Graças a uma vacinação em massa, o Brasil deixou de registrar casos de febre amarela urbana em 1942. Mas por conta da redução nas áreas de matas e da hesitação vacinal, especialistas alertam para um grande risco de que a doença volte a circular dentro das cidades - e se espalhe através de um velho conhecido pela população, o mosquito Aedes aegypti.
Até o momento, o Brasil já registrou 47 mortes por febre amarela em 2025 - um número 1.075% maior do que em todo ano passado, quando ocorreram quatro mortes pela doença. Foram 118 casos confirmados até o final de junho, contra apenas oito em 2024, de acordo com o Ministério da Saúde.
A situação é tão séria no Brasil e na Colômbia (que chegou a decretar emergência em saúde pública por causa do aumento de casos e óbitos) que a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) emitiu um alerta sobre o risco elevado de febre amarela na região das Américas.
A principal questão em território brasileiro foi a migração da doença para fora dos limites da Amazônia, especialmente para o estado de São Paulo - onde foram registradas 33 das 47 mortes. Em Minas Gerais, foram 15 casos e seis óbitos em 2025 - sendo que, no ano passado, foram apenas dois casos e uma morte. Todos os óbitos e casos registrados em território mineiro aconteceram no Sul do Estado, numa área limítrofe com São Paulo - o epicentro do problema.
“A doença estava mais concentrada na região amazônica, só que a partir de 2025 a gente já tem esse deslocamento para outras áreas fora dessa zona que era tradicionalmente afetada. Aqui no Brasil a gente tem um destaque especialmente para o estado de São Paulo, onde a gente teve um número maior de casos. Um dos motivos para isso seria a diminuição de áreas silvestres e também o aumento (dos limites) das cidades”, explica Fernanda Penido, epidemiologista e professora da Escola de Enfermagem da UFMG.
Segundo ela, existe, sim, uma preocupação para que a doença volte a ser registrada no ambiente urbano. “O Brasil está se urbanizando muito rapidamente, mas de uma forma pouco planejada. Isso possibilita o ressurgimento da febre amarela urbana, por conta dessa infiltração do homem no habitat natural do vírus da doença”, argumenta. “A febre amarela urbana pode ressurgir se o mosquito Aedes aegypti, que é o vetor da dengue, se infectar ao picar as pessoas não vacinadas. Então é por isso que a gente sempre reforça a importância da imunização”.
Os números da febre amarela em 2025 são alarmantes, mas ainda bem inferiores ao registrado no país na epidemia de 2018 - quando o país foi obrigado a fazer uma vacinação em massa utilizando doses fracionadas. Naquele ano, foram registradas 483 mortes, sendo 203 delas em São Paulo e 181 em Minas.
Vacinação é fundamental
A vacinação, claro, é a forma comprovadamente mais eficaz de prevenção contra a febre amarela. E, neste caso, não importa se todos no entorno estão imunizados. Quem nunca se vacinou corre o risco de ser infectado se estiver num local com mosquitos que transmitem a doença.
“São raríssimos os casos em que pessoas vacinadas são infectadas. E aqui não adianta vacinar 90% ou 95%. A vacina protege individualmente, não há um efeito indireto (de outras pessoas imunizadas). Então, todos os indivíduos precisam estar vacinados”, explica Renato Kfouri, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
De acordo com o Ministério da Saúde, até o dia 23 de junho, foram distribuídas 13,8 milhões de doses da vacina aos estados, com mais de 4 milhões aplicadas em todo o país. Por conta das ações específicas de vacinação contra a febre amarela, a cobertura vacinal no país, que era de 73,14% em 2024, subiu para 85,08% em 2025.
“Entre as ações adotadas estão a retomada das grandes mobilizações nacionais de vacinação, como o Dia D e vacinação nas escolas e recomendação de busca ativa, e investimento anual de R$ 150 milhões para estados e municípios reforçarem suas ações regionais”, afirmou o ministério por meio de nota.
Em Minas, a cobertura vacinal contra a febre amarela em crianças menores de um ano em 2025 está em 94,63% (bem próximo da meta de 95%).
As coberturas vacinais são bem diferentes entre as regiões e as faixas etárias Brasil afora, porque estão diretamente relacionadas às campanhas de vacinação realizadas desde os anos de 1930. “Nos locais em que a vacina era mais tradicionalmente aplicada, como Norte e Centro-oeste, onde se utilizava o esquema vacinal de 10 em 10 anos, tem muita gente mais velha com quatro ou cinco doses. Mas no Brasil também tem muita gente mais nova ainda não vacinada”, explica Renato Kfouri. “Em São Paulo, dependendo da região, a cobertura é melhor ou pior. Então, é importante sempre reforçar a o calendário vacinal que é feito de primeira dose aos 9 meses, e a segunda aos 4 anos”.
Entre as vítimas da febre amarela neste ano, 80% são do sexo masculino. “A grande maioria dos infectados é formada por homens, que procuram menos a assistência médica e se expõem mais nas regiões de mata. São homens do campo ou viajantes que vão para essas regiões onde estão circulando os vírus”, explica Kfouri. Ou seja, homens devem ser, prioritariamente, público-alvo de campanhas de vacinação.
Como é a vacina?
Segundo a SBIm, no Brasil estão disponíveis duas vacinas: a produzida por Bio-Manguinhos – Fiocruz, utilizada pela rede pública, e a produzida pela Sanofi Pasteur, utilizada pelos serviços privados de vacinação e eventualmente pela rede pública. Ambas são elaboradas a partir de vírus vivo atenuado, cultivado em ovo de galinha.
As duas têm perfis de segurança e eficácia semelhantes, estimados em mais de 95% para maiores de 2 anos.
Há contraindicações de uso dessas vacinas para crianças abaixo de 6 meses de idade, pessoas imunossupressão grave, pessoas com história de reação anafilática relacionada a ovos, mulheres que amamentam bebês com até 6 meses, entre outros. A lista completa pode ser conferida aqui.
A dose fracionada da vacina febre amarela, utilizada pelo Ministério da Saúde para conter o surto de grandes proporções que atingiu o Brasil em 2018, é considerada válida para fins de esquema (de uma ou duas doses), mas não é aceita para a emissão do Certificado Internacional de Vacinação (CIVP). Pessoas que precisam se deslocar para países que exigem o documento, precisam ter recebido pelo menos uma vacina com dosagem plena, no mínimo 10 dias antes da viagem.
ESQUEMA VACINAL
Veja quais são as orientações da Secretaria de Saúde de Minas para a imunização contra a febre amarela:
De 9 meses a 4 anos, 11 meses e 29 dias: 1 dose aos 9 meses e 1 dose de reforço aos 4 anos
A partir de 5 anos:
- Histórico de 2 doses antes dos 5 anos: esquema completo, sem necessidade de reforço
- Histórico de 1 dose antes dos 5 anos: 1 dose de reforço
- 1 dose recebida a partir dos 5 anos: esquema completo, sem reforço
Entre 5 e 59 anos, sem histórico vacinal: administrar 1 dose
Pessoas vacinadas apenas com dose fracionada (2018): 1 dose de reforço com dose padrão
Crianças entre 6 e 8 meses: Vacina não é recomendada, mas pode ser válida em situações especiais (residência ou deslocamento para área com circulação do vírus), a depender de uma decisão médica
Pessoas a partir de 60 anos: o médico avalia a necessidade, considerando histórico vacinal, risco e condições clínicas