Minas Gerais está em luto pelas 165 mortes confirmadas e 160 desaparecidos, pelos desabrigados e pelo impacto ambiental, diante do rompimento da barragem I da mina de Córrego do Feijão. E, além da tristeza, o Estado terá que lidar com as consequências econômicas da queda de produção de minério de ferro da Vale. Segundo um estudo realizado pela Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), a redução da produção da Vale no Estado pode retirar R$ 23,3 bilhões da economia de Minas só em receita industrial. Isso equivale a 4,2% do PIB do Estado em 2018 (R$ 560 bilhões, segundo cálculos da Fiemg), ou ao PIB de Juiz de Fora e Montes Claros somados, segundo o último dado do IBGE, de 2016. Seria como se toda a riqueza produzida por essas duas cidades desaparecesse do mapa.
Em Minas, apenas quatro cidades (Belo Horizonte, Contagem, Betim e Uberlândia) têm um PIB maior do que essa perda financeira que a Vale vai proporcionar, segundo o cálculo da Fiemg. Portanto, esses R$ 23,3 bilhões são maiores que a riqueza anual gerada por 849 municípios mineiros.
Segundo a Fiemg, para cada R$ 100 que a mineradora deixar de ganhar, outras indústrias, de setores como transporte, máquinas e equipamentos, deixam de faturar R$ 25. O cálculo da Fiemg considerou o valor médio da tonelada de minério, o câmbio, a receita anual da Vale com os 40 milhões de toneladas de minério de ferro que deixarão de ser extraídas das minas no Estado em 2019 em função do descomissionamento (retirada de rejeitos e reintegração à natureza) de dez barragens inativas. Tem ainda 30 milhões de toneladas produzidas na mina de Brucutu, em São Gonçalo do Rio Abaixo, na região Central de Minas – paralisada por decisão judicial, da qual a Vale recorreu – além do impacto em outras indústrias.
“Cerca de 95% da nossa receita é oriunda de impostos da mineração, não apenas Cfem, mas ISS, ICMS e outros. Isso vai acarretar prejuízos e afetar o orçamento, comprometendo investimentos em saúde, educação e desenvolvimento”, diz o prefeito de São Gonçalo do Rio Abaixo, Antônio Carlos Noronha Bicalho (PDT).
Nos bastidores do governo de Minas, o receio é que a produção da mineradora no Estado não volte aos patamares atuais e que a empresa priorize a sua produção de minério de ferro nas minas do Estado do Pará. Os 40 milhões de toneladas de minério de ferro que deixarão de ser extraídos representam 10,9% da produção da Vale em 2017, e a mineradora admite que poderão ser produzidos em outras unidades (como Carajás, no Pará). “O impacto será parcialmente compensado por meio do aumento de produção em outros sistemas produtivos da companhia”, diz a Vale.
Royalties
Para as obras de descomissionamento das barragens, que vão durar até três anos, a Vale terá que paralisar algumas minas. Uma delas é a de Fábrica, em Congonhas, região Central. Nessa cidade, 60% do orçamento depende dos royalties da mineração. Só a Vale gera de R$ 700 mil a R$ 800 mil por mês com Cfem. “O impacto vai ser muito grande, pois já estamos passando por dificuldades com o atraso de repasses do Estado. Sem falar que a Vale está lucrando. No dia seguinte ao anúncio do plano de descomissionamento, a tonelada de minério subiu US$ 10”, avalia o prefeito José Freitas Cordeiro (PSDB).
Para o prefeito de Nova Lima, Vítor Penido (DEM), presidente da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais (Amig), a Vale deve investir em tecnologia para garantir a segurança das barragens, e não apenas parar de produzir o minério. “Esse anúncio das barragens foi precipitado. Eles precisam investir para modernizar as operações, e para isso vão gastar um valor insignificante diante dos lucros da empresa”, afirma. Em 2017, a mineradora lucrou R$ 17,6 bilhões.
São 70 mil empregos em risco
O emprego no Estado pode ser afetado pela diminuição de produção de minério pela Vale. “Alguns estudos acadêmicos apontam que, para cada emprego gerado pela Vale, a cadeia produtiva gera outros 13”, afirma o economista e integrante do Conselho Regional de Economia (Corecon-MG) Adriano Miglio Porto. Segundo a Vale, serão impactados 5.000 funcionários com o descomissionamento de dez minas no Estado, mas eles serão realocados, assim como os empregados diretos da mina de Brucutu, temporariamente paralisada em São Gonçalo do Rio Abaixo. Pelas estimativas do impacto indireto, 70 mil empregos estariam em risco.
Segundo o Sindicato Metabase de Itabira, para cada empregado direto, a Vale tem de dois a três terceirizados, o que coloca 10 mil terceirizados como alvo de cortes. “Toda mina tem uma vida útil, e a empresa deve apresentar um plano de fechamento que envolva a comunidade impactada. Ela deve investir em capacitação da comunidade que está envolvida. Cabe a nós, cidadãos, buscar conhecimento sobre as obrigações da empresa”, avalia a engenheira florestal e de segurança do trabalho e interface acadêmica da Una Gabriela Camargos Lima.
Garantia de Cfem só para Brumadinho
Uma das reivindicações da Associação dos Municípios Mineradores do Estado (Amig) é que a Vale garanta o valor da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem) que serão perdidos com a paralisação da produção. Segundo a Fiemg, a Cfem paga pela Vale representa 45% dos royalties do minério de ferro de Nova Lima e 72% em Ouro Preto.
Em nota, a Vale se comprometeu só com Brumadinho. “Mesmo com a paralisação das atividades da mina de Córrego do Feijão, a Vale vai compensar financeiramente a perda de arrecadação da Cfem ao município de Brumadinho. A Vale está em contato com as autoridades competentes com relação a questionamentos” diz.
Situação fiscal será agravada
A queda na produção de minério da Vale afeta a situação fiscal do Estado. “Impacta inclusive no atendimento de demandas sociais”, avalia o pesquisador da Fundação João Pinheiro, Glauber Silveira. Segundo a Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz), o governo vai perder cerca de 30% na arrecadação de tributos do setor de mineração, ou R$ 220 milhões. Em nota, a Sefaz salientou que essa perda, somada à queda de R$ 79 milhões na distribuição da Cfem aos municípios, “não leva em consideração os efeitos indiretos na cadeia produtiva e econômica do setor”. “O cenário vai atrasar a recuperação fiscal do Estado”, conclui a gerente de economia da Fiemg, Daniela Britto.
Ranking mineiro
Os maiores PIBs do Estado, segundo o IBGE/2016:
1- Belo Horizonte:
R$ 88,27 bilhões
2 - Uberlândia:
R$ 32,53 bilhões
3 - Contagem:
R$ 26,48 bilhões
4- Betim:
R$ 25,14 bilhões
5- Juiz de Fora:
R$ 14,53 bilhões
6 - Uberaba:
R$ 13,45 bilhões
7 - Montes Claros:
R$ 8,73 bilhões
8 - Ipatinga:
R$ 8,48 bilhões