Caso o Projeto de Lei (PL) nº 2.033/2022, aprovado nessa segunda-feira (29) pelo Senado, seja sancionado pela presidência, os planos de saúde serão obrigados a cobrir tratamentos com recomendação médica que não estejam na lista de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula a atuação dessas empresas no Brasil. Isso significaria o fim do chamado rol taxativo da ANS, que se tornou tema de disputa no setor em junho deste ano, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os planos de saúde eram obrigados a cobrir somente o que estava listado pela agência.
Mesmo com a decisão do STJ, instâncias inferiores de Justiça ainda poderiam continuar a conceder liminares a famílias que precisassem de tratamentos específicos não incluídos no rol da ANS. Agora, com o novo PL, esse entendimento se tornaria lei. Em pressão contrária à mudança, empresas afirmam que a nova norma poderia desequilibrar o mercado e encarecer os planos de saúde.
Após a decisão do STJ, familiares que conseguiram tratamentos fora do rol graças a decisões da Justiça expressaram preocupação com o destino dos procedimentos. Viralizou, por exemplo, o relato de uma técnica de enfermagem que teria sido demitida após se recusar a desligar o oxigênio de uma criança cuja liminar que garantia o abastecimento caiu.
Entenda, abaixo, quatro pontos sobre o rol taxativo da ANS e como eles podem interferir no seu plano de saúde.
1 - Para o que serve o rol da ANS e como ele pode ser consultado?
O rol da ANS lista todos os procedimentos que os planos de saúde que operam no Brasil são obrigados a cobrir. Instituído em 1999, ele precisa ser atualizado a cada seis meses. Qualquer cidadão ou instituição pode sugerir atualizações em um formulário eletrônico. As sugestões são avaliadas pela ANS e submetidas a consulta pública antes de serem incorporadas ao rol.
O rol que está em vigência atualmente acrescentou mais 69 medicamentos e procedimentos, como exames, terapias e cirurgias, à versão anterior. O rol completo da ANS pode ser consultado no site da agência.
2 - Qual é a diferença entre rol exemplificativo e rol taxativo da ANS?
Especialista em direito do consumidor, o advogado Rômulo Brasil explica que, caso o PL seja aprovado, tende a ser mais fácil que os pacientes obtenham os tratamentos necessários. “O rol da ANS sempre existiu. A dúvida que pairava era se era taxativo, ou seja, se os planos deveriam cobrir só o que estava ali, ou se era exemplificativo, apenas um balizador, porque não havia lei que previsse isso".
Até então, sem legislação específica, quando o paciente necessita de um tratamento que não esteja no rol, pode solicitá-lo ao plano de saúde e, se tiver uma resposta negativa, acionar a Justiça. Nesse caso, a decisão depende do entendimento é do juiz, que pode ou não obrigar o plano a conceder o procedimento. O entendimento do STJ, em junho, de que o rol é taxativo, deu mais subsídios a vitórias dos planos de saúde. Ainda assim, a decisão do tribunal já admitia a possibilidade de cobertura de tratamentos que não tivessem nenhum substituto no rol.
3 - Os planos de saúde precisarão cobrir qualquer tratamento?
Eles já são obrigados a cobrir tudo o que estiver previsto no rol da ANS. Com a nova lei, precisarão cobrir também alternativas indicadas por médicos que não estejam listadas, desde que, conforme descreve o texto do PL:
- “exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico;
- existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais”.
O advogado Rômulo Brasil avalia que, mesmo que os planos sejam obrigados a cobrir os tratamentos, pacientes ainda poderão depender de judicializar os pedidos para ter aceso ao que não estiver no rol. “Como sabemos, temos um punhado de leis e algumas são descumpridas. Mas, se o plano se negar, uma decisão judicial estará mais favorável ao paciente agora, porque não dependerá do entendimento do juiz, se for uma lei”, explica.
4 - Os planos de saúde ficarão mais caros sem o rol taxativo da ANS?
O PL não menciona valores dos planos de saúde, mas as empresas afirmam que eles poderão ficar mais caros. Em seu site oficial, a Unimed, por exemplo, defende o rol taxativo e afirma que “coberturas fora do rol podem tornar os planos mais caros, uma vez que um dos princípios que norteia a saúde suplementar é o do mutualismo, que significa que os custos são rateados entre o conjunto de clientes do plano”. Mesmo com o rol taxativo, a ANS aprovou, neste ano, reajuste de 15,5% para as operadoras, o maior percentual desde 2020.
Especialista em Direito Civil e Médico e sócia do Lara Martins Advogados, a advogada Nycolle Soares considera que há margem para o aumento do preço dos planos. "Os planos podem acabar se tornando mais onerosos e as operadoras de saúde delimitam os custos disso. Isso passa por uma avaliação da ANS, mas a operadora de saúde tem a liberdade de impor o custo do serviço que ela disponibiliza", finaliza.