Achei de excelente tom o posicionamento do Cruzeiro sobre o recorde estabelecido pelo goleiro Fábio, agora o jogador com mais partidas na história do futebol: 1.391 jogos. Isso, de fato, não é para qualquer um. Assim como não é para qualquer um seguir em atividade aos 44 anos, sendo titular de uma equipe da Série A e disputando as principais competições do país, do continente e do mundo.

Estive no Mineirão quando Fábio fez o jogo número 1 dos seus 976 com a camisa do Cruzeiro — um amistoso contra o extinto Universal, do Rio de Janeiro, um projeto futebolístico da igreja evangélica de mesmo nome, em 2000.

Vinte e cinco anos depois, meus amigos, cá estamos nós vendo o mesmo atleta em ação. Isso é muito simbólico. Houve uma geração de cruzeirenses que praticamente cresceu vendo apenas uma figura na meta celeste: Fábio. Jogadores vieram, jogadores foram embora, e o histórico goleiro fincou raízes profundas na Toca da Raposa.

Ao escrever esta coluna, me peguei pensando que, do início ao fim da passagem de Fábio pelo Cruzeiro, estive presente. Lembro muito bem do último jogo: 25 de novembro de 2021. Um empate sofrível contra o Náutico, 0 a 0, no Mineirão, com a Raposa longe do acesso e se despedindo de Ariel Cabral e Rafael Sóbis. Mas ninguém imaginava, pelo menos naquele momento, que aquele também seria o adeus de Fábio.

Os personagens daquele duelo eram outros, mas Fábio, como que num lance do destino, distribuiu tantos autógrafos naquela noite que chegou a descer do carro em plena Avenida Abrahão Caram para atender mais torcedores. Um por um. Era o adeus.

Últimos momentos de Fábio no Cruzeiro após a partida contra o Náutico. Desceu do carro. Foi na galera. Cumprimentou um a um dos que estavam lá no estacionamento esperando uma foto, um autógrafo. Parecia até que já estava antevendo o adeus. #cruzeiro pic.twitter.com/hfGeeFWs9r

— Josias Pereira ✊🏾 (@josiaspereira) January 6, 2022

Há quem coloque Dida, tecnicamente, como o maior goleiro da história do Cruzeiro — e eu mesmo sou favorável a essa tese. Mas o que Fábio representa para a história da Raposa é imaterial. Diria, até, intangível. Ele soma 343 jogos a mais que Zé Carlos na lista de atletas que mais defenderam a camisa do clube (976 contra 633).

No elenco atual, Lucas Silva é o jogador com mais bagagem pelo Cruzeiro. E, ainda assim, em uma rápida pesquisa, ele não chega a 300 jogos (são 282, de acordo com o site O Gol).

Nos tempos atuais, um atleta beirar mil partidas por um mesmo clube é algo raríssimo. O último a conseguir isso foi Rogério Ceni, com 1.237 jogos pelo São Paulo. E ele foi apenas o terceiro na história do futebol brasileiro a atingir tal marca. Os outros dois foram Pelé (1.116 pelo Santos) e Roberto Dinamite (1.110 pelo Vasco).

Não entrarei aqui no mérito da decisão de Ronaldo em romper o vínculo com Fábio. Muitos fatores podem ser ponderados nesse tema. Mas destaco a personalidade do atleta como um todo, especialmente sua resiliência. Como na vida de qualquer pessoa, houve altos e baixos — e Fábio nunca esmoreceu. Soube se reinventar ao longo de todo esse tempo, superando episódios dificílimos, como aquele fatídico gol de costas.

E mesmo injustiçado, com pouquíssimas chances na Seleção Brasileira, jamais deixou de entregar o melhor de si ao clube. A fé tem grande influência no seu estilo de vida. O típico Fábio do “Glória a Deus”. Mas isso é mais um ponto de exclamação na sua trajetória. Um jogador de convicção. Um goleiro de Deus.

Ao torcedor do Cruzeiro — seja ele crítico ou defensor de Fábio neste momento do clube — o que importa aqui é o reconhecimento ao profissional e ao ídolo. Falta ao brasileiro, em geral, mais memória esportiva, mais valorização da figura do atleta e de sua importância para a instituição.

Fábio, sem dúvidas, é uma dessas figuras que merecem homenagens constantes da Raposa quando decidir se aposentar dos gramados. Todo ciclo tem começo, meio e fim. Ninguém está imune a isso na vida ou no esporte. Mas são as lembranças que determinam quem ficará para sempre na memória.

E Fábio tem inúmeras delas. Memórias que o torcedor do Cruzeiro guardará com carinho e afeto. E isso, no fim das contas, é o que realmente importa.