclusiva das empresas Samarco e suas controladoras, Vale e BHP –, foi concebido um modelo inovador de governança para lidar em ambiente de alta complexidade e comoção, buscando construir soluções negociadas com os diferentes stakeholders, incluídos os atingidos, evitando-se, assim, o infindável caminho da judicialização.
Nasceu, então, a Fundação Renova com sua governança democrática ancorada no Comitê Interfederativo (CIF), no qual todos os envolvidos diretamente na busca de soluções, como órgãos da União, dos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, instituições ambientalistas, representantes dos municípios, da Defensoria Pública e dos atingidos, têm assento, voz e voto.
A singularidade dessa governança é também seu desafio. Como harmonizar esse complexo processo de tomada de decisão por intermédio de diálogos e negociações com a eficiência exigida pela execução das ações reparatórias e compensatórias? Se muito já foi feito, há muito ainda por fazer, mas há de se curvar à realidade de que vidas e histórias interrompidas são irreparáveis.
No caso emblemático das indenizações há de se buscar soluções criativas para a determinação dos limites entre as situações com clara comprovação daquelas indocumentadas. Como fazer a justiça possível?
Para seu sucesso, esse modelo democrático e participativo de governança precisa ser alicerçado nos princípios da boa-fé e do compromisso com os interesses coletivos. Ademais, sua eficácia pressupõe uma liderança hábil, reconhecida e com credibilidade entre os atores para conduzir as negociações no âmbito do CIF, buscando construir consensos para aprovação e imediata execução das atividades de reparação e compensação que forem incontroversas. E, para dirimir as questões controversas, há necessidade de uma instância de arbitragem, independente e com autoridade reconhecida pelas partes. Essas inovações garantirão o sucesso da missão da Fundação Renova.
Comprovada sua eficácia, esse modelo de resolução de conflitos poderá ser o embrião para a governança social que deveria ser exigida em todas as áreas ativas de mineração.
Do caos virá a luz.