Folia democrática

Carnaval de BH tem desafio de manter viva a essência plural

Sonorização de avenidas é aprovada pelos blocos e pode ser ampliada em 2025; especialistas alertam sobre risco de elitização da festa

Por Gabriel Rezende
Publicado em 19 de fevereiro de 2024 | 05:00
 
 
 
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O maior Carnaval da história de Belo Horizonte. A frase, que vem sendo usada ano a ano, há mais de uma década, para descrever a folia da capital mineira, também se aplica a 2024, indicando que a festa continua a crescer. Nesta edição, um investimento inédito do Executivo estadual, de R$ 8,5 milhões, melhorou a qualidade sonora de desfiles nas avenidas Amazonas e Andradas. Com a promessa de mais recursos para as próximas edições, especialistas alertam sobre o risco de a folia belo-horizontina se tornar elitizada e avaliam que os investimentos devem respeitar a essência da festa, que é descentralizada e plural.

Do dia 27 de janeiro até ontem (18 de fevereiro) – período oficial do Carnaval de Belo Horizonte –, mais de 500 blocos desfilaram na capital mineira. Os blocos Baianas Ozadas e Tchanzinho Zona Norte afirmam que a sonorização resolve um problema histórico da festa em Belo Horizonte, relacionado à qualidade do som.

“O Carnaval da capital tem um modelo particular, que junta o som produzido no trio à bateria de rua. A partir de certa distância, não é possível ouvir. As caixas de som instaladas pela avenida suprem esse problema”, explica Geo Cardoso, diretor do Baianas.

Fundadora do bloco Tchanzinho Zona Norte, criado em 2013, Laila Heringer opina que as “vias sonorizadas são uma solução” para tornar “confortável para as pessoas que não estão perto do trio”. Ela, contudo, reforça a necessidade de expandir a estrutura para bairros fora da região Centro-Sul. 

“Os blocos têm essa relação com o território. Eles movimentam o local, ocupam espaços e trazem uma sensação de pertencimento para os moradores”, pontua. Convidado a desfilar na avenida dos Andradas, no circuito sonorizado, o Tchanzinho Zona Norte realizou dois cortejos. O primeiro deles foi dedicado à comunidade local, no bairro Jaraguá.

O secretário de Cultura e Turismo de Minas Gerais, Leônidas Oliveira, corrobora a opinião de Laila e garante a pretensão de expandir a sonorização para outras vias e blocos. Ele cita a avenida Afonso Pena e a rua Sapucaí como locais que devem ganhar a estrutura. “Precisamos pensar nos bairros também. É preciso descentralizar cada vez mais”, reconhece o gestor. 

Possível elitização preocupa

Embora a sonorização seja elogiada pelos blocos contemplados, especialistas temem que os investimentos elitizem a folia e “matem a essência” do Carnaval de Belo Horizonte. A geógrafa Regina Helena afirma que a busca, a qualquer custo, pelo crescimento do Carnaval em número de foliões é um erro. “BH tem um limite. A cidade pode ter um Carnaval maravilhoso sem 7 milhões, 8 milhões de pessoas. O Carnaval de BH é de rua, de bloco de rua. Uma festa que ocupa espaços públicos”, frisa. 

Para ela, é preciso investir e melhorar o que já deu certo. "O Carnaval de BH é de rua, de bloco de rua. Uma festa que reforça a importância de usar espaços públicos. É plural e diverso. Esse é o limite da balança. Você não pode pesar demais para um lado, senão vai arrebentar o outro. É importante explorar essa diversidade", afirma Regina. 

Segundo o urbanista Roberto Andrés, para não mudar a essência do Carnaval, o poder público deve investir os recursos que priorizem a pluralidade dos blocos. Ele acrescenta que o Carnaval vive um momento crucial pelo crescimento dos últimos anos. A festa saiu de 500 mil foliões em 2013 para 5,25 milhões em 2023, alta de 950%.

“O Carnaval precisa conseguir acomodar melhor essa quantidade de pessoas, sob o risco dos foliões terem experiências ruins e não quererem voltar. A solução para isso é distribuir as pessoas pelos blocos — e há potencial para isso — evitando a centralização”, analisa.  

Vendedores ambulantes relatam prejuízo 

“Pior Carnaval de todos”. Assim o comerciante Márcio Neves, 50, classificou os lucros que teve neste ano. A reclamação é quase unanimidade entre os vendedores e pode ser explicada pelo número recorde de ambulantes cadastrados.

Dados mostram que o crescimento do número de foliões não acompanhou o aumento de 29,64% no cadastro de vendedores ambulantes, que subiu de 16.117, em 2023, para 20.899, em 2024. Com estimativa de público de 5,5 milhões nesta edição, o Carnaval de BH teve 263 foliões para cada comerciante. Em 2023, a proporção era de 326 para um.

Para 2025, a prefeitura estuda limitar o número de ambulantes. O presidente da Belotur, Gilberto Castro, admite que a quantidade de comerciantes em 2024 foi superior à demanda. "Isso ocasiona problemas de mobilidade", diz. Ele também garante que a limitação, caso ocorra, será "transparente".

Outra preocupação é quanto aos banheiros químicos, que seguem causando descontentamento nos foliões. O prefeito Fuad Noman (PSD) admitiu dificuldade para conseguir os equipamentos. "Não tinha mais para alugar", afirmou. Segundo a Belotur, entre 4 e 26 de fevereiro, o município se organizou para disponibilizar 13.342 unidades.  

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