A volta às salas de aula trouxe de volta um antigo problema ao ambiente escolar: o afastamento de professores municipais e da educação infantil de Belo Horizonte. Após o período de teletrabalho imposto pela pandemia do coronavírus, os educadores estão precisando voltar a ficar em casa, mas desta vez para se tratarem. O índice médio mensal de afastamento, que chegou a ser de 0,24% em 2020, subiu para 3,4% no ano passado. De janeiro a setembro de 2024, o índice foi de 1,8%. O desgaste emocional, que resulta em cansaço e estresse, tem levado os educadores a cogitar abandonar a carreira docente. Uma pesquisa nacional realizada pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras (Semesp) aponta que 79% dos professores já pensaram em desistir das salas de aula e “recalcular a rota” profissional.

A situação enfrentada pelos professores de Belo Horizonte é semelhante à de cidades da região metropolitana. Desde outubro de 2023, Carolina de Oliveira, de 34 anos, precisou se afastar das salas de aula da rede pública de uma cidade da região metropolitana de BH. “Fiquei em um grau de estresse que jamais pensei que fosse enfrentar. Ia para a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) com frequência, passei a me consultar com psiquiatra, e tudo por conta do dia a dia na sala de aula”, relata.

Carolina destaca que a “falta de limite” dos alunos é um dos principais motivos que a levaram a pedir licença da profissão. “As crianças não têm limite, as famílias não colaboram, e ainda há a pressão da secretaria de educação. O desgaste emocional é muito grande”. Ao notar que a situação estava ultrapassando o limite do tolerável para ela, a professora decidiu que era o momento de dedicar-se aos cuidados com a saúde. “Eu estava trabalhando, na época, em dois turnos, ambos na área da educação. Só que tudo foi se acumulando e pedi o afastamento”, complementa.

A falta de disciplina e de interesse dos alunos são apontados por 63% dos professores ouvidos pela pesquisa Perfil e Desafios dos Professores da Educação Básica no Brasil como um dos principais desafios enfrentados no trabalho docente. A principal dificuldade é a falta de valorização e estímulo da carreira, seguida da falta de apoio e reconhecimento da sociedade.

Falar sobre os problemas vividos em sala de aula é difícil para alguns professores. Uma educadora da rede pública de BH, que em um primeiro momento aceitou conversar com a reportagem, acabou optando por não relembrar tudo o que viveu após recomendação médica. “Devido ao tratamento psiquiátrico e aos remédios que estou tomando, fui aconselhada a não falar”, disse, sob anonimato.

‘Sentimento de frustração’

O desgaste vivido em sala de aula faz com que os professores busquem cada vez mais auxílio médico. Uma médica do trabalho que atua em uma cidade da Grande BH comenta que “o educador é a parcela da população trabalhadora que mais tem se afastado e apresentado problemas de saúde mental”.

“Muito se deve à sobrecarga de trabalho e à questão comportamental dos alunos. Os professores me contam que são desrespeitados, que não há interesse dos alunos durante as aulas, tanto que eles ficam trocando mensagens entre si. No fim das contas, os professores se sentem impotentes e frustrados com a profissão”, conta a médica, que optou por se manter anônima.

Desistir é uma opção

Diante de tudo o que vivenciam nas salas de aula, desistir da carreira já foi cogitado por quase 80% dos entrevistados pelo Semesp. “O professor se sente muito sozinho dentro das salas de aula. Aliado a isso, há a questão da violência. A maioria relata que já passou por algum tipo de intimidação, agressão verbal, sem falar do comportamento dos alunos, que mudou radicalmente”, comenta Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp.

Repensar a “rota profissional” tem sido cada vez mais motivo de reflexão para a professora Carolina de Oliveira. “Confesso que todos os dias me questiono se devo seguir na carreira de professora. Já até prestei concurso para outra área. Penso em mudar minha rota profissional, até porque ainda estou com 34 anos e avalio que ainda há tempo”.

Mudanças efetivas para a melhoria da carreira de professor se fazem necessárias, pois, conforme alerta Capelato, um estudo já apontou que, em 2040, faltarão 235.000 professores da rede básica. 

“O licenciamento dos professores, em sua maioria por problemas de saúde mental, faz com que cada vez mais jovens não queiram ser professores. Logo, o risco da falta de professores no futuro é real. Para mudar essa realidade, é preciso investir na educação, entendendo que ela é um investimento para o país. Também é necessário um plano de carreira com melhores salários, redução dos episódios de violência e maior investimento em tecnologia”, sugere o diretor-executivo do Semesp.

O que fazem Estado e município?

Apesar de não divulgar dados sobre o afastamento de professores, alegando que os dados de licença-saúde são sigilosos, a Secretaria de Estado de Educação (SEE-MG) afirmou que a Diretoria Central de Saúde Ocupacional (DCSO) da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais (Seplag) desenvolveu uma série de ações voltadas ao cuidado com a saúde do servidor, e que uma delas é o acompanhamento dos servidores em readaptação funcional.

