No dia 1º de novembro de 2017, uma vela esquecida por um morador no 22º andar do Edifício JK causou pânico entre os residentes e mobilizou o Corpo de Bombeiros, que empregou 14 viaturas e 40 militares para combater as chamas e evitar uma tragédia maior. Sete anos depois, o episódio evidencia os riscos enfrentados pelos quase mil moradores do local, que ainda vivem em um prédio sem o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), documento que comprova a adequação das instalações para prevenir e combater incêndios.
Diante da inércia para resolver o problema envolvendo o laudo , o MPMG acionou o Conjunto Governador Kubitschek — nome oficial do edifício — na Justiça. Em setembro deste ano, foi estipulada uma multa diária de R$ 1 mil até que a documentação seja regularizada. Os cerca de 999 moradores dos dois prédios do condomínio convivem com o medo de uma possível tragédia.
“Isso aqui pode ser perigoso, pois não sabemos qual é a real situação. Eles não compartilham informações com os condôminos de forma transparente. Não sabemos como está a segurança do prédio, nem onde o dinheiro arrecadado está sendo aplicado. Por isso, acredito que seria necessária uma intervenção do Estado”, disse um morador, que preferiu não se identificar por medo de represálias da síndica.
Outra moradora compartilha da mesma preocupação. “Fico pensando se, Deus me livre, acontecer alguma coisa, como um incêndio. Qual seria a dimensão da tragédia? Em 2017, o que aconteceu foi gravíssimo. Eu estava aqui e tivemos que descer dezenas de andares pela escada. Foi muito assustador, principalmente ao saber que, mesmo na época, já não tínhamos um plano de incêndio e pânico”, relatou ela, demonstrando pavor.
Na última quinta-feira (21 de novembro), O TEMPO denunciou uma série de irregularidades envolvendo a síndica do condomínio - que está há 40 anos no poder.
Questionado desde outubro, o condomínio do Edifício JK se manifestou na última quinta por meio do advogado Faiçal Assray. Por nota, o defensor afirmou que é interesse do condomínio solucionar a questão envolvendo o AVCB.
“A administração está comprometida a atender todas as exigências legais para a segurança dos moradores. Ocorre que, por ser tombado pelo patrimônio histórico, e por ser um projeto do arquiteto Oscar Niemeyer, cabe ao Instituto Niemeyer a confecção do projeto, e a aprovação pelos órgãos culturais. Tão logo o condomínio esteja autorizado, fará todas as intervenções”, concluiu o advogado do condomínio.
O que diz o Corpo de Bombeiros
O Corpo de Bombeiros informou que o processo de elaboração do PSCIP pelo Edifício JK, iniciado em fevereiro de 2017, não avançou. Desde então, sanções foram aplicadas, incluindo advertência escrita e duas multas. Com a falta de solução, o MPMG entrou com a ação judicial.
O prazo para entrega do PSCIP era de 60 dias e terminou no último dia 5 de novembro, quando a multa diária começou a ser cobrada, podendo atingir o limite de R$ 100 mil. Após a aprovação do plano pelos bombeiros, o condomínio teria dois meses para executar as medidas, também sob pena de multa.
Irregularidades constatadas
Entre as irregularidades constatadas nas vistorias estão: falta ou quantidade insuficiente de sinalização e iluminação de emergência; ausência de brigadista no momento da vistoria; extintores fora das normas; e sistema de hidrantes incompleto, com falta de mangueiras, esguichos e outros componentes. Apesar disso, os problemas não justificam a interdição do prédio. Um dos pontos críticos é a impossibilidade de as escadas dos caminhões dos bombeiros alcançarem os andares superiores, o que torna indispensáveis os hidrantes em todos os andares.
“O AVCB e as medidas de segurança não eliminam completamente o risco de incêndios. Contudo, garantem o abandono seguro da edificação, reduzem a propagação do fogo, proporcionam meios de controle e extinção das chamas e permitem acesso adequado às operações do Corpo de Bombeiros”, destacou a corporação.
Mesmo sem o PSCIP aprovado, já se estima que as adequações custem cerca de R$ 2 milhões, valor que corresponde a quase três meses de arrecadação do condomínio. Em entrevista a O TEMPO, o promotor Fabrício Costa Lopo explicou que as mudanças mais urgentes incluem a instalação de hidrantes em todos os andares e de portas corta-fogo, além de outros equipamentos de alto custo.
Tentativa de conciliação
“Tentamos, ao longo dos anos, conciliar essa obrigação legal com a capacidade econômica do condomínio, mas não obtivemos sucesso. Chegou a um ponto em que o MPMG foi obrigado a propor a ação judicial”, explicou o promotor.
Ele enfatizou que, embora o custo seja elevado, a segurança dos moradores é prioritária. “Nosso objetivo é forçar o Edifício JK a implementar as melhorias necessárias, considerando a grande concentração de pessoas no local e seu valor cultural, já que é um cartão postal da cidade. Contudo, a situação não é emergencial e não exige desocupação ou pânico por parte dos moradores”, concluiu.
Para o advogado Marcelo Mantuano, especialista em direito imobiliário, a ausência do AVCB não justifica, por si só, a destituição da síndica. “Se, entretanto, for comprovado que ela está sendo omissa ou negligente, caberá um processo para sua destituição”, afirmou.