Se reduzisse a prevalência de fumantes em apenas um ponto percentual, o Brasil deixaria de gastar por ano R$ 24,8 bilhões com os custos diretos e indiretos relacionados ao tabagismo, mostra uma nova ferramenta apresentada durante congresso internacional de controle do tabaco, que ocorreu em Dublin (Irlanda) nesta semana.

O modelo interativo, que consta no novo Atlas do Tabaco, demonstra como os países podem usar impostos sobre o tabaco para gerar novas receitas, reduzir o número de fumantes, aumentar a produtividade econômica e recuperar milhões em despesas de saúde no tratamento de doenças relacionadas ao tabagismo.

Desenvolvido pela equipe de economia para a saúde da Universidade Johns Hopkins, Vital Strategies e American Cancer Society, o Estimador de Recuperação de Custos e Receitas (Corre, na sigla em inglês) usa dados recentes de mais de cem países para estimar o possível ganho de receita tributária em diferentes cenários fiscais.

No Brasil, por exemplo, a ferramenta parte de uma prevalência média de 11% de tabagismo e de um gasto de R$ 334,1 bilhões, entre tratamento das doenças causadas pelo cigarro, perda de produtividade e mortes. Considera R$ 5,50 o preço médio e 4,4% de total de taxas por maço de cigarro.

No cenário mais conservador, se quisesse reduzir a prevalência para 10%, o preço recomendado do maço de cigarro seria R$ 8 com taxas de 6,9%. Assim, teria na receita fiscal dos cigarros um ganho esperado de R$ 3,6 bilhões e deixaria de gastar quase R$ 25 bilhões com despesas relacionadas ao tabagismo.

A OMS (Organização Mundial da Saúde), a The Union (União Internacional contra a Tuberculose e as Doenças do Pulmão) e especialistas de diversos países presentes na conferência defenderam fortemente os impostos sobre o tabaco como uma das estratégias mais eficazes para prevenir a iniciação ao tabagismo, incentivar a cessação e reduzir o uso geral do tabaco.

"O custo anual do tabaco é impressionante, são 8 milhões de vidas perdidas a cada ano, cerca de US$ 2 trilhões em prejuízos econômicos, grande parte disso proveniente da média de 11 anos de vida que os fumantes perdem, o que significa uma produtividade econômica muito menor", disse Jeff Drope, professor pesquisador e diretor da equipe de economia para a saúde da Johns Hopkins.

Mary-Ann Etiebet, presidente da Vital Strategies, lembrou que, em tempos em que governos de todo o mundo enfrentam déficits de financiamento em saúde, o aumento de impostos pode significar uma fonte nova de receitas.

"Esperamos que a ferramenta [Corre] sirva para ajudar os países a concretizar o triplo ganho de salvar vidas, reduzir os custos dos cuidados de saúde e gerar receitas", afirmou. Um estudo lançado no início deste mês pelo núcleo de gestão em saúde da FGV (Fundação Getulio Vargas) recomenda que o Brasil siga diretriz da OMS que sugere uma carga tributária mínima de 75% sobre o preço final do cigarro. Atualmente, essa carga gira em torno de 70%.

Países da União Europeia, por exemplo, ultrapassam os 80%. O estudo também propõe que os impostos sejam ajustados regularmente com base na inflação, o que pode contribuir para a redução do consumo.

Durante a conferência, o Brasil foi elogiado pela bem-sucedida política antitabagista, mas vários especialistas citaram o fato de o país ter ficado sem reajustar o preço do cigarro entre 2016 e 2024 como um dos principais fatores que levaram o país a registrar aumento na taxa de fumantes.

De acordo com dados preliminares divulgados pelo Ministério da Saúde, entre 2023 e 2024, o percentual de adultos que fumam subiu de 9,3% para 11,6%, um crescimento que interrompe uma tendência de queda que durava quase duas décadas. O aumento foi mais expressivo entre as mulheres, cuja taxa passou de 7,2% para 9,8% - entre os homens, passou de 11,7% para 13,8%.

"O maço de cigarro é muito barato no Brasil. Por isso não dá para considerar só a porcentagem da carga tributária [recomendada pela OMS]. Precisa ter aumento de preço para coibir o consumo", afirma Monica Andreis, diretora da ACT Promoção da Saúde, organização que trabalha na promoção e defesa de políticas públicas de saúde, entre elas ações contra o tabagismo.

Na reforma tributária também há um imposto especial (TET) que incidirá sobre os cigarros e um imposto geral que incidirá o consumo (IBS). Assim, a carga tributária sobre os cigarros será a soma de ambos.

Vera Luiza da Costa e Silva, secretária executiva da Conicq (Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco e de seus Protocolos), afirma que, embora haja um consenso sobre os benefícios trazidos pelo aumento das taxas e do preço do tabaco, a aplicação ainda é um desafio no Brasil e em outros países.

"Há um lobby muito grande da indústria do tabaco, que tem toda uma narrativa de que aumentar os impostos significa também aumentar o comércio ilícito, quando, na verdade, estudos internacionais e estudos no Brasil mostram que não."

Segundo ela, o comércio ilícito depende de muitos outros fatores, entre eles a criminalidade. "Não existe isso de você migrar do lícito para o ilícito. O cigarro ilícito também aumenta o preço. Há situações vividas em favelas do Rio de Janeiro em que os ilícitos são mais caros que os lícitos."

Para Vera Silva, o comércio ilícito precisa ser combatido com repressão e inteligência, mas, segundo ela, há "quase uma paralisação", embora exista um protocolo internacional para eliminar o comércio ilícito de produtos de tabaco.

De acordo com ela, no Brasil, vários atores do governo - como Ministério da Fazenda, Receita Federal, Ministério da Justiça, Ministério das Relações Exteriores, polícias Federal e Rodoviária Federal - possuem ações em conjunto, mas ainda há vários desafios, como a atualização do sistema de rastreamento e localização para que chegue ao consumidor. "O consumidor tem que poder, através do celular dele, identificar se um produto é ilegal ou não." (CLÁUDIA COLLUCCI)