Seja sob o sol que colore e esquenta o asfalto em fevereiro, seja sob intensa chuva que cai repentinamente naqueles dias de dezembro, a Afonso Pena, primeira avenida traçada de Belo Horizonte, está no cerne de grandes transformações pelas quais a capital mineira passou desde a sua fundação, em 12 de dezembro de 1897, mesma data da inauguração do corredor de 4,9 Km que conecta a praça Rio Branco, em frente à Rodoviária, à praça da Bandeira, na região Centro-Sul, e que abriga o vai e vem de 60 mil veículos nos dois sentidos diariamente.

É nesta importante via que BH acontece e se reconhece como grande metrópole; é ali que manifestações políticas, sociais e culturais ganham palco propício para revelar a diversidade de 2,3 milhões de belo-horizontinos. A Afonso Pena, agora, está prestes a passar por mais um processo de revitalização. Na avenida, entre outras intervenções, haverá a requalificação da mobilidade urbana com implantação de faixas para transporte coletivo e ciclovia em todo o percurso (veja lista de obras no fim da matéria).

Na semana passada, a prefeitura de Belo Horizonte publicou, no Diário Oficial do Município, o edital para contratação da empresa responsável pelas obras na avenida, estimadas em R$ 28,8 milhões e integrantes do programa Centro de Todo Mundo, visto como prioridade pela gestão do prefeito Fuad Noman – os investimentos chegam a um total de R$ 100 milhões, valor custeado pela PBH e via financiamento.

Novidade na Praça da Estação. A revitalização proposta pela PBH também passa por outro cartão-postal da cidade: a Praça Rui Barbosa, popularmente conhecida como Praça da Estação. A novidade é que o emblemático espaço será fechado entre o fim deste mês e o início de outubro. O investimento previsto é de R$ 8,3 milhões e as obras devem ser entregues à população em setembro do ano que vem.

Intervenções e requalificações urbanas na avenida Bernardo Monteiro, na Praça do Papa, na praça Rio Branco, mais conhecida como praça da Rodoviária, cujo projeto executivo já foi finalizado e a licitação será aberta nos próximos dias, também estão no programa. A reconstituição da Praça da Independência, no tradicional Edifício Novo Sul América, é outro ponto importante do Centro de Todo Mundo.

O programa é subdividido em 10 etapas, que contemplam e apreciam as seguintes áreas: cultura, lazer e turismo; mobilidade; requalificação urbana; mobiliário urbano; parques e arborização; manutenção e zeladoria; população em situação de rua; ocupação de prédios ociosos e subutilizados; segurança e inclusão produtiva.

Na apresentação do projeto, em março, o prefeito Fuad Noman ressaltou que “tudo será feito até os próximos cinco anos. Vamos deixar o programa todo pronto e com verba para que o próximo governo dê continuidade aos trabalho”. As principais obras, no entanto, serão licitadas nos próximos meses. O Centro de Todo Mundo é tido como o grande plano de Fuad para trazer vida nova ao hipercentro de BH. O projeto foi encomendado por ele em meados de 2022 e envolve praticamente todos os órgãos do executivo municipal.

Segundo a subsecretária de Relações Intragovernamentais da Secretaria de Governo da Prefeitura de Belo Horizonte, Beatriz Góes, a revitalização do hipercentro nasce de um descontentamento do prefeito com a situação da região. O conjunto de obras também está, segundo ela, em sintonia com que outras metrópoles têm realizado em seus centros urbanos: “As grandes cidades estão sentindo que os centros estão deteriorados e muitas delas estão fazendo esse trabalho de requalificação. A inspiração vem desse momento nos grandes centros”.

A Subsecretaria de Relações Intragovernamentais é responsável por viabilizar as medidas necessárias à execução das prioridades definidas por Fuad Noman e facilitar a atuação conjunta dos órgãos e entidades do poder executivo.

Para arquiteta, é importante aproximar a cidade das pessoas

Arquiteta e pesquisadora da UFMG, Tatiana Pimentel teve a Afonso Pena como objeto de estudo de seu mestrado. Tendo uma relação acadêmica e afetiva com a avenida, ela admite especial expectativa com o programa Centro de Todo Mundo, sobretudo quando o tema gira em torno da proposta de retrofit – termo usado para se referir à reforma e à ocupação de prédios antigos vazios ou subutilizados – no hipercentro da cidade e da reconstrução da Praça da Independência.

