CANOAS (RS). Longe de casa por força do destino, parte dos atingidos pelas enchentes no Rio Grande do Sul se refugiou em abrigos improvisados que contam com o máximo de esforço voluntário e de doações. Não é diferente em Canoas, cidade na região metropolitana de Porto Alegre. Na última semana, galpões, ginásios e até outros lugares com cobertura se transformaram em uma moradia provisória para muitos.
A reportagem de O TEMPO esteve em um dos maiores do município, montado no campus da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra). Há, por lá, cerca de oito mil pessoas, entre as mais de 71 mil desabrigadas em todo o Estado. O número é da última atualização da Defesa Civil na tarde de sábado (11).
O grande ginásio (que não é o único espaço de acolhimento na Ulbra) conta com quadras endereçadas para garantir uma organização mínima. Há alas que permitem que as pessoas fiquem com seus animais de estimação que os acompanharam ou que foram encontrados depois, resgatados. Todos dividem o mesmo espaço: colchões espalhados pelo chão, cobertores e qualquer apoio que passou a servir como armário.
A organização também conta com horário específico para que as refeições principais sejam servidas em marmitas, além de outros lanches rápidos, como biscoitos, disponíveis a qualquer hora. Balcões diferentes oferecem cobertores, sabonetes, fraldas descartáveis e outros itens necessários. Na hora do banho, cada um pode escolher uma roupa que lhe caiba fruto de doação.
É por ali mesmo que cada um tenta cuidar do seu. As roupas, lavadas como a situação permite, são estendidas nas grades encontradas no local. Uma delas do lado de fora, obrigando os novos donos a correrem nos primeiros pingos de novas chuvas.
“Tenho comida, a gente consegue ter roupa. Banho quente porque está frio. Comida tem à vontade. Estou recebendo comida para os bichos, ração. A minha cachorrinha estava com dificuldade de comer ração seca e eles trouxeram sachezinho para misturar. Eu não tenho do que reclamar. Gratidão aos que estão ajudando”, declarou Dione Alves, de 53 anos, que teve a casa alagada no bairro Rio Branco.
Uma equipe médica também fica à disposição no local, munida de equipamentos de atendimento básico e remédios. “Os médicos de vez em quando passam aqui perguntando se está tudo bem de saúde, oferecendo o atendimento deles. O meu marido que é hipertenso e tem asma recebeu uma bombinha que não deu tempo de pegar [na casa]”, contou Juraci Oliveira, 65 anos, moradora do bairro Fátima.
Diferente de Dione, Juraci não está no abrigo com a presença de seus dois cãezinhos, a Faísca e o Feliz. “Nunca imaginei que a minha casa ia ficar debaixo d’água. Eu pedi para o meu filho levar [os cachorrinhos] e ele saiu correndo porque a água estava subindo”, lamentou. No local, outras várias pessoas enfrentam a angústia de não terem conseguido pegar seus bichinhos e a incerteza se eles foram ou não resgatados.
Apesar de muitas, as doações, às vezes, não são suficientes. “No momento, não está dando [para atender todo mundo]. Como existe um centro de distribuição central e ele vai mandando para os alojamentos, demora um pouco. Também são mais de oito mil pessoas. Faltam muitos itens, como cobertores, fronhas, lençóis. Mas o resto a gente está conseguindo”, Alexandre Lemos, um dos voluntários que se deslocou de Joinville, em Santa Catarina, para Canoas.
Amenizar o peso do tempo é desafio para quem está nos abrigos
Um desafio é amenizar a dor do tempo que passa com a apreensão sobre como será a vida daqui em diante. E mais, para que as crianças, que são muitas no local e não tinham que crescer com essa marca na vida delas. Para isso, vale de desenhos de colorir a bola de futebol.
Um Homem-Aranha que surge do nada com pirulitos também é bem-vindo. “A intenção é trazer um pouco de alegria para as crianças. O resto é o resto”, disse Brunno de Souza, fantasiado de um dos personagens preferidos das crianças.
Para os mais velhos, um violão ajuda a distrair. O instrumento foi uma das poucas coisas que o casal Lúcia Amaral, de 70 anos, e Zeli Amaral, de 69, conseguiu salvar. A casa deles, também no bairro Fátima, está debaixo d'água.
"É alegria, né”, disse Zeli sobre o que representa o violão naquele momento. “Embora o que coração esteja... a gente tem que dar força e ir em frente”, disse Lúcia, completando o sentimento do marido. Pouco antes, as notas do instrumento invadiam o espaço e prendiam quem estava próximo. Na voz, entoavam a canção “O Dia do Arrebatamento”, que fala sobre fé.