A Justiça da Paraíba acatou pedido de uma tutora para que o seu cão figurasse como parte de um processo movido contra a Clínica do Pet - clínica veterinária pública que pertence à prefeitura de João Pessoa, capital da Paraíba. Pelado, o animal de estimação, sofreu uma lesão grave após um atendimento na unidade. Agora, ele é coautor de uma ação de danos morais.

Pelado foi levado a clínica no dia 7 de novembro de 2023 para investigar uma tosse. Ele foi atendido e fez um exame de raio-x, mas saiu com uma lesão na pata e foi diagnosticado com luxação associada a traumas. Ele precisou passar por uma cirurgia de correção e ficou com algumas sequelas. Após a situação, a tutora levou o caso à Justiça.

O fato não é inédito, mas vem crescendo na Justiça brasileira. Segundo especialistas, isso é chamado de "mutação constitucional". Foi esse o termo que a juíza Flávia da Costa Lins, do 1º Juizado Especial da Fazenda Pública da capital, utilizou para determinar a aceitação do cão como sujeito da ação.

"Mutação Constitucional é um termo usado para dizer que a Constituição Federal pode se adaptar as mudanças sociais sem que, para isso, precise ser formalmente alterada", disse Renata Belmonte, advogada gestora em Prevenção de Litígios do Albuquerque Melo Advogados e especialista em Direito Civil pela Universidade de Coimbra.

Casos de "mutação constitucional" não são incomuns no Brasil. Segundo especialistas, o reconhecimento da união estável entre casais homoafetivos e a flexibilização da posse de drogas para consumo pessoal são alguns dos exemplos.

"No caso do cão Pelado, o que se vê é uma tentativa de expandir a interpretação do conceito de sujeito de direitos para incluir animais", disse Kevin de Sousa, sócio do Sousa & Rosa Advogados e especialista em Direito Civil e em Direito das Personalidades.

Outros casos

Não é a primeira vez que animais fazem parte de ações na Justiça brasileira. Um dos casos foi o da gata Cacau, que também processou uma clínica por maus-tratos durante um tratamento cirúrgico no Rio Grande do Sul. Além disso, em 2020, o tribunal de Justiça do Paraná também proferiu uma decisão que determinava a inclusão dos animais no polo ativo da ação.

"De 2020 para cá, o número de processos em que se aceita animais como coautores de ações vem crescendo exponencialmente, e de forma preocupante", disse Renata Belmonte.

As leis estaduais também abriram portas para que animais sejam co-autores. No caso de Pelado, a Paraíba reconhece que os animais são sujeitos a direitos fundamentais. O estado foi o pioneiro nessa interpretação, mas outros governos já sinalizaram ideias nesse sentido, como Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro.

"Esses estados possuem decisões e legislações que tratam os animais como mais do que simples propriedades. O Direito brasileiro, ainda que de forma tímida, está caminhando para uma abordagem mais protetiva dos animais. No entanto, é necessário um amadurecimento maior da jurisprudência e um debate legislativo mais profundo sobre o tema", disse Kevin de Sousa.

Nem todos concordam 

No entanto, a decisão não é consenso entre especialistas. Para a advogada Renata Belmonte, a decisão não é benéfica para a causa animal. 

"Os animais não possuem capacidade postulatória e a justiça deve poder desempenhar seu papel, protegendo os animais efetivamente, e não discutindo se eles podem ou não ser titulares de ações. O papel do tutor e do advogado, nesse tipo de processo, é mais do que suficiente", defende. 

Já Kevin de Sousa afirma que o principal benefício dessa decisão é a possibilidade de fortalecer a responsabilização por danos causados aos animais.

"Se os animais podem figurar como partes em um processo, significa que há um reconhecimento de que eles não são meros objetos ou bens, mas sim seres que possuem interesses próprios que devem ser protegidos", diz Kevin de Sousa.