De 1946 a 1971, a praça fez parte da paisagem da Afonso Pena, no entremeio das ruas dos Tamóios e da Bahia, encravada entre os edifícios Sulacap e Sulamérica, mas foi demolida para dar lugar a um anexo que uniu os dois prédios. Com o objetivo de reconstruir a praça, o prefeito Fuad Noman publicou um decreto de desapropriação desse anexo. A contratação da empresa que irá executar a obra de demolição e o projeto executivo já foi aprovada.

A ideia da PBH é reconstituir a praça tal como ela era há 50 anos. “Minha preocupação é trazer as pessoas para o uso, aproximar a cidade das pessoas, fazer com que elas ocupem o espaço urbano. Uma intervenção no patrimônio é pegar aquilo que está com pouco uso ou perdido no passado e trazer para o momento presente”, pondera a arquiteta Tatiana Pimentel.

Para o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-MG), Silvio Motta, o programa Centro de Todo Mundo é um tema importante e deve ser debatido por todos os setores da sociedade. Ele vê o projeto com bons olhos, mas considera fundamental haver mais espaço “para uma participação efetiva da população, que é a maior interessada e afetada positiva ou negativamente, nas decisões”. Além da escuta popular, Motta diz ser essencial ouvir arquitetos, urbanistas e planejadores de BH e Minas Gerais sobre as questões que cercam o robusto programa de obras.

Como arquiteto e presidente do IAB-MG, Silvio Motta tem acompanhado o processo, inclusive participando de algumas reuniões com a prefeitura de BH.  Ele espera que o Centro de Todo Mundo não se paute por uma visão “comercial no sentido da exploração do espaço urbano enquanto mercadoria para a indústria imobiliária” e afaste quem vive ou frequenta a região. “O projeto é importante, mas não pode ser feito de forma alienada às pessoas que vivem e frequentam o Centro. Dependendo de como for conduzido, existe uma tendência a gentrificar a área”, ele observa. 

Diálogo

Um grande conjunto de obras irá, em menor ou maior medida, impactar a população que vive ou passa pelo Centro. Em recente entrevista a O TEMPO, o presidente da Associação Associação de Lojistas do hipercentro de Belo Horizonte, Flávio Froes Assunção, disse que a categoria “não quer ser atropelada” e que espera ser ouvida pelo executivo municipal.

Na mesma linha vai a avaliação de Marcos Innecco, que é vice-presidente de relações institucionais da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH) e do Conselho de Desenvolvimento Econômico, Sustentável e Estratégico de Belo Horizonte (Codese-BH), que reúne mais de 70 entidades.

Innecco diz que a entidade aguarda com grande expectativa o decorrer do Centro de Todo Mundo: “É um assunto muito extenso, temos o receio de que o poder público negligencie o debate com os lojistas. Não sei como o projeto impacta o comércio, se reduz o acesso do consumidor, estamos aguardando um cronograma”.

No lançamento do programa, no dia 6 de março, estiveram presentes representantes de diversas entidades, entre as quais a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Fecomércio, Associação dos Comerciantes do Hipercentro de Belo Horizonte, Associação Comercial e Empresa(ACMinas), Alô Shopping, Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon).

A subsecretária de Relações Intragovernamentais da Secretaria de Governo da Prefeitura de Belo Horizonte, Beatriz Góes, afirma que o diálogo com a Câmara Municipal, representantes da sociedade civil, empresas e entidades comerciais está aberto desde o início da elaboração do programa.

“Todo o projeto está sendo discutido nos locais onde as obras serão realizadas. O projeto que diz respeito a Afonso Pena foi debatido longamente com associações de arquitetos, lojistas e aprovado no Conselho de Patrimônio. O mesmo aconteceu com a revitalização da praça Rio Branco, discutido com a comunidade, e com a praça do Papa”, explica Beatriz Góes. Para a gestora, o Centro de Todo Mundo vai tornar a região “mais atraente, seguro, tecnológico, com mais negócios, emprego e renda”.

