O governo federal vai utilizar recursos dos fundos constitucionais de desenvolvimento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste para financiar o novo programa de crédito estudantil (Fies). A razão da escolha dos fundos constitucionais se deve simplesmente ao fato de que estes estavam disponíveis em termos do fluxo de caixa do Tesouro. Essa decisão significa a fragilização de um instrumento de política econômica, criado pela Constituição de 1988, visando atenuar os desequilíbrios regionais de desenvolvimento no Brasil. Um problema que ainda apresenta elevado nível de gravidade política: o PIB de São Paulo equivale praticamente à soma do PIB dos nove Estados do Nordeste, mais o PIB dos sete Estados da região Norte, mais o PIB dos três Estados da região Sul.
Essa e outras decisões do governo mostram como o modelo de austeridade fiscal expansionista, quando concebido sem articulação com um modelo de desenvolvimento sustentável de médio e de longo prazo, pode comprometer a eficácia das políticas públicas que cuidam das questões das desigualdades sociais e regionais, da sustentabilidade dos ecossistemas, da competitividade sistêmica da economia. Essas políticas perdem sua prioridade no cotidiano da gestão pública, perdem sua centralidade administrativa, perdem seu status político e perdem sua capacidade de inflexionar os efeitos cumulativos das assimetrias sociais e regionais, assim como de inflexionar a degradação dos ativos e dos serviços ambientais. Acabam num envoltório de incertezas quanto aos recursos de que efetivamente dispõem e quanto ao poder regulatório que comandam.
O que o governo tem apresentado é uma sucessão de decisões “ad hoc”, casuísticas e descoordenadas sobre os recursos fiscais e financeiros, nas quais a realocação desses escassos recursos tem sido realizada, frequentemente, segundo a necessidade de cooptação de uma base política propensa a sustentar uma administração cuja legitimidade junto à opinião pública vem desfazendo-se no ar.
O processo eleitoral de 2018 é uma oportunidade ímpar para a construção de uma visão de futuro da sociedade que queremos para o Brasil. Uma visão de futuro consensualizada entre os segmentos organizados da sociedade civil e negociada com lideranças e partidos políticos que ainda não se submeteram aos interesses velados e aos oportunismos fisiológicos de ocasião.
Não se trata tão somente da produção de um documento a mais com uma sobrecarga de ilusões utópicas e de ideologias ultrapassadas por experiências históricas. O que se deseja é uma visão de futuro que possa servir como lanterna de popa, visando fundamentar as decisões de curto, médio e de longo prazo para os três níveis de governo, para os segmentos empresariais em suas decisões operacionais e estratégicas e que traga esperança para as famílias no planejamento ao longo de seu ciclo de vida, para os jovens estruturarem suas perspectivas profissionais.
Não é tarefa simples mobilizar nossa população para conceber e implementar uma visão de futuro para a sociedade brasileira. Mesmo num contexto de crise socioeconômica e de erosão da credibilidade das lideranças políticas, há um ambiente de conformismo e aversão ao risco para as mudanças estruturais entre alguns grupos sociais que deveriam ter protagonismo indispensável nessa grande transformação. De um lado, estão os rentistas, que desfrutam das condições de vida do conforto moderno graças à crescente acumulação de capital financeiro. De outro, está a massa de beneficiários das políticas sociais compensatórias fragilizada pela pobreza e pelo desalento.
Nesse ambiente de conformismo, de curto em curto prazo, estaremos transmitindo como valor de legado a nossos netos um país refém de uma armadilha de mediocridades socioeconômicas e socioambientais.
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A construção de uma visão de futuro e o futuro de nossos netos
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