O ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, preso em uma operação da Polícia Federal que investiga o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, integrava grupo miliciano que atua no Rio de Janeiro. Por isso ele tinha patrimônio incompatível com seus rendimentos, de acordo com a investigação.
Na decisão que autoriza a prisão do ex-bombeiro, a Justiça fluminense afirma que o “acusado ostentaria patrimônio incompatível com suas receitas” e que “haveria indícios de que integraria organização criminosa armada para exploração de ‘gatonet’ em Rocha Miranda”, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro.
No Rio, o fornecimento ilegal de TV a cabo por meio de ligações clandestinas é chmado de gatonet, um dos serviços das milícias que atua na capital fluminense e região metropolitana. Outras atividades ilegais desses grupos são a venda de gás de cozinha com preço abusivo e o transporte de passageiros por vans.
Maxwell ostentava luxo nas redes sociais, onde publicava fotos com correntes de ouro em momentos de lazer, como passeando de lancha no mar e tomando cerveja na piscina de casa – localizada em um condomínio de luxo no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste do Rio, está avaliada em mais de R$ 4 milhões.
Conhecido como Suel, Maxwell Corrêa era integrante do Corpo de Bombeiros Militar do Rio de Janeiro à época dos assassinatos de Marielle e Anderson, ocorridos em março de 2018. Ele tornou-se alvo de um processo disciplinar após ser citado em investigação sobre o crime. O procedimento militar resultou na expulsão de Maxwell, em maio do ano passado.
A defesa dele recorreu da decisão. Em janeiro deste ano, o juiz Bruno Monteiro Rulière, da 1ª Vara Especializada em Organização Criminosa da Comarca da Capital (cidade do Rio de Janeiro), atendeu a um dos pedidos da defesa e converteu sua prisão preventiva em domiciliar por 30 dias. Os advogados alegaram que o bombeiro precisava de uma cirurgia para a retirada de pedra na vesícula.
Ex-bombeiro já havia sido preso por atrapalhar investigação
Conhecido como Suel, Maxwell Corrêa já havia sido detido, em 2020, e condenado a quatro anos de prisão “por atrapalhar de maneira deliberada” as investigações das mortes de Marielle e Anderson.
Durante essa primeira prisão do ex-bombeiro, estavam entre os alvos de mandados de busca e apreensão a BMW-X6 dele. O carro estava avaliado, à época, em quase R$ 200 mil. Na garagem da casa dele, a polícia também encontrou uma lancha.
Segundo as investigações do MP do Rio e da PF, em 13 de março de 2019, um dia após as prisões dos ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, denunciados como autores dos crimes, Maxwell ajudou a ocultar armas de fogo de uso restrito e acessórios pertencentes a Ronnie, que estavam em um apartamento no bairro do Pechincha, usado pelo ex-PM, e em locais ainda desconhecidos.
De acordo com a investigação, Maxwell cedeu o veículo usado para guardar o vasto arsenal bélico pertencente a sargento da reserva da PM do RJ Ronnie Lessa, entre 13 e 14 de março de 2019, para que o armamento fosse, posteriormente, descartado em alto mar por um de seus comparsas, Josinaldo Freitas, o Djaca.
A polícia cogitou que uma das armas pode ter sido usada no ataque contra Marielle. O veículo de Suel ficou estacionado no pátio de um supermercado na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Suel, segundo as investigações, tentou plantar falsas testemunhas para esconder a propriedade do carro, mas elas foram desmentidas.
Maxwell e Élcio Queiroz são considerados os melhores amigos de Ronnie Lessa. Foi o ex-bombeiro que salvou Lessa durante uma troca de tiros no Quebra-Mar, na Barra da Tijuca. Na ocasião, logo após os assassinatos de Marielle e Anderson, o ex-PM havia sofrido um assalto e foi ajudado por Maxwell.
Condenado, Maxwell estava em regime aberto
Um ano após a primeira prisão, em fevereiro de 2021, a Justiça condenou o ex-bombeiro a quatro anos de prisão. O juiz Carlos Eduardo Carvalho de Figueiredo, da 19ª Vara Criminal, autorizou o cumprimento da pena em regime aberto e determinou que Maxwell prestasse serviços à comunidade.
O benefício durou até a manhã desta segunda-feira, quando policiais federais prederam Maxwell na casa dele, na Operação Élpis, primeira fase da nova investigação sobre o duplo assassinato – apesar da condenação de executotres, até hoje não se sabe quem é o mandante do crime.
Maxwell seguiu a rotina de Marielle por sete meses
Marielle Franco era seguida por Maxwell Corrêa desde agosto de 2017, até a execução do plano criminoso, sete meses depois. A informação consta em delação premiada feita por Élcio Queiroz, que confessou, em troca de benefícios judiciais, que dirigiu o carro usado nos assassinatos da política e do motorista dela, Anderson Gomes, no Centro do Rio de Janeiro, em março de 2018.
Também na delação, homologada pela Justiça fluminense, Élcio Queiroz confirmou que Ronnie Lessa fez os disparos. O delator ainda entregou outro comparsa, o Suel, que teria sido o responsável por levantar informações sobre a rotina das vítimas. Ronnie e Élcio estão presos em penitenciária federal, à espera de julgamento, que não tem data marcada.
