A manicure Patrícia do Carmo, 43, precisou se esconder no banheiro com a filha de 11 anos por causa da intensa troca de tiros no Complexo do Alemão, alvo de operação policial nesta quinta-feira (21). Ela mora na localidade da Fazendinha e calcula estar a cerca de 500 metros do ponto do tiroteio.
Ao menos 18 pessoas morreram, nesta quinta-feira (21), durante uma operação policial contra o crime organizado no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, informou a Polícia Militar (PM). Moradores se trancaram em casa e perderam o dia de trabalho com medo da ação. pic.twitter.com/Wk5N43c3Pm
— O Tempo (@otempo) July 21, 2022
"Comecei a ouvir os tiros por volta das 6h, quando estava tomando banho. Chamei minha filha e ficamos lá por mais de 30 minutos. Sentíamos que os tiros estavam muito perto, preferimos não pagar para ver", afirmou.
Oficialmente, ao menos cinco pessoas morreram. A PM afirmou que um de seus agentes morreu em meio à ação. Moradores denunciaram que uma mulher dentro de um carro foi assassinada por um policial militar - sua morte foi confirmada pela UPA da região. A corporação diz que três homens foram encontrados mortos em meio aos confrontos.
A reportagem viu, porém, sete corpos sendo carregados por moradores em lonas e toalhas no final da manhã. Matheus Andrade, 22, estudante e morador do Complexo do Alemão, teve a rotina inteiramente afetada pelo tiroteio: faltou ao trabalho e não irá para a faculdade.
"Eu fui acordado às 5h da manhã em meio a tiros na comunidade. Por conta da operação não pude trabalhar, não vou para autoescola e não vou conseguir ir para aula na faculdade. Há diversos relatos de amigos com casas alvejadas e vídeos de moradores com casas depredadas", relatou.
Outra moradora, que prefere não se identificar, diz que está trancada em casa desde o início da operação e que avisou à empresa em que trabalha que não poderá sair nesta quinta-feira. Ela mora na parte alta do Alemão, onde, segundo ela, os tiros são incessantes desde o começo da manhã.
A Secretaria Municipal de Saúde do Rio informou que as clínicas Zilda Arns e Rodrigo Roig, na região, acionaram o protocolo de acesso mais seguro e estão com funcionamento suspenso na manhã desta quinta. As escolas municipais da região, em razão do recesso escolar, estão fechadas.
Em nota, a Polícia Militar afirmou que informações dos setores de inteligência indicaram a presença de criminosos do Complexo do Alemão praticando roubos de veículos, principalmente nas áreas dos bairros do Grande Méier, Irajá e Pavuna.
O grupo é suspeito de roubos a bancos e roubos de carga, além de planejar tentativas de invasão a outras comunidades. Ainda segundo a polícia, durante a operação, criminosos colocaram fogo em barricadas, jogaram óleo na via e atacaram os agentes.
Moradores de outros bairros do entorno relataram também disparos atingindo as comunidades. A cerca de dois quilômetros dali, Roni Idelfonso, 23, foi atingido por um tiro de raspão dentro da casa de três andares onde mora com a família em Ramos, zona norte.
A esposa, Juliana Azevedo, 26, disse acreditar que o disparo tenha vindo da operação no Complexo do Alemão. A bala de fuzil furou o teto e atingiu a barriga do marido.
"A gente estava dormindo no último andar da casa, por volta de 6h30. Acordei com o barulho de alguma coisa caindo e o teto estilhaçando, com poeira em cima de mim. O revestimento externo é de telha e por dentro é de PVC. Na mesma hora, ouvi meu marido gritando 'minha barriga!'. Percebi que algo tinha acontecido", conta Juliana.
"Vi o buraco que estava no teto. No chão, uma bala de fuzil, fina e comprida. Meu marido sentiu dor, mas como o tiro foi de raspão, ele conseguiu ir trabalhar. A Unidade de Pronto Atendimento (UPA) mais perto é justamente a do Alemão, não faz sentido ir para lá", continua.
Outras operações no Rio
A operação ocorre em meio à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que restringiu as operações policiais para casos excepcionais no estado do Rio de Janeiro, enquanto durar a pandemia da Covid-19.
Em maio, operação policial na Vila Cruzeiro, a segunda mais letal no estado, resultou na morte de 23 pessoas. A favela é vizinha ao Alemão, alvo da ação desta quinta-feira. A operação mais letal ocorreu em maio de 2021, na favela do Jacarezinho. Foram mortas 28 pessoas, sendo um policial civil (Yuri Eiras/Folhapress)