Bastou uma fala, supostamente ríspida, para que a vida de uma mulher, de 59 anos, fosse ceifada, nessa terça-feira (8 de outubro), por seu companheiro, de 70, com quem ela vivia há mais de 13 anos. O casal conversava e bebia vinho quando a mulher teria "destratado" o idoso, que se irritou, derrubou a mulher e a enforcou até que ela perdesse os sentidos. Casos como esse se repetem todos os dias em Minas. Entre janeiro e agosto deste ano, 266 mulheres foram vítimas de feminicídio tentado ou consumado. O número, extraído da base de dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), representa um aumento de 17% em relação ao mesmo período do ano passado, e alerta para a importância do Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher, celebrado nesta quinta-feira (10 de outubro).
A data foi instituída há 40 anos após as mulheres se reunirem, em 10 de outubro de 1980, nas escadarias do Teatro Municipal, em São Paulo, para um protesto contra o aumento de crimes de gênero no Brasil. Desde então, o movimento alerta para casos de agressão, tentativas de assassinato e feminicídio. Feminicídio é o assassinato de uma mulher, cometido devido ao desprezo que o autor do crime sente quanto à identidade de gênero da vítima.
Em Minas, entre janeiro e agosto deste ano, 91 mulheres perderam a vida, vítimas de feminicídio, e outras 175 foram alvos de tentativa. O total de casos é maior do que o registrado no último ano, quando 226 mulheres foram alvos de feminicídio consumado ou tentado. Para a psicóloga especialista em atendimento a casos de violência contra a mulher, Cláudia Natividade, o feminicídio representa uma mensagem de posse do homem sobre a mulher.
“O feminicídio tem uma mensagem: se você não for minha não será de mais ninguém. A violência contra as mulheres é machista. Sendo assim ela pode ter características diferentes. Entre elas temos a violência doméstica que tem uma relação entre os pares. Ela se dá porque as pessoas que praticam entendem que a mulher está em uma situação desigual de poder em relação ao autor. A pessoa se sente autorizada a praticá-la, essa autorização é uma também social, que não tem uma barreira social tão nítida”, pontua.
A psicóloga ressalta, no entanto, que apesar da violência física ser a mais evidente, é necessário que toda a sociedade esteja atenta às outras formas, como a psicológica. Ela alerta ainda para os efeitos causados às vítimas de violência. “Os impactos são diferentes, mas muitas mulheres desenvolvem questões emocionais, como dificuldade de se conectar com outros parceiros por ter medo de viver a mesma coisa. Ou se conecta, mas fica num estado de alerta. Em termos psicológicos as pessoas desenvolvem depressão, ansiedade e transtornos psicológicos”, afirma.
A especialista avalia que é preciso que as autoridades desenvolvam um sistema que proteja as mulheres e que o tema seja abordado em todos os âmbitos da sociedade. Só assim, segundo ela, é possível que os sistemas estruturais possam ser modificados e diminuir os casos violentos contra todas as mulheres - sejam elas cisgênero, transexuais ou travestis - nas próximas gerações.
“Muitas mulheres, especialmente conectada no movimento feminista, já caminharam muito para que chegássemos aqui. Vamos caminhar muito tempo ainda tentando desfazer esses sistemas estruturais para que eles possam ser modificados nas próximas gerações. Precisamos discutir dentro do jornalismo, das escolas e dos campos de trabalho, isso é fundamental para que as mulheres possam reconhecer esses sinais de violência e não se conectar com pessoas tóxicas que podem trazer prejuízos à saúde e até a morte.
Saiba onde pedir ajuda
- Ligue 180 – Para orientação às mulheres em situação de violência e denúncia
- Ligue 190 – Se ouvir gritos ou sons de briga e para emergências
- Ligue 192 – Para emergência médica
- Disque 100 – Para casos de agressões a crianças e idosos
- Defensoria Pública Especializada na Defesa dos Direitos da Mulher em Situação de Violência (Nudem-BH). Contato pelo e-mail nudem@defensoria.mg.def.br ou pelos telefones: (31) 98475-2616 / 98464-3597/ 98239-8863 / 98306-1247
- Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher: 3330-5752
- Centro Especializado de Atendimento à Mulher Benvinda: (31) 98873-2036/ ceambenvinda@pbh.gov.br
- Centro Risoleta Neves de Atendimento (Cerna): (31) 3270-3235 / 3270-3296
- Casa de Referência da Mulher Tina Martins: (31) 3658-9221 ou pelo e-mail casatinamartins@gmail.com
- Promotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (31) 3337-6996/ mariadapenha@mpmg.mp.br
Fonte: Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania de BH
Medidas adotadas pelo governo de MG
Em nota, o governo e Minas afirmou que "desenvolve e estimula diversas políticas de combate à violência contra a mulher em todo o estado, em busca de prestar auxílio necessário às vítimas, atuar na prevenção de casos enquadrados na Lei Maria da Penha e, sobretudo, impedir as ocorrências de feminicídio".
