Marco da folia

Com praça da Estação fechada em 2024, o que muda no Carnaval de BH?

Palco da Praia da Estação, movimento que acabou impulsionando a festa na capital mineira, não será o principal ponto de dispersão da folia pela 1ª vez

Por José Vitor Camilo, Raíssa Oliveira e Rayllan Oliveira
Publicado em 22 de janeiro de 2024 | 03:00
 
 
 
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O ano é 2010 e cerca de 50 pessoas, "fortemente armadas" com sungas, biquínis, cangas e guarda-sóis, se reúnem na praça da Estação, no centro de Belo Horizonte, para protestar contra a proibição de eventos no local. A “Praia da Estação”, movimento que busca a ocupação dos espaços públicos de BH, é, sem sombra de dúvidas, um marco para o que veio a se tornar o Carnaval de BH. Muita coisa mudou nestes 15 anos, mas este será o primeiro em que a praça, acostumada a ser palco do protesto/folia de corpos semi-nus que são refrescados por um “Chapolin” que joga água do alto de um caminhão-pipa, estará completamente fechada para os foliões. Em obras desde outubro de 2023, a praça da Estação ficará cercada pelo menos até setembro deste ano.

A proibição que culminou no movimento “litorâneo” — apesar dos cerca de 500 km que separam a praça do mar — foi decretada em dezembro de 2009 pelo então prefeito Márcio Lacerda (Sem partido). Em maio do ano seguinte, Lacerda revogou a decisão, mas estabeleceu o pagamento de valores entre R$ 9 mil e R$ 19 mil para a realização de eventos no espaço.

Para Roberto Andres, arquiteto e urbanista que participou de alguns dos blocos que surgiram no ano anterior ao decreto, o ex-prefeito não pode levar os créditos pelo Carnaval da cidade, mas, certamente, serviu como um potencializador da manifestação cultural. 

“No Carnaval de  2009, primeiro ano de mandato dele (Lacerda) e antes do decreto, antes da Praia, não existia uma oposição. E três blocos saíram na cidade: o Tico-Tico Serra Copo, o Peixoto e o Bloco do Approach. Foi um experimento singelo, com 20 a 30 pessoas em cada. Mas foi a fagulha e, um ano depois, com a proibição, surge a Praia da Estação e esses blocos, de certa maneira, se fortalecem no Carnaval por causa disso. Mas foram dois movimentos paralelos que se uniram”, lembra. 

Hoje com mais de 500 cortejos espalhados pelas nove regionais da cidade, em 2010, a folia ainda tinha apenas outros três blocos quando a "Praia" surgiu. “Nos anos seguintes, sim, houve grande oposição ao prefeito, que tentou reprimir esse Carnaval que nascia e acabou gerando uma resistência, um interesse maior”, lembra Andres.

Mas afinal, vai ter "Praia" em 2024? 

Apesar do fechamento da praça que foi crucial para BH se tornar um dos principais carnavais do Brasil, os "praieiros" podem acalmar seus corações que, no sábado de Carnaval, vai "dar praia" segundo os organizadores do movimento.

"Ainda pode mudar, mas estamos prevendo de concentrar a partir das 10h em frente ao Teatro Espanca, na rua Aarão Reis, e, de lá, seguir com nosso trajeto tradicional até a praça Raul Soares", adiantou Priscila Musa, uma das organizadoras do "Bloco da Praia".

Para além da “Praia”, alguns dos “gigantes”, como o “Então, Brilha!”, “Baianas Ozadas” e “Funk You”, que reúnem mais de meio milhão de pessoas cada, costumavam encerrar os seus cortejos na famosa praça.

O que diz o Então, Brilha!

Entretanto, os percursos dos blocos que passam pela região não deverão sofrer grandes alterações, como explica Mariana Fonseca, presidenta do Então, Brilha!, bloco que abre a folia no sábado de Carnaval e se dispersava na praça da Estação. "Já há alguns anos a gente não contava com o espaço da praça porque lá é fechado para a montagem do palco fixo montado pela prefeitura. Então, vamos usar como ponto de dispersão a praça Rui Barbosa, que fica ao lado", aponta. 

A ausência do "marco zero" da folia de BH, no entanto, traz impactos culturais e sentimentais para quem ama a folia. "A praça representa o palco principal do ressurgimento do Carnaval de rua de BH. Ela é o berço do ressurgimento do Carnaval e da reflexão do direito ao espaço público, do acesso e da mobilidade", afirma.

Fundador do Baianas Ozadas, Geo Ozado reforça que a cidade perde um de seus cartões postais mais importantes no momento da folia. “É a grande praça do Carnaval. Como diz o verso de Castro Alves, a praça é do povo. Claro que sem a praça não vamos deixar de fazer o Carnaval, vamos adaptar e fazer. Mas claro que poderia ter sido pensado um outro período para essa reforma”, lamenta. 

Já o fundador do bloco Funk You, Lucas Moraes, aponta um sentimento de tristeza e decepção diante da ausência da praça. “É uma pena, mas de toda forma temos muitos pontos que são icônicos para o Carnaval, como o pirulito da praça Sete. Então vamos sentir falta da praça da Estação, mas isso não significa que o Carnaval vai ser mais pobre”, garante.

Moraes explica que o grupo precisou modificar o trajeto para se adequar à nova realidade. “Nós mudamos o final do trajeto para a praça Rui Barbosa para se adequar à reforma, mas mudamos também o início para a avenida Amazonas, para integrar o projeto de avenidas sonorizadas”, conta. O tradicional cortejo no ritmo do funk neste ano se reúne na avenida Amazonas, no cruzamento com a rua São Paulo, até a praça Rui Barbosa. 

