Com a atrativa proposta de devolver aos consumidores uma parte do dinheiro de suas compras, a empresa de tecnologia voltada para serviços financeiros (fintech) Beblue tem atrasado repasses a lojistas credenciados. O advogado Rodolfo Rezende, do escritório Mourão Rezende Advogados, entrou com dois processos contra a Beblue no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) em setembro. Ele representa dois restaurantes de Belo Horizonte que não estão recebendo o dinheiro de vendas concretizadas por meio da máquina de cartão de crédito e débito da Beblue. “Os atrasos começaram em junho de 2018 e seguiram até setembro. O aplicativo chegou a fazer alguns pagamentos, mas de valores menores que os devidos. Entramos em contato com a empresa várias vezes, enviamos uma notificação extrajudicial solicitando os pagamentos, mas não adiantou”, afirma Rezende.

Um de seus clientes, que pediu anonimato, tem um restaurante na região Centro-Sul de Belo Horizonte e cobra, na Justiça, uma dívida de R$ 130 mil acumulada só nos últimos três meses. “Meu capital de giro foi embora. Eu usava a máquina de cartão de crédito e débito da Beblue porque as taxas eram menores. Por isso, cerca de 70% do meu faturamento vinha pela Beblue”, conta o empresário.

O outro processo foi aberto pelo restaurante Conceito Gourmet, no bairro Lourdes, também na região Centro-Sul da capital. “O acompanhamento dos pagamentos é feito pelo site da Beblue, mas o extrato deles não condiz com a realidade. Se, no meu cálculo, eu tinha que receber R$ 2.000, eles depositavam R$ 150”, conta Edilamar Rezende, proprietária do Conceito Gourmet. A dívida da fintech com seu estabelecimento é de R$ 10 mil. “Como era uma empresa nova, fui cautelosa. Cerca de 5% a 10% do meu faturamento vinha pela máquina da Beblue”, explica Edilamar.

O problema se repete em outros Estados. “Temos cerca de R$ 6.000 para receber, e eles acertaram R$ 2.000 hoje (anteontem)”, afirma o dono da Nacho Man Mexican Food, Alison Netto. O restaurante fica em Florianópolis. Netto faz parte de um grupo no WhatsApp que reúne 35 lojistas de várias cidades do país, que relatam atrasos no pagamento da Beblue.

Sócia responsável pela gestão financeira das duas unidades do Bar do Sabão, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, Tábata Noronha também faz parte do grupo. “Os atrasos começaram em junho deste ano. Na minha planilha financeira tem mais de cem vendas que não estão presentes no extrato do site deles”, relata Tábata. Ela diz que, nos últimos três meses, a dívida da Beblue com seu estabelecimento já chegou a R$ 17 mil, mas que, no momento, é de R$ 3.300. Segundo alguns lojistas, a empresa tem feito pagamentos esporádicos.

São Paulo. Além das ações na Justiça mineira, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) já recebeu ao menos 15 processos de cobrança contra a Beblue, segundo pesquisa no site da instituição.

Problema foi a greve de maio, diz empresa

Segundo o CEO da Beblue, Daniel Abbud, houve um “soluço” no fluxo de caixa da empresa em junho em função da greve de caminhoneiros, ocorrida nos últimos dias de maio de 2018. “Perdemos cerca de 70% do faturamento em função da greve dos caminhoneiros, que afetou os pagamentos. Agora, esse problema já está 100% sanado”, diz Abbud. Ele ainda afirma que “a empresa deixou de fazer, em junho, antecipações de pagamento, quando o lojista solicita que o valor seja repassado antes, mediante taxa”, complementa.

Para o CEO, outros atrasos são pontuais. “Temos 20 mil estabelecimentos cadastrados e fazemos cerca de 3 milhões de transações financeiras por mês. Se algum cliente está com problema, basta entrar em contato, que resolvemos”, diz.

Faltam dados para fazer auditoria nas contas

Para auditar os recebimentos dos cartões de crédito e débito, a gestora financeira do Bar do Sabão, em Contagem, Tábata Noronha, contratou uma empresa de controle financeiro. O objetivo era fazer a conciliação bancária do negócio. “A empresa, porém, não consegue os dados financeiros da Beblue”, afirma. 

Hellen Miriane Ribeiro Costa, gestora da Performa Brasil, contratada por Tábata, confirma a situação. “Recebemos os dados financeiros de todas as outras empresas de cartão normalmente, mas fizemos contato com a Beblue, e eles não informam. Sem esses dados não é possível auditar os pagamentos”, diz Hellen.

O CEO da fintech, Daniel Abbud, nega a situação. “Os dados financeiros estão disponíveis na área do lojista no site da Beblue”, diz.