Além disso, destacou que, apesar do aumento de feminicídios tentados, em 2024, "houve uma queda de 27,2% nos registros de feminicídios consumados de janeiro a agosto, na comparação com o mesmo período do ano passado". Além disso, lembrou que os "dados também são menores que os do mesmo período de 2022 (118)".
Veja lista de ações desenvolvidas pelo governo:
Por meio da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), estão em pleno funcionamento as 69 Delegacias de Atendimento à Mulher, tanto no interior, quanto na capital mineira, para suporte às mulheres vítimas de violência, incluindo casos de importunação ofensiva e violência doméstica e sexual. A unidade de Belo Horizonte conta com atendimento ininterrupto à mulher. Nas demais localidades, as ocorrências de violência doméstica e familiar contra a mulher denunciadas fora do horário de expediente não ficam sem atendimento, sendo encaminhadas para as delegacias de plantão, que têm funcionamento ininterrupto.
Em Belo Horizonte, a Delegacia de Plantão Especializada em Atendimento à Mulher funciona junto à Casa da Mulher Mineira, abarcando uma série de ações preventivas e emergenciais, como a solicitação de medidas protetivas de urgência, que incluem o acompanhamento policial até a residência da vítima para retirada de seus pertences em segurança (roupas, documentos, medicamentos etc); o recebimento da guia de exame de corpo de delito; a realização da representação criminal para a devida responsabilização do agressor; o recebimento e encaminhamento para casas abrigo, serviços de atendimento psicossocial e orientação jurídica na Defensoria Pública, entre outros.
Todo o trabalho é desenvolvido em ambiente adequado e com privacidade para uma escuta qualificada e humanizada das vítimas. Dessa forma, a Casa da Mulher Mineira visa apoiar o trabalho desenvolvido pelas delegacias especializadas no atendimento à mulher existentes em Minas Gerais, sendo quatro delas em Belo Horizonte.
Outra medida da PCMG é a expansão para todos os 853 municípios mineiros do projeto “Chame a Frida”. Essa ferramenta consiste em um chatbot, que utiliza o aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp, para atender de forma imediata às solicitações de vítimas de violência por meio de mensagens pré-programadas e do atendimento humanizado de servidores da Polícia Civil.
Por meio do chatbot, é possível agendar horário para comparecimento a uma unidade policial, programar a realização do exame de corpo de delito, obter informações sobre a Lei Maria da Penha e medidas necessárias em caso de violência, além de orientações acerca de procedimentos legais e de proteção. Sempre que necessário, a mulher é direcionada para falar diretamente com um policial civil. O serviço está à disposição da população 24 horas, com acesso fácil e rápido.
Além disso, na atual administração, as denúncias de agressões contra mulheres também passaram a ser realizadas pelo Disque Denúncia Unificado (DDU) 181, o canal de denúncias da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). Com um simples telefonema, que garante o anonimato do denunciante, qualquer cidadão pode ajudar as polícias a reduzirem atos de violência contra a mulher. Cada denúncia é analisada por agentes da Polícia Civil, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, a partir de um trabalho integrado das Forças de Segurança. Por telefone, também é possível denunciar pelo Disque 190, da Polícia Militar.
Embora existam opções de denúncia por telefone e presencialmente, nas delegacias e postos da Polícia Militar preparados para acolher as vítimas, as denúncias também podem ser realizadas de forma 100% online, por meio da Delegacia Virtual (https://delegaciavirtual.sids.mg.gov.br/sxgn/) e do aplicativo MG Mulher, garantindo mais segurança e conforto para as vítimas e para as pessoas que prestam suporte às mulheres.
Em novembro de 2023, a Sejusp também lançou o Emergência MG, que permite o acionamento do 190 (Polícia Militar), 197 (Polícia Civil) e 193 (Corpo de Bombeiros Militar) por meio da internet. Este serviço pode ajudar a todos, especialmente mulheres vítimas de violência, pois qualquer vítima em potencial ou em apuros pode acionar o 190 da Polícia Militar, por exemplo, apenas teclando em chat, sem precisar de usar a voz. O Emergência MG permite compartilhar fotos, vídeos e sua geolocalização, facilitando o atendimento imediato das forças e a intervenção em caso de risco. O serviço é pioneiro no país, exatamente por criar uma única porta de entrada que permita o pedido de ajuda, por chat, para a Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros.
Patrulha Preventiva
Em outra frente de atuação, a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) desenvolve um trabalho preventivo em apoio às mulheres, com destaque para o serviço especializado da Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica (PPVD).