Saindo na sexta-feira à noite do entorno da praça da Estação, o bloco do "Tira o Queijo", grupo que difunde em terras mineiras o "Maracatu de Baque Virado", ritmo tradicional pernambucano, deixou de passar pela praça da Estação desde 2015, segundo Daniela Ramos, que coordena este e outros dois grupos de Maracatu em BH.

"Mesmo não usando mais a praça em si, ela vai fazer muita falta. É um palco muito icônico de movimentos, da cultura popular e político também. Mas, mesmo com a praça fechada, convido os amantes do Maracatu de Baque Virado a irem ao baixo centro na sexta-feira, dia 9 de fevereiro, para o nosso desfile de Carnaval. A concentração será às 22h na rua Aarão Reis, 428, e a saída do bloco está programada para 23h59. Esse horário por que ainda é sexta, e o Tira o Queijo sai somente às sextas", brincou.

Impactos no transporte público 

A praça da Estação também é um dos principais pontos de acesso ao centro de BH durante a folia, por conta da Estação Central do sistema de metrô da capital. A interdição de parte do local gera preocupação sobre a mobilidade da multidão para acesso ao transporte. No entanto, a MetrôBH, concessionária que administra o sistema, garante que o local está apto para acolher o fluxo de foliões e afirma ter montado uma força-tarefa para garantir o funcionamento normal do transporte sob trilhos.

“Devido às obras de revitalização na praça da Estação, a dispersão simultânea de pessoas no local deverá ser inferior ao registrado em anos anteriores, já que não haverá shows na praça”, informa. A empresa ressalta ainda que já está em contato direto com os órgãos públicos organizadores do evento e planejando a melhor estratégia operacional e de fluxo de pessoas para “atender ao Carnaval de Belo Horizonte em 2024 com excelência”. 

Questionada, a Prefeitura de Belo Horizonte esclarece que as obras em curso na praça da Estação não causam impacto no acesso da população à estação de Metrô Central, seja pelo acesso da avenida dos Andradas e pelo túnel/escadaria que dá acesso à rua Sapucaí. “No Carnaval seguirá da mesma forma”, finaliza.

"Fui responsável direto pelo crescimento do Carnaval", diz Lacerda

Apesar de ser apontado por diversas pessoas ligadas aos blocos de BH como responsável indireto pelo fato de o Carnaval de BH ter se tornado o que é, o ex-prefeito Márcio Lacerda discorda, e crava: "Não foi indiretamente. Foi diretamente".

Para afirmar isso, o prefeito argumenta que, em 2014, a PBH lançou o cadastramento dos blocos, o palco oficial da praça da Estação e a volta das escolas de samba para a avenida Afonso Pena, entre outras coisas, como o credenciamento dos ambulantes, patrocínios e ônibus de graça para os foliões.

"Considero o cadastramento dos blocos um divisor de águas. Ele foi criado para dar suporte aos desfiles. Com certeza, o Carnaval não teria este crescimento se não houvesse infraestrutura, organização, segurança, limpeza das ruas imediatamente após os desfiles, enfim, demos total apoio para a festa", disse o político.

Ainda conforme o ex-prefeito, o "fechamento" da praça da Estação por ele foi uma "meia verdade", uma vez que teria ocorrido por apenas cinco meses. "Naquele ano (2009) a praça já havia recebido mais de 50 eventos e sofreu depredações nos jardins, esculturas, fontes e até o Museu de Artes e Ofícios. Em maio revogamos o decreto e a praça voltou a receber grandes shows, mas com regulamentação de algumas exigências e medidas para garantir a segurança das pessoas", argumentou.

“Perda operacional nenhuma”, diz presidente da Belotur sobre praça fechada 

Em entrevista concedida a O TEMPO na última quarta-feira (10), Gilberto Castro, presidente da Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur) afirmou que o fato de a praça da Estação estar “fechada” durante o Carnaval de BH 2024 não representa uma “perda operacional”, mas, apenas, simbólica. 

“Eu acho que é um dos palcos populares da cidade, mas ela estava precisando de uma reforma. A praça da Estação de fato representa muito, simbolicamente, para o nosso Carnaval. Mas a perda operacional é praticamente nenhuma. Todos os blocos que passavam por ali ou dispersavam lá, vão continuar, pois é uma avenida com muitas pistas. A praça permanecerá fechada, por questões de segurança. Perdemos esse local simbólico, mas por um bom motivo, e os blocos continuam podendo fazer o seu desfile normalmente”, pontua. 

A praça da Estação também é o local onde comumente é montado o palco da Prefeitura de BH. No local, às sexta-feiras, acontece o chamado “Kandandu”, um encontro de blocos afro que é considerado o pontapé inicial da folia. “A gente permanece fazendo esse evento, mas o local será divulgado em breve, assim que sair a programação oficial”, concluiu.

As intervenções na praça da Estação fazem parte do Programa de Requalificação do Centro de Belo Horizonte, “Centro de Todo Mundo”, que tem como objetivo qualificar a região central da capital, buscando aumentar as oportunidades de moradia, trabalho e lazer.

Estão previstas manutenção das fontes, troca de pisos, canaletas e grelhas danificadas, além da recuperação e instalação de bancos e lixeiras. O paisagismo do espaço também será recuperado. São investidos R$ 7,7 milhões, em recursos próprios do município.

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