Veja algumas intervenções do programa Centro de Todo Mundo:

  • Fechamento, em outubro, da Praça da Estação para: refazimento das fontes luminosas com novos equipamentos e ligações; troca dos pisos, canaletas e grelhas danificadas; recuperação dos bancos e instalação de novos bancos, lixeiras, arvoreiros, delimitadores de tráfego e implantação e recuperação de paisagismo; obras devem durar um ano
  • Série de intervenções na Afonso Pena: implantação de faixa exclusiva para ônibus durante todo o dia, entre a Rua dos Caetés e Avenida Getúlio Vargas, no sentido Centro-Bairro; e entre a Rua Professor Moraes e Rua dos Caetés, no sentido Bairro-Centro; faixa preferencial para ônibus durante todo o dia, para o restante do trecho, até a Praça da Bandeira; ciclovia em toda a extensão da avenida, no canteiro central, com adequação de geometria, fresagem e recapeamento de asfalto, sinalizações vertical e horizontal
  • Revitalização do conjunto histórico e paisagístico da avenida avenida Bernardo Monteiro e implantação – prevista para dezembro deste ano – do monumento artístico “Memorial à Vida”, em homenagem às vítimas da pandemia e aos profissionais de saúde
  • Reforma na praça Rio Branco: demolição e recomposição de piso e mobiliário urbano e limpeza e recuperação do monumento “Liberdade em Equilíbrio”
  • Instalação, ainda neste ano, de 462 câmeras – 329 novas e 133 substituições – de segurança no perímetro do projeto, que também prevê o plantio de 495 árvores, com início em outubro
  • Requalificação (retrofit) e ocupação de prédios privados ociosos ou subutilizados para moradia geral e de interesse social; projeto de lei foi encaminhado à Câmara Municipal de BH
  • Programa de capacitação e geração de renda para a população em situação de rua
  • Aumento de 90% do número de agentes da Guarda Municipal no perímetro do programa 
  • Inauguração, nesta semana, de 10 bicicletários com 11 bicicletas elétricas em cada um deles
  • Instalação de 18 banheiros públicos gratuitos
  • Reconstituição da Praça da Independência, na avenida Afonso Pena, entre rua da Bahia e rua Tamoios
  • Construção de um espaço multiuso no Parque Municipal, no antigo prédio do Colégio Imaco

Beatriz Góes: subsecretária já atuou em outras gestões

Nascida na capital mineira, tem 59 anos e é subsecretária de Relações Intragovernamentais da Secretaria de Governo da Prefeitura de Belo Horizonte desde junho de 2022. Graduada em Ciência da Computação e pós-graduada em Gestão Estratégica pela UFMG, Beatriz Góes atuou na PBH como diretora de Administração e Finanças da Prodabel, secretária executiva do Conselho de Desenvolvimento Econômico Municipal e coordenadora executiva do Programa BH Metas e Resultados. No governo de Minas, no primeiro mandato de Romeu Zema (Novo), foi assessora na Secretaria de Desenvolvimento Econômico e subsecretária de Gestão Estratégica da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag).

Outras etapas do programa: 

Cultura, lazer e turismo

  • Finalização da obra do Espaço Multiuso no Parque Municipal Américo Renné Giannetti
  • Requalificação do CAT - Mercado das Flores
  •  Expansão do horário de funcionamento do  Parque Municipal

Mobilidade

  • 17,2 Km de faixas exclusivas de ônibus
  • Manutenção, reformas e implantação de novas ciclovias

Requalificação Urbana

  • Requalificação da Rua Sapucaí
  • Implantação de ruas de pedestres

Mobiliário Urbano

  • Implantação de novos abrigos/pontos de parada de ônibus
  • Implantação de banheiros públicos

Parques e Arborização

  • Implantação de áreas de resfriamento
  • Ampliação da arborização em vias, passeios e canteiros (aproximadamente 500)

Manutenção e Zeladoria

  • Manutenção dos canteiros centrais
  • Revitalização de Calçadas Portuguesas
  • Requalificação dos pavimentos do hipercentro
  • Restauração e conservação de bens tombados próprios do município

População de rua

  • Viabilização de habitação de interesse social no Centro de BH, Locação Social e Bolsa Moradia

Ocupação de prédios ociosos e subutilizados

  • Atualização da Legislação de Retrofit
  • Viabilização da implantação de habitação de interesse social no Centro de BH

Segurança

  • Implantação de videomonitoramento inteligente
  • Ampliação das operações da Guarda Civil Municipal no perímetro

Inclusão Produtiva

  • Melhoria da Feira de Artes, Artesanato e Produtores de Variedades de Belo Horizonte (feira da Av. Afonso Pena)
  • Revitalização do Shopping Caetés