Presente em 156 municípios mineiros, a PPVD é formada por uma guarnição, qualificada e treinada, composta por uma policial do sexo feminino e um policial do sexo masculino, que prestam serviço de proteção à vítima, garantindo o seu encaminhamento aos demais órgãos da Rede Estadual de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher. O principal objetivo da Patrulha é garantir que as mulheres recebam do poder público, no menor tempo possível, a atenção devida em cada caso. A equipe policial também atua na dissuasão do agressor, contribuindo para a quebra dos ciclos de violência.
Nos municípios ainda não atendidos pelo serviço PPVD ou nas cidades que estão em processo de implementação do programa, as ocorrências são, preferencialmente, atendidas por policiais do sexo feminino.
Centro de Referência
Por meio da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), o Governo de Minas também gerencia o Centro Risoleta Neves de Atendimento, que atua como um Centro de Referência Estadual de Atendimento às Mulheres, a partir da orientação psico-jurídico-social dada às mulheres da capital e do interior.
O Cerna oferece a cada mulher atendida um profissional de referência responsável pelo seu Plano de Acompanhamento Pessoal (PAP) — documento institucional que descreve a forma de atendimento a ser realizado, define objetivos, planeja e avalia estratégias de cuidado de forma multiprofissional. Respeitando a autonomia das mulheres, o equipamento não faz busca ativa de usuárias. No entanto, todas as mulheres que buscam o serviço são atendidas. O desligamento do serviço é feito somente no momento em que a atendida reencontra sua autonomia, segurança pessoal e autoestima, após todo o processo psicoterapêutico e acompanhamento da equipe multidisciplinar.
As intervenções com as mulheres são direcionadas para o resgate da autoestima, autonomia e autodeterminação, além do acesso a direitos e retificações das violações vividas. O trabalho contempla o acompanhamento por meio de atendimento individual e/ou em grupo, incluindo também visitas domiciliares, encaminhamentos e monitoramentos adequados às intervenções planejadas e pactuadas com cada mulher atendida.
Além disso, o Cerna oferece capacitações a outros equipamentos da rede de enfrentamento à violência contra mulheres, incluindo discussão de casos e orientações técnicas para o devido atendimento psicossocial.
Mediação de conflitos
Outro programa de combate à violência contra a mulher desenvolvido pelo Governo de Minas é o Mediação de Conflitos, que contribui para a prevenção e redução da violência em áreas de abrangência das Unidades de Prevenção à Criminalidade. Em relação à violência contra a mulher, o programa constrói estratégias de prevenção e proteção, levando em consideração o contexto no qual a mulher está inserida, podendo intervir individualmente, a partir de orientações para acesso a direitos e encaminhamentos; ou coletivamente, ao realizar grupos que visem prevenir casos de violência contra a mulher. Em outro eixo de atuação, o Programa Central de Acompanhamento de Alternativas Penais (Ceapa) atua na responsabilização de infratores da Lei Maria da Penha, pautado por ações de responsabilização para os agressores que respondem a processos em liberdade.
Protocolo Fale Agora
Reforçando ainda mais as medidas de combate à violência contra a mulher, em 2023, em ação pioneira no Brasil, o Governo de Minas, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedese), implementou o Protocolo Fale Agora, de enfrentamento à violência sexual contra as mulheres nos espaços de lazer e turimo do estado. A iniciativa tem como referência o protocolo espanhol No Callamos (“não calamos”, em tradução livre para o português), adaptado para a realidade e o contexto de Minas Gerais.
Desenvolvido para ser aplicado em bares, restaurantes, casas noturnas, shows e outros locais de entretenimento, o Protocolo Fale Agora tem como objetivos acolher de forma respeitosa as mulheres vítimas de violência; promover o respeito à autonomia da vítima na tomada de decisão sobre os encaminhamentos que devem ser feitos; conscientizar a sociedade do seu relevante papel na atuação orientativa, preventiva e de acolhimento dessas vítimas; e orientar a realização de um primeiro atendimento humanizado, organizado e adequado, cujo foco principal é o bem-estar das vítimas de violência sexual.
Em cerca de um ano de atuação, o Protocolo Fale Agora foi adaptado para diferentes estratégias de divulgação em Minas, como no caso da conscientização para blocos de rua e escolas de samba no contexto do Carnaval de Belo Horizonte, em 2024, e também para o público que frequenta estádios de futebol, incluindo a Arena MRV, o Mineirão e o Independência, com apoio das equipes do América, do Cruzeiro e do Atlético.
É importante ressaltar que a Sedese oferece cursos de formação sobre o Protocolo Agora, de forma presencial e on-line. O objetivo é obter maior adesão dos estabelecimentos comerciais e da sociedade em geral, em apoio à execução e divulgação do projeto, contribuindo para a prevenção da violência sexual contra as mulheres em Minas Gerais.
Em outra medida da Sedese, a pasta também estimula e apoia os municípios na implantação dos Conselhos Municipais de Política para as Mulheres. No estado, atualmente existem 113 cidades com conselhos ativos.