Operação de trânsito em dias de jogos na Arena MRV tem causado transtornos para quem mora no bairro Califórnia, na região Noroeste de Belo Horizonte. Há relatos de pessoas impedidas de acessar as próprias casas, de ônibus barrados em alguns pontos e da necessidade de mudar as rotinas de quem vive nos arredores do estádio do Atlético, como alteração nos horários de buscar as crianças nas escolas. O tempo de duração das viagens de ônibus triplica na região em dias de partidas. A Polícia Militar confirma, em nota, que medidas de segurança têm sido adotadas para “manter a integridade física das pessoas no evento”. A Prefeitura de Belo Horizonte explica que as ações buscam evitar confrontos entre torcedores.
Moradora da região, Viviane Diniz, de 40 anos, conta que, pelo menos cinco horas antes das partidas, a Polícia Militar bloqueia todas as entradas do bairro, desde o Anel Rodoviário. “Se o jogo começar às 19h, o bloqueio do bairro começa a acontecer por volta de 12h. Às 16h já fica impossível passar pelo bairro, a pé ou de carro. A PM cerca a área com grades de ferro, e os policiais, armados, não deixam ninguém passar. Não é só perto do estádio que isso acontece. Moro longe da Arena e um policial, que estava em frente à minha casa, não queria me deixar entrar, mesmo estando com as chaves na mão”, conta.
Ela ainda relata que, em jogos decisivos ou com torcidas rivais, os militares exigem uma espécie de credencial, que comprove a moradia, para permitir a entrada no bairro. No entanto, a PBH explica que não existe essa documentação que comprove residência. O que é feito é um credenciamento de veículos dos moradores para acessar determinadas ruas em dias de restrições de entradas. “Entendo que a polícia precisa garantir a segurança no bairro, mas é frustrante torcer para que o policial vá com a minha cara para eu conseguir entrar na minha própria casa. Em dias de jogos importantes, me pedem uma tal de credencial, que nem eles sabem como e onde conseguir”, disse.
Ana Luíza De Fátima Santana Gomes, de 26 anos, também enfrenta problemas. Ela mora com a família a dez minutos da Arena MRV, na rua Delfim Vieira Coelho, mas sua rua não foi incluída no sistema de credenciais de carros. “A minha família não pôde se cadastrar, mesmo morando tão perto da Arena. E, quando saímos de carro, somos barrados pela PM ao tentar voltar. Precisamos insistir muito para passar”, explicou.
Johnny Max Rodrigues de Souza, de 47 anos, é presidente da associação de moradores do bairro e afirma que já teve inúmeras reuniões com representantes da Arena MRV e com a PM para melhorar a circulação dos moradores em dias de jogos. “Já tentamos conversar diretamente com o tenente e com a Arena para tentar resolver a situação, mas não tivemos sucesso até agora. O militar ainda me disse que poderia tirar o ‘direito de ir e vir’ de quem ele quisesse e que eu estaria muito preocupado somente com os moradores”, relatou.
A Polícia Militar confirmou, em nota, que as interdições no trânsito e fechamento de ruas visam garantir a segurança de todos em dias de jogos. “Essas iniciativas têm como objetivo direcionar o público que acessa o estádio e não impedem o acesso dos moradores locais às suas residências. Essa medida visa resguardar o interesse público, prevenir conflitos entre torcidas adversárias e assegurar a segurança e a integridade física de todos os participantes do evento. Nas redes sociais do 5º Batalhão, responsável pela área, são divulgados mapas com os pontos de bloqueio das vias de acesso em dias de jogos”.
A Arena MRV também foi procurada pela reportagem e informou que as credenciais foram produzidas e destinadas aos moradores do entorno para facilitar o acesso ao bairro. “Toda operação que ocasiona o bloqueio de vias em jogos na Arena MRV é feita pelo poder público e pelas forças de segurança. A Arena MRV realizou o cadastro de moradores e comerciantes do entorno do estádio que possuem credencial para acesso dos veículos às ruas bloqueadas em dias de jogos e eventos.”
Ainda segundo a assessoria da Arena, oito ruas foram contempladas com o adesivo, sendo: rua Cristina Maria de Assis; Crepúsculo; José Cláudio Sanches; Margarida Assis Fonseca; Oswaldo Cardoso; Romualdo Cançado Netto; Walfrido Mendes e rua Evangelina Pratas.
A prefeitura de Belo Horizonte (PBH), em nota, também se posicionou sobre o assunto e afirmou que moradores não podem ser impedidos de entrar em suas casas, portando ou não a credencial cedida pela Arena. “Em dias de jogos e eventos na Arena MRV são feitas reservas de áreas, proibições de estacionamento, alteração de circulação, fechamentos, rota de caminhamento para pedestres e bloqueios de algumas áreas. Sobre as credenciais, estas foram emitidas pela Arena MRV para moradores de algumas vias do entorno, mas o acesso dos moradores em suas casas é garantido, independente de estar ou não com a credencial”, concluiu.
