Começam nesta sexta-feira (14 de junho) as audiências que podem fazer o bombeiro militar reformado de 64 anos acusado de matar o policial penal Wallysson Alves dos Santos Guedes, de 44 anos, ser julgado por júri popular. A audiência de instrução será no Fórum Lafayette. O crime ocorreu em fevereiro, em um bar no bairro Santa Tereza, região Leste de Belo Horizonte.
No inquérito da Polícia Civil, que responsabiliza o bombeiro pelo assassinato, estão incluídas imagens de câmeras de segurança e áudios de ligações para o 190. Dentre os registros, está uma ligação do próprio autor, que pede a presença da PM no bar porque, segundo ele, havia "um haitiano se identificando como militar".
Ao ser questionado sobre características do homem, o bombeiro se limita a dizer: “É negro”. A atendente chega a questionar "qual o problema dele ser negro e haitiano" (veja a transcrição da ligação abaixo). Na denúncia do Ministério Público de Minas Gerais, o bombeiro é denunciado por homicídio triplamente qualificado.
Para o advogado de acusação, Rodrigo Henrique Martins, o crime está relacionado a uma questão racial, pela cor da vítima. “Está muito clara a discriminação racial, porque, na verdade, ele não se conformou com o fato de a vítima ter dito que era policial. Ele não acreditou pela cor de pele. Isso fica claro quando ele liga para o 190 e fala que é um negro, um haitiano”, afirma.
Câmeras de segurança
Os investigadores reuniram, no inquérito, imagens de quatro câmeras de segurança. Duas estavam próximas ao local do crime e as outras duas próximas à casa do bombeiro reformado, sendo uma delas de dentro da própria residência. Segundo os agentes, o circuito de monitoramento do bar estava inoperante.
Começa nesta sexta-feira (14 de junho) o julgamento do bombeiro militar reformado de 64 anos, acusado de matar o policial penal Wallysson Alves dos Santos Guedes, de 44 anos, em um bar no bairro Santa Tereza, região Leste de Belo Horizonte. No inquérito da Polícia Civil, que… pic.twitter.com/zNBFM7feDG
— O Tempo (@otempo) June 14, 2024
Nas imagens, é possível ver o momento que o bombeiro sai de casa de moto, na madrugada de 26 de fevereiro, dia do crime. Ele chega no bar às 2h45 e, minutos depois, pessoas deixam o bar correndo. O suspeito também deixa o local e retorna para casa.
Quando os policiais militares chegaram à casa do bombeiro reformado, ele estava com o carro do lado de fora da garagem e com uma mochila nos ombros. Segundo a conclusão do inquérito, “ficou claro que o bombeiro tentava fugir”.
Cronologia
- 2h02 - Suspeito solicita a presença da PM no bar, porque, segundo ele, um homem estaria se passando por policial.
- 2h19 - Suspeito volta a ligar para o 190, reforçando o pedido de viatura no local.
- 2h45 - Suspeito chega no bar, em uma moto, e, um minuto e meio depois, diversas pessoas saem correndo do estabelecimento. Em seguida, o bombeiro deixa o local.
- 2h49 - Suspeito chega em casa, de moto.
- 3h16 - Suspeito sai de casa, segurando uma camisa de frio de cor escura e uma mochila nos ombros.
- 3h19 - Suspeito retira o carro da garagem e estaciona o veículo na rua.
- 3h20 - PM chega ao local e prende o homem por homicídio.
Ligações para o 190
No inquérito, constam três ligações que o bombeiro reformado fez para o 190 pedindo a presença da PM no local. Na primeira, feita às 2h02, ele afirma que a vítima tentava se passar por militar. As outras duas, às 2h19 e 2h18, são para cobrar a presença de viaturas no local.
Leia a transcrição da primeira ligação:
Atendente: Qual sua emergência?
Suspeito: É que eu tô com um... eu sou subtenente... eu tô com uma pessoa aqui falando que é militar. Eu acho que ele é haitiano, identificando como militar, eu queria é...
Atendente: Mas o que ele está fazendo?
Suspeito: Se identificando como militar e ele não é militar.
Atendente: Entendi, mas e aí, senhor, ele está mostrando distintivo? Ele está cometendo algum crime? Ele está fazendo algum mal para as pessoas?
Suspeito: Oh, minha querida! Ele tá se identificando como militar e ele não é militar, entendeu?
Atendente: Entendi, qual cidade o senhor está?
Suspeito: Belo Horizonte.
Atendente: Qual a característica do indivíduo, senhor?
Suspeito: É negro.
Atendente: A única característica que o senhor está me dizendo é que ele é negro?
Suspeito: Lógico, ele é haitiano.
Atendente: Mas e aí, senhor? Qual é o problema dele ser negro, haitiano? Eu não estou conseguindo entender.
Suspeito: Ele está se identificando como militar, que ele não é, você está entendendo?
Depois, a atendente informa que solicitará uma viatura para o local.
O outro lado
A defesa do bombeiro reformado afirmou que "provará que não são verdadeiros os fatos narrados na denúncia". Segundo a defesa, "nenhuma das testemunhas ouvidas no inquérito policial afirmaram ter visto o acusado atirar na vítima". Sobre a acusação de racismo, a defesa a considera "absurda". Veja o posicionamento:
A vítima estava muito embriagada no bar, mostrando arma de fogo e dizendo ser policial. O acusado, que é Subtenente reformado dos bombeiros, ligou para a Polícia por 3 vezes. A atendente do 190 pediu que descrevesse a pessoa e o acusado disse que era uma pessoa negra. E que parecia ser um estrangeiro, um haitiano, porque tinha a fala tão desconheça, devido o consumo de álcool, que parecia falar com sotaque.
E na visão do acusado se era estrangeiro não poderia ser policial. Não há nenhum ato de racismo, ele apenas descreveu a vítima como pessoa negra. Se a atendente do 190 tivesse enviado a polícia imediatamente, no lugar de ficar discutindo com o acusado, conforme pode ser visto na transcrição das chamadas, o policia militar teria chegado ao local a tempo não teria ocorrido esta tragédia.