“A DCSO implantou, ainda, um programa de parceria com clínicas-escola de cursos de graduação em psicologia para garantir vagas gratuitas de psicoterapia para os servidores que se interessarem. A primeira parceria do programa foi assinada com a Faminas-BH, e as vagas começaram a ser preenchidas ainda em 2023. Os atendimentos serão feitos ao longo do ano e poderão ser on-line ou presenciais, individuais ou em grupo, conforme a necessidade do servidor”, diz trecho do posicionamento, que pode ser lido na íntegra abaixo.

Já a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) esclareceu que mantém um Núcleo de Intervenção em Saúde Funcional, dedicado a apoiar servidores que enfrentam adoecimentos físicos ou mentais que possam impactar a capacidade laboral. “A equipe deste núcleo acompanha servidores com incapacidades laborativas parciais, focando na readaptação funcional e na inclusão de pessoas com deficiência (PCD). O monitoramento durante todo o processo de readaptação é uma parte essencial do trabalho do núcleo”.

Posicionamentos 

  • Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE-MG)

"A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) informa que o CID dos afastamentos por licença-saúde é sigiloso e, por este motivo, não há como estratificar os números solicitados. Além disso, dados estatísticos sobre o tema não são objeto de divulgação, com o intuito de preservar a família dos servidores, garantir o direito à privacidade, além de evitar alarmismos e análises descontextualizadas sobre casos individuais que possuem motivações multifatoriais.

Sobre ações de cuidado com a saúde do servidor, incluindo a saúde mental, cabe ressaltar que a Diretoria Central de Saúde Ocupacional (DCSO) da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais (Seplag) desenvolveu uma série de medidas, uma delas é o acompanhamento dos servidores em readaptação funcional. 

Dada a importância desse acompanhamento, a DCSO estabeleceu um processo transversal de comunicação entre as chefias, os setores de RH e a coordenação central na Superintendência Central de Perícia Médica e Saúde Ocupacional (SCPMSO), que se dá por meio de um sistema on-line de acompanhamento. Para aperfeiçoar a utilização desse sistema, têm sido realizados, periodicamente, treinamentos de gestores de RH das diversas secretarias e regionais.

Em paralelo, para estruturar um programa que pudesse dar mais atenção aos casos mais graves de adoecimento mental, a DCSO criou, em julho de 2020, o Projeto de Avaliação de Saúde do Servidor (PASS), cujo objetivo é alcançar principalmente os servidores que poderiam se beneficiar de um acompanhamento mais próximo relacionado à saúde mental, buscando engaja-los no tratamento, bem como fortalecer suas relações sociais no contexto do trabalho. O projeto conta com uma equipe multidisciplinar composta por serviço social, psicologia, médico do trabalho e médico referência em saúde mental, para avaliação e direcionamento.

A DCSO implantou, ainda, um programa de parceria com clínicas-escola de cursos de graduação em psicologia para garantir vagas gratuitas de psicoterapia para os servidores que se interessarem. A primeira parceria do programa foi assinada com a Faminas-BH e as vagas começaram a ser preenchidas ainda em 2023. Os atendimentos serão feitos ao longo do ano e poderão ser on-line ou presenciais, individuais ou em grupo, conforme a necessidade do servidor. O programa busca facilitar o acesso do servidor a um serviço que, em muitos casos, é de grande custo financeiro e indisponível na região.

Também, em abril de 2020, foi criada a página do Instagram da Saúde Ocupacional (@saudeocupacionalmg), na qual são veiculados conteúdos de saúde física, mental, nutrição, ergonomia e orientações diversas. No canal, são transmitidas ao vivo diariamente aulas de Ginástica Laboral (manhã) e Ginástica de Relaxamento (tarde). Não é necessário cadastro prévio, basta se conectar no horário programado ou acessar as redes sociais da Saúde Ocupacional (Instagram / YouTube – Saúde Ocupacional MG) no horário mais adequado."

Posicionamento da PBH

"A Prefeitura de Belo Horizonte informa que em 2019 o índice médio mensal de afastamento de professores municipais e da educação infantil foi de 3%. Em 2020 e em 2021, esses números caíram significativamente para 0,4% e 1,3% respectivamente, devido a pandemia, período este em que os professores estiveram em teletrabalho. Os anos seguintes mostraram um aumento pós pandemia, retornando ao índice normal, com 3,6% em 2022 e 3,4% em 2023. No período de janeiro a setembro de 2024, o índice médio mensal de afastamento foi de 1,8%.

No que se refere a doenças relacionadas a transtornos mentais e comportamentais, os índices variaram da seguinte forma: 1,2% em 2019, 0,2% em 2020, 0,5% em 2021, 1,3% em 2022, 2,1% em 2023 e 1,7% entre janeiro e setembro de 2024.

A Prefeitura mantém um Núcleo de Intervenção em Saúde Funcional, dedicado a apoiar servidores que enfrentam adoecimentos físicos ou mentais que possam impactar sua capacidade laboral. A equipe deste núcleo acompanha servidores com incapacidades laborativas parciais, focando na readaptação funcional e na inclusão de pessoas com deficiência (PCD). O monitoramento durante todo o processo de readaptação é uma parte essencial do trabalho do núcleo.

Além disso, o município promove ações voltadas à saúde, prevenção de agravos e intervenções em saúde funcional, visando enfrentar os desafios de manter a saúde física e mental no ambiente de trabalho de maneira sustentável."