Luana Rafaela Oliveira Barcelos teria 15 anos se não tivesse sido alvejada pelas costas, na calçada próxima à sua residência, na região Oeste de Belo Horizonte, na noite de 30 de outubro de 2022 — data do segundo turno das eleições presidenciais. Ela e a madrasta foram alvos de um atirador, então com 36 anos, apontado como eleitor de Jair Bolsonaro, em um crime investigado como motivado por revolta política. Luana, infelizmente, não resistiu. O caso volta à tona nesta segunda-feira (30 de junho), quando é realizada a audiência de instrução do réu

"A família está completamente desolada. É um luto eterno, que não se cura em três, cinco, dez anos. Sempre deixará marcas. O pai e a mãe de Luana fazem hoje acompanhamento e tratamento médico. Estão tomando calmantes e buscando amenizar essa dor", diz o advogado da família, Bruno Rodarte.

A audiência deve ouvir cerca de 24 testemunhas, entre acusação e defesa, no Fórum Lafayette, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. Se houver tempo, o réu — que está presente no local — também será interrogado nesta segunda. O atirador responde por dois homicídios qualificados (por motivo fútil e com recurso que dificultou a defesa das vítimas) e por outras seis tentativas de homicídio. Além de Luana, o ataque também tirou a vida de Pedro Henrique Dias Soares, de 28 anos

De acordo com o advogado Bruno Rodarte, a investigação comprova a motivação política do ataque armado. O defensor da família da vítima afirma que Luana usava um vestido branco quando foi atingida, mas a madrasta vestia uma blusa rosa-escuro, facilmente confundida com vermelho — cor associada ao PT — durante a noite. “Os elementos colhidos durante o inquérito não deixam dúvidas sobre a motivação política, até mesmo pela fala e pela postura adotadas pelo réu [durante o ataque], pelas armas utilizadas e por toda a circunstância do crime”, afirma.

Rodarte questiona a alegação de insanidade mental feita pelo réu, defendendo que isso não o isenta da responsabilidade pelas mortes e pelos feridos. O atirador cumpre medidas cautelares em domicílio. 

“O perito não constatou insanidade mental plena, mas uma perturbação que reduziu a capacidade de autodeterminação dele à época. Mas nós não concordamos com esse resultado e vamos debater essa questão no momento oportuno, apresentando inúmeros elementos que comprovam que ele estava plenamente lúcido e ciente de tudo o que fazia”, reforça o advogado.

Na época do crime, a polícia apreendeu na casa do suspeito, que tinha certificado de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC), um rifle, duas pistolas e mais de 500 munições.

Relembre o crime

O crime foi registrado por volta das 19h45 do dia 30 de outubro de 2022, instantes antes da vitória do ex-presidente petista nas urnas ser sacramentada. Segundo familiares da vítima, informações indicam que o suspeito gritava "Bolsonaro" nas ruas da região pouco antes do crime.

Além disso, eles afirmam que, há poucos dias da eleição, o homem teria feito uma postagem em um perfil já apagado das redes sociais afirmando que, se Bolsonaro (PL) perdesse, ele sairia fazendo "uma desgraça" nas ruas.

Após a prisão, o homem confessou ter atirado e disse que teria passado o dia ingerindo bebidas alcoólicas na casa de um familiar, até que, em dado momento, ficou "desorientado", foi para casa e pegou as armas. Ele alegou ainda que sofre de ansiedade e outros problemas psiquiátricos, mas que há 1 mês não fazia uso de medicamentos. 

Na versão dele, armado, ele foi até um beco próximo para "tirar satisfação" com indivíduos que sempre usavam drogas no local. Conforme o depoimento dado pelo suspeito aos PMs, ao não encontrar ninguém no beco, ele continuou andando e, em uma rua, ao ver pessoas andando, resolveu atirar de forma indiscriminada.

Foi neste momento que ele atingiu duas pessoas, uma criança de 12 anos e uma mulher de 40 anos. As duas foram socorridas para a UPA Oeste, mas a criança acabou não resistindo. 

Logo depois, ele passou pela casa de amigos de Pedro Henrique, onde ele, sua mãe, uma prima e outros conhecidos - a maior parte deles eleitores de Bolsonaro - confraternizavam após a eleição. O homem teria pedido para as pessoas se deitarem no chão e, após eles obedecerem, teria dito "vou atirar assim mesmo" e alvejando em seguida as vítimas.

O jovem, eleitor do PT e que usava um adesivo do partido, segundo amigos, foi atingido no abdômen e no ombro e acabou não resistindo, falecendo antes de dar entrada no hospital. Além dele, também foram atingidas a mãe do rapaz, de 47 anos, uma prima dele, de 40.