É possível viver o Carnaval do Rio de Janeiro de duas maneiras absolutamente distintas: de um lado (ou de todos os lados da cidade) blocos carnavalescos com ritmos, temas e públicos diversos. De outro, ao longo de aproximadamente 700 metros de Marquês de Sapucaí, espetáculos de sons, luzes, aromas e cores. A reportagem de O TEMPO passou uma semana na capital fluminense e vivenciou um pouco dos dois universos que compõem o Carnaval carioca e descreve aqui o que o torna tão buscado pelos turistas, tão amado pelos residentes da cidade e tão grandioso para os apaixonados por desfiles de escolas de samba.
A Prefeitura do Rio de Janeiro estimou 8 milhões de foliões na cidade durante o Carnaval, que começou em 1º de fevereiro e vai até 9 de março. Do público, 6 milhões participariam do Carnaval de rua e 2 milhões se dividiram nos eventos da Sapucaí e em bailes populares, organizados pelo próprio executivo municipal.
Nossa equipe foi a um bloco por dia, de sexta-feira (28) a segunda-feira (3) e a três dias de desfiles na Sapucaí, acompanhando as agremiações do grupo especial.
Festa de rua
Ao todo, 457 blocos foram autorizados pela Riotur a saírem pelas ruas no período momesco, totalizando mais de 2,5 mil horas de apresentação, sendo 38,1% no pré-Carnaval e 61,9% na semana do Carnaval.
Em todos que compareceu, a equipe notou a presença exagerada de ambulantes, cadastrados e não cadastrados a venderem adereços e bebidas.
Falando em bebidas, a cerveja foi eleita pelos foliões como a bebida do Carnaval carioca. A bebida foi encontrada em preços variados: R$ 8 as mais comuns até R$ 20 as especiais. Drinks de latas e preparados na hora também foram vendidos na folia, com destaques para as misturas com mate e rum e a famosa caipirinha. Os preços desses eram mais elevados, podendo ser encontrados a R$ 35 a unidade.
A água potável é distribuída gratuitamente em grandes eventos pela companhia Águas do Rio, conforme a Lei 10.557/2024, que entrou em vigor desde que uma jovem morreu em um show no Engenhão.
Se a presença de ambulantes foi vista em abundância, a das forças de segurança, por outro lado, estava escassa. Algumas viaturas da Polícia Militar e da Guarda Municipal foram vistas nos arredores dos blocos. A Prefeitura do Rio de Janeiro disse que a Guarda Municipal atuou nos cortejos com foco no ordenamento urbano, segurança dos foliões e nas ações de trânsito. Mas apesar da sensação de pouco policiamento, nossa equipe não flagrou nenhuma ocorrência ou situação que demandasse algum agente.
Outro ponto negativo foi a quantidade de lixo na cidade após a passagem dos blocos. Nas principais vias não se viu muitas lixeiras. Havia muitos banheiros químicos espalhados, mas o cheiro de urina era comum em diferentes pontos da cidade. Em conversa com alguns locais, fomos informados que o hábito de urinar nas ruas é uma prática comum e não acontece apenas no Carnaval.
Folias
Assim como em outras cidades do país, os blocos do Rio de Janeiro, que arrastam multidões pelas ruas, democratizam a festa. Tem aqueles que exaltam tradição, como Cordão da Bola Preta, os que ironizam a realidade, como o Bloco das Carmelitas e aqueles que incentivam a pegação, como o Não Monogamia É Gostoso Demais.
Maior show da terra
O tom de liberdade e descontração que os blocos de rua têm não se assemelham à magnitude da organização do Carnaval na Sapucaí. Para explicar esta vertente carioca do Carnaval, é preciso desmembrá-la em três categorias: público, passistas e backstage.
O público que vai à avenida, vai em busca de um espetáculo. E certamente o encontra. Desde o lado de fora, na avenida Presidente Vargas, e demais ruas do entorno do sambódromo, o clima indica o que pode se esperar. "Almofada, moça?", oferece um ambulante. O item é para dar mais conforto a quem vai assistir ao desfile das arquibancadas, em bancos de alvenaria. Nota-se que os presentes são apaixonados pelas escolas. Assim como torcedores de futebol que vão a estádios, na Sapucaí eles levam bandeirolas, bandeirões e gritam "é cam-pe-ã!" no início do cortejo.
Pela primeira vez, em 2025 as escolas do grupo especial saíram em três dias, ao invés de dois, com isso, no domingo (1), na segunda-feira (2) e na terça-feira (3), 12 agremiações percorreram a avenida entre 22h e 4h. Cada uma teve entre 70 e 80 minutos para se apresentar. Ao longo de todo o trajeto, o samba-enredo é berrado pelo público.
Os passistas também são apaixonados. Ornados com roupas coloridas, maquiagens e adereços, formam as alas que vão dando forma à história que a escola quer contar. Duas situações inusitadas sobre os passistas foram percebidas.
A participação nos desfiles é paga pelos passistas, e por isso, quem pode pagar, tem direito de brilhar na avenida, inclusive os estrangeiros. Em um dos carros alegóricos de uma das escolas, três pessoas usando apenas tangas, ombreiras e sandálias com brilho destoavam dos demais. Eram três homens (um mais velho e dois bem jovens) de cabelos muito louros e tons de pele muito claros, com uma vermelhidão típica de quem não tem costume de se bronzear. Além das aparências, a falta de jeito para o samba e uma leitura labial das figuras delataram que o Carnaval aceita todo mundo.
No outro episódio, bem longe da alegria dos que entraram na avenida, uma senhora sozinha, com a maquiagem borrada por lágrimas, sentada no meio-fio, lamentava não poder desfilar. "Roubaram meu chapéu, acredita? Sem parte da fantasia não pode entrar", contou.
Quem faz a festa acontecer
Longe dos holofotes e das câmeras de televisão, milhares de pessoas trabalham na Sapucaí para que o evento aconteça. É uma equipe de apoio, de logística e até de força que garantem o andamento da festa.
Inúmeras vezes, antes dos carros alegóricos entrarem na pista, homens precisaram empurrar, com a força dos braços, os gigantes em um ângulo de 90°. Sempre de olho no relógio e com cuidado para não danificar a estrutura, e quando dava certo (todas as vezes), eram aplaudidos pela multidão.
O Carnaval do Rio de Janeiro é uma festa que vale a pena ser vivida.