Informações sobre o envolvimento dos três citados foram feitas em duas entrevistas coletivas, realizadas em Brasília e no Rio de Janeiro, nesta segunda. Na capital fluminense, o delegado da PF Guilhermo Catramby afirmou que Maxwell fazia campanas desde 2017 para levantar informações sobre a rotina de Marielle, conforme o depoimento prestado por Élcio, há duas semanas, e que levaram à operação desta segunda.
“O Élcio detalha algumas coisas em relação ao planejamento, e esses detalhes, e apesar de saber, não tem maiores informações, porque a efetiva participação foi a partir de 14 de março de 2018, e a participação do Suel foi ainda em agosto de 2017”, comentou Catramby.
De acordo com as investigações, Suel participou antes, durante e depois do crime: além de suporte logístico, ele realizou monitoramentos e ainda destruiu uma das provas do homicídio — o carro usado também para transporte de armas. No dia seguinte ao crime, ele ajudou Ronnie Lessa e Élcio Queiroz a trocar as placas do veículo, a contactar a pessoa responsável por desmanchar o veículo e os executores a se livrarem das armas, jogando ao mar.
Informações de delator foram checadas e confirmadas por investigadores
Ainda na coletiva no Rio, o promotor de Justiça Eduardo Morais Martins, integrante da força-tarefa formada com a PF para desvendar o crime ocorrido em 2018, afirmou que as informações da delação premiada de Élcio de Queiroz foram confirmadas por levantamentos feitos pela investigação.
“A novidade que houve foi a colaboração (de Élcio), que não é por acaso. Fruto de trabalho de revisão, melhoramos o arcabouço probatório para que pudesse investir numa linha estratégica de delação. Foi corroborada com levantamento. Não adianta receber informação por si só. Só adianta quando é corroborada. Se mostrou, em vários momentos, completamente de acordo. A versão apresentada foi confirmada de forma bem taxativa”, ressaltou o promotor.
Eduardo Martins contou ainda que, na delação, Élcio Queiroz disse que para conversas mais reservadas ele e Ronnie Lessa usavam o aplicativo Confide, que ofereceria “tripla confidencialidade” – nesse app a mensagem criptografada é destruída imediatamente após a leitura. Com a quebra de sigilo de dados da “nuvem”, peritos conseguiram comprovar o uso do aplicativo pelos supostos assassinos de Marielle e Anderson.
Marielle foi assassinada devido às causas que defendia
O promotor Eduardo Martins também afirmou que Marielle Franco foi alvo do grupo criminoso por causa do que ela defendia. Ele, no entanto, não disse que causas motivaram a ira dos assassinos.
“Desde a denúncia de Ronnie e Élcio, já se coloca na denúncia que o crime foi praticado por conta também das causas defendidas por Marielle. Isso não exclui outras possíveis motivações. Isso está na denúncia ( à Justiça)e permanece”, disse.
Flávio Dino disse que há outro envolvidos na morte de Marielle
Mais cedo, em Brasília, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse que a investigação realizada pela PF aponta que há outras pessoas envolvidas nos assassinatos de Marielle e Anderson, além dos três militares já presos.
“Sem dúvida há a participação de outras pessoas, isso é indiscutível. As investigações mostram a participação das milícias e do crime organizado do Rio de Janeiro no crime”, ressaltou Dino, ao lado do diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, na manhã desta segunda.
Dino convocou entrevista coletiva logo após o desencadeamento da operação para prender Maxwell Corrêa, o Suel e cumprir mandados de apreensão em apuração sobre o duplo homicídio. O ministro afirmou que, nas próximas semanas, devem ocorrer outras operações contra alvos apontados nas investigações como mandantes do crime. Até agora, a PF mirava os executores.
Dino contou que a operação desta segunda ocorreu a partir de delação premiada realizada há cerca de 15 dias por Élcio. “Élcio Queiroz confirmou em delação premiada a participação dele próprio, do Ronnie Lessa e do Maxwell. Temos o fechamento desta fase, com a confirmação de tudo que aconteceu no crime. Há elementos para um novo patamar da investigação, que é descobrir os mandantes”, afirmou o ministro.
Ronnie Lessa negou, em depoimento, participação no crime. Ronnie e Élcio serão julgados pelo Tribunal do Júri. O julgamento ainda não tem data marcada. Ronnie Lessa, que tem ligação com milícias, já foi condenado por outros crimes: comércio e tráfico internacional de armas, obstrução das investigações e destruição de provas.
PF entrou no caso após posse de Lula, que prometeu solucionar crime
A PF iniciou uma apuração própria após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República. Ele se comprometeu a elucidar o Caso Marielle. O mesmo fez Flávio Dino em sua cerimônia de posse no ministério, na presença de familiares de Marielle Franco.
Em fevereiro, Dino anunciou que a PF iria “intensificar” a atuação em conjunto com o Ministério Público do Rio de Janeiro nas investigações sobre o assassinato. A decisão foi tomada após Dino se reunir com o procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Luciano Mattos. (Com Estadão Conteúdo)
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