Imagine a cena: uma notificação no celular informa que uma quantia alta de dinheiro caiu na sua conta. Não é o salário, nem um pagamento esperado. Foi um erro. Para muitos, a tentação de ficar com o valor pode ser grande, mas uma decisão recente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) serve como um poderoso alerta: a apropriação desse dinheiro não é só antiética, é ilegal e pode gerar uma dívida ainda maior.
No caso em questão, um cidadão foi condenado a devolver R$ 50 mil recebidos por engano e, além disso, a pagar R$ 10 mil em danos morais por se recusar a restituir o valor. A decisão unânime reforça que a honestidade em transações financeiras não é opcional, é uma obrigação legal.
O erro que virou Processo Judicial
A situação começou com um erro operacional. Uma pessoa, ao pagar uma dívida de R$ 50 mil, acabou realizando a transferência duas vezes, a partir de contas diferentes. Ao perceber a duplicidade, ela prontamente contatou o credor para reaver o montante extra.
As provas do processo, que incluíram extratos e até mesmo conversas de WhatsApp, mostraram que o beneficiário reconheceu o recebimento em dobro. No entanto, ele se recusou a devolver o dinheiro, alegando que usaria o valor para abater outra suposta dívida — uma compensação que não estava prevista em nenhum contrato.
Diante da recusa, a vítima não teve outra alternativa senão levar o caso à Justiça para reaver seu próprio dinheiro.
A justiça por trás da decisão: Enriquecimento sem causa e dano moral
Ao analisar o caso, a relatora, desembargadora Maria Helena Gargaglione Póvoas, baseou a condenação em dois pilares do direito brasileiro:
- Enriquecimento Sem Causa: É o princípio que impede alguém de aumentar seu patrimônio às custas de outra pessoa sem um motivo justo. Ao reter um valor que não lhe pertencia, o réu enriqueceu ilicitamente. A devolução do valor principal (os R$ 50 mil, com juros e correção) é a consequência direta para corrigir essa falha.
- Dano Moral: Aqui está o ponto crucial da decisão. O Tribunal entendeu que o desgaste, a frustração e a angústia de ter que entrar com uma ação judicial para resolver um problema que deveria ser solucionado com uma simples devolução ultrapassam o mero aborrecimento. A atitude do réu foi considerada um abuso de direito que feriu a tranquilidade e a dignidade da vítima.
"É evidente o abalo moral decorrente da angústia e frustração diante da recusa indevida em devolver numerário de sua propriedade transferido por engano."
O que fazer se acontecer com você?
Esta decisão do TJMT (Processo nº 1022601-23.2021.8.11.0015) deixa uma lição clara e prática:
- Se você recebeu um valor por engano: Não o utilize. A lei e a jurisprudência estão consolidadas no sentido de que o valor deve ser devolvido. Entre em contato com seu banco e, se possível, com a pessoa que enviou, para coordenar a devolução. Ficar com o dinheiro pode levar a um processo judicial com condenação a devolver o valor corrigido e a pagar indenização.
- Se você enviou um valor por engano: Aja rápido. Contate seu banco para acionar os mecanismos de devolução, como o MED (Mecanismo Especial de Devolução) do PIX. Em paralelo, tente um contato amigável com o recebedor. Guarde todas as provas da comunicação. Se houver recusa na devolução, registre um boletim de ocorrência e procure orientação jurídica.