Em 1822, dom Pedro I declarou a independência do Brasil. O hino nacional celebra seu grito às margens do Ipiranga. Menos lembrado, porém, é o fato de que um ano depois o jovem monarca deu um golpe.
"Dom Pedro era um absolutista, um déspota", afirma o jornalista Ricardo Lessa, autor do livro "O Primeiro Golpe do Brasil". A obra será lançada nesta sexta-feira (21/06) no Rio e em 2 de julho em São Paulo.
Lessa atuou em grandes veículos e foi apresentador do programa de entrevistas "Roda Viva". Teve a ideia do livro durante sua carreira, quando se deu conta de que a política ainda continha traços do século 19.
O trabalho do jornalista, diz, é se perguntar "como chegamos aqui?". Na sua resposta, o livro volta a 1823. Foi quando, logo depois de declarar a independência, dom Pedro I dissolveu a Assembleia Constituinte.
O monarca também deteve deputados, exilou rivais políticos, vigiou espaços públicos e perseguiu a imprensa, mostra Lessa. O episódio, ocorrido em 12 de novembro, ficou conhecido como "noite da agonia".
Como resultado, afirma Lessa, o tal cavaleiro libertador do país entravou o progresso. Seus gestos adiaram, por exemplo, a abolição da escravidão, que era discutida à época da Constituinte e acabou adiada até 1888.
Um dos elementos centrais do livro é a crítica à monarquia brasileira. "Sempre se fala em um dom Pedro II sábio e em uma princesa Isabel benevolente", diz Lessa, "como se eles tivessem sido bons para o país".
O livro sugere que a família real foi, em vez disso, prejudicial. Foi por sua influência que o Brasil não acompanhou seus vizinhos e o restante do mundo em um século marcado pelo progresso.
Lessa dá o exemplo da feira mundial realizada em Paris em 1889. A França exibiu a Torre Eiffel. A Inglaterra, os trens de ferro. Os EUA, a lâmpada, o telefone e a eletricidade. Já o Brasil levou café e tabaco.
A relação entre monarquia, escravidão e atraso foi esquecida. "Na escola, falamos de príncipes encantados", diz. Não se fala do lado perverso: o tráfico de africanos teve seu ápice em 1829, sob dom Pedro.
Para escrever o estudo, Lessa foi atrás de documentos em diversas instituições públicas, como a Biblioteca Nacional e o Arquivo Municipal do Rio de Janeiro, com a colaboração da jornalista Ruth Joffily.
O autor também escavou os trabalhos de historiadores, desde os canônicos aos mais atuais, que cita no texto. Chegou a entrevistar alguns deles, como Evaldo Cabral de Mello, o autor de "O Nome e o Sangue".
Nas últimas páginas, o jornalista incluiu dois materiais de apoio. Primeiro, uma lista de fake news sobre dom Pedro I (por exemplo, que era um liberal). Segundo, uma cronologia dos acontecimentos da época.
Lessa situa os eventos brasileiros em um panorama global. Relaciona, por exemplo, a campanha de Napoleão na Europa com a reação conservadora de monarquias, inclusive aqui, protegendo as suas regalias.
O livro é mais um ensaio que uma reportagem ou uma tese. "Não pretendo fazer nenhuma grande descoberta na história, e sim provocar uma reflexão sobre o que é essa história que estão nos vendendo", diz.
Há também uma crítica. Lessa costura de modo discreto nexos entre os séculos 19, 20 e 21, sugerindo continuidades. Cita, por exemplo, o interesse de Emílio Garrastazu Médici e Jair Bolsonaro por dom Pedro 1º.
A referência é ao fato de que Médici, que governou o país no período mais violento da ditadura (1969-1974), mandou trazer de Portugal a ossada do monarca. O ex-presidente Bolsonaro quis trazer seu coração.
O livro constrói, assim, a ideia de que o país herdou um certo modo de fazer política, cristalizado naquela noite de 1823. Seus traços mais óbvios são a corrupção, o elitismo e o autoritarismo.
"Nós vivemos em uma época de desconstrução das instituições democráticas e republicanas", afirma Lessa. "Precisamos nos livrar do molde autoritário. Mas ele retorna. Essas coisas perduram na história".
Livro "O Primeiro Golpe do Brasil"
- Lançamento no Rio na sexta (21), às 19h, na Livraria Argumento; lançamento em São Paulo no dia 2 de julho, às 19h, na Livraria da Travessa de Pinheiros
- Preço: R$ 59 (176 págs.)
- Autor: Ricardo Lessa
- Editora: Máquina de Livros
(Diogo Bercito/Folhapress)