Coletivos lotados triplicam tempo de retorno para casa e torcedores são expulsos de ônibus pela PM
Os moradores do bairro também relataram que durante os dias de jogos, o tempo de duração das viagens de ônibus, especialmente a linha 1509 (Califórnia/Tupi) que é responsável por acessar grande parte do Califórnia, triplicou. Para Ana Luíza, que trabalha como estagiária no bairro Mangabeiras, na região Centro-Sul de BH, a volta para casa é sempre mais complicada quando o Galo joga na Arena. “O fluxo de trânsito fica muito mais intenso. A via expressa é fechada para a passagem de torcedores e a avenida Amazonas fica toda agarrada. A viagem, que duraria 30 a 40 minutos, acaba demorando de 1h a 2h”, disse.
Além do trânsito complicado, a jovem contou que os coletivos são parados por militares antes de acessarem o bairro, forçando passageiros caracterizados com a camisa oficial do time a desembarcarem e continuarem o trajeto a pé. “A primeira vez que vivenciei essa cena, o motorista havia sido parado pela PM antes de entrarmos no bairro. Ele ficou um bom tempo tentando convencer o policial a nos deixar passar. Em seguida, o militar disse que quem estivesse com a camisa do Atlético, morador ou não, deveria sair do ônibus e seguir o caminho a pé. Lembro que os torcedores estavam tranquilos quando foram retirados pelos policiais”, disse.
Em nota, a PM informou justificou: “A Polícia Militar solicita o desembarque dos torcedores por questões de segurança para evitar confrontos entre torcidas rivais. Além disso, caso algum morador esteja vestindo a camisa do Atlético, são sugeridas rotas alternativas e seguras para que ele possa chegar à sua residência”.
O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SetraBH) também se posicionou sobre o ocorrido e informou, através de nota, que em dias de jogos, as frotas que acessam a região tendem a aumentar para suprir a necessidade dos passageiros. “O SetraBH esclarece que a empresa tem buscado aumentar o número de viagens, principalmente no período crítico de acesso à Arena MRV no bairro Califórnia, entre às 17h e 20h. O grande fluxo de veículos durante o horário crítico da chegada de torcedores (A linha vem pelo Anel Rodoviário para entrar no bairro Califórnia) reflete em um maior tempo das viagens”.
A especialista em Segurança no Trânsito, Roberta Torres, acredita que os transtornos vivenciados pelos moradores poderiam ter sido minimizados, se um planejamento assertivo tivesse sido realizado previamente. “O planejamento deveria fazer parte de qualquer tipo de empreendimento, pois assim são analisados riscos e consequências. É importante que antes de qualquer inauguração, uma contabilização média de veículos seja feita a fim de garantir um melhor fluxo de tráfego e que os moradores daquela região não sejam tão afetados”, disse.
Transtorno também afeta pais de alunos de EMEI
Jennifer Diniz, de 26 anos, é mãe de duas meninas de 4 e 7 anos, e a mais nova ainda frequenta a Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI). A moradora do bairro Califórnia conta que em dias de partidas de futebol, os professores sugerem que as crianças sejam retiradas da escola mais cedo, e para isso Jennifer precisa encerrar o expediente do seu trabalho horas antes. Ela trabalha no bairro Santa Efigênia, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. “Meu chefe não aceita, ele fecha a cara e eu tenho que me humilhar pra conseguir me liberar mais cedo. Mesmo tendo que pagar hora depois, eu fico com medo de ser mandada embora, mas não vou expor a minha filha a perigos e deixar de buscá-la mais cedo,” explicou a moradora.
A EMEI do bairro Califórnia está localizada a alguns passos da Arena MRV, e a mãe das crianças disse que o trajeto usual para chegar em casa demoraria em torno de 20 minutos, mas em dias de jogos chega a 1 hora de caminhada. “Para pegar minha filha em paz, eu preciso tirá-la da escola até às 14h e para isso eu tenho que sair do trabalho pelo menos uma hora antes. Se eu buscá-la às 16h da escola, três horas antes do jogo, eu sou barrada pelos policiais de prosseguir caminho. Normalmente eu demoro 20 minutos, mas nesses dias de jogos, mesmo chegando às 14h, eu demoro quase 1hr pra chegar em casa. Isso debaixo de sol quente e com a menina reclamando de ter sido tirado da escola antes do tempo”, acrescentou.
Jennifer compartilhou que a mudança de rotina traz reflexos na vida da criança. “Atrapalha demais. Ela acaba perdendo todo o horário de tarde e em casa ela não vai ter acesso à mesma rotina que teria na escola. Minha filha fica mais agitada e infelizmente a rotina dela fica toda desregulada”, disse.
Em nota, a Secretaria Municipal de Educação informa que as escolas da região funcionam até 17h30 e que nos dias de jogos, devido ao volume de veículos, algumas famílias solicitam buscar os filhos um pouco mais cedo.