O adolescente de 13 anos que esfaqueou, na manhã desta segunda-feira (17 de junho), dois colegas na Escola Municipal Governador Carlos Lacerda, no bairro Ipiranga, na região Nordeste de Belo Horizonte, era acompanhado psicologicamente, segundo a defesa do garoto. O menino, que possui Transtorno do Espectro Autista (TEA), alegou não saber o porquê de ter levado uma faca de casa e esfaqueado a colega, de 12, e o amigo dela, também de 13.

Ouvido pela reportagem de O TEMPO, o advogado Wesley Souza Santos, que representa o adolescente, afirmou que, segundo a mãe dele, ele fazia acompanhamento psicológico pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em um Centro de Saúde de Belo Horizonte. Ainda segundo o defensor, o menino não possui histórico de violência ou agressão e a expectativa é que ele seja internado pela Justiça, para passar por tratamento. 

“É um garoto supertranquilo em casa, com os familiares, e, na escola, ele não tem nenhum histórico de violência, de agressão. Mas, devido ao Transtorno de Espectro Autista, ele acabou fazendo isso. Quando perguntamos o porquê, ele disse que não sabia, que simplesmente fez isso (esfaqueou os colegas). Perguntamos se os outros adolescentes mexeram com ele ou coisa parecida, e ele disse que não. A gente sabe que é uma pessoa inimputável e, inclusive, a mãe de um dos alunos esfaqueados está aqui e já aceitou o nosso pedido de desculpas. Ela entendeu que é um adolescente que precisa de tratamento e, graças a Deus, as duas vítimas estão bem”, argumentou o defensor. 

A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), por meio da Secretaria Municipal de Educação (Smed), informou por nota que oferece o auxiliar de apoio aos alunos de acordo com a necessidade especial de cada um, descrita em laudo médico. "A política de apoio à inclusão prevê o acompanhamento do estudante que necessita de auxílio para se locomover, se alimentar ou para realizar outras atividades da rotina diária", argumentou. 

Conforme o município, a família do garoto que esfaqueou os colegas apresentou o laudo com o diagnóstico de TEA, o que demandou um acompanhamento auxiliar de apoio "nas atividades em sala de aula". "Nos ambientes de convivência, como o pátio do recreio, ao estudante era dada certa autonomia, mecanismo que faz parte do estímulo à socialização. Importante ressaltar que o aluno não tinha histórico de comportamentos agressivos na escola", concluiu.

Menor já teria feito ameaça em grupo

Ainda conforme o diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de BH (Sind-Rede/BH), Thiago Ribeiro, eles receberam a informação de que o adolescente de 13 anos que cometeu o ataque teria feito ameaças em um grupo de alunos, quando teria falado em outra ocasião que iria “esfaquear alguém na escola”. “A direção da escola não tem como estar em todos os grupos de alunos, mas, ainda assim, foi informado para a direção que tomou todas as providências. Não sei informar se ele foi vítima de bullying”, completou Thiago Ribeiro. 

Questionado sobre as supostas ameaças anteriores ao atentado desta segunda, o advogado Wesley Souza Santos afirmou não ter qualquer informação sobre isso. “Pesquisamos no aparelho celular dele e não encontramos nenhuma dessas supostas mensagens enviadas, então, não há de se falar em ataque planejado, até porque ele é acompanhado pela mãe, pelos familiares e pela escola também. O adolescente surtou e cometeu esse delito”, completou o advogado. 

Para psicopedagoga, é preciso cuidado para que inclusão funcione

Ângela Mathylde, conselheira nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia, destaca que cada criança ou adolescente necessita de um tipo de apoio e assistência educacional, conforme as suas necessidades. Dessa forma, não é possível falar, especificamente, do caso do adolescente responsável pela agressão na escola na manhã desta segunda-feira (17 de junho). Conforme a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), o menino foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista e atraso mental, mas não há mais detalhes sobre o quadro dele. No entanto, a profissional destaca: é preciso um cuidado maior para que a inclusão nas escolas, de fato, funcione.

Testemunhas relataram que o adolescente não estava acompanhado do professor de apoio no momento das agressões. No entanto, Ângela Mathylde ressalta que esse profissional deve estar focado no acompanhamento pedagógico dos alunos. Conter situações de violência exigem, segundo ela, uma atuação multidisciplinar com o estudante e também com a família dele, que precisa ser assistida. Para a profissional, não é o acompanhante o responsável por conter crises/surtos.

“Essas crianças precisam ser acompanhadas por psicólogo, psicopedagogo, fisioterapeuta, médico, entre outros profissionais. Não é somente enviá-las para a escola. É preciso saber se elas estão medicadas, se estão dormindo bem, se estão recebendo atendimento e como está ocorrendo o processo de socialização”, diz ela.

Conforme Ângela Mathylde, é preciso todo um trabalho junto à escola para que os resultados sejam, de fato, os necessários. “É preciso que todos na instituição de ensino — professora regente, cantineiras, outros profissionais — recebam as informações necessárias sobre a situação das crianças, e formação básica acerca do assunto. Os demais alunos também precisam ser instruídos. A família precisa ser envolvida e ter contato direto com a escola. Se o colégio não sabe lidar com um aluno com Transtorno do Espectro Autista, aí é um grande erro”, diz ela.

A profissional afirma que é preciso que todos entendam mais sobre a inclusão. “para que haja inclusão, todos precisam estar incluídos. Não adianta ter políticas públicas, se não se tem conhecimento sobre elas”, conclui.

Sindicato diz que faltam profissionais, mas número está dentro do previsto

Na porta da escola municipal, o diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de BH (Sind-Rede/BH), Thiago Ribeiro, criticou o déficit de trabalhadores da educação, pontuando que na instituição existem 45 estudantes com alguma deficiência e apenas 15 auxiliar de apoio, quase três alunos por trabalho. Segundo ele, o ideal seria que existisse ao menos um destes profissionais, que são terceirizados, para cada estudante com deficiência. 

“Hoje a Secretaria Municipal de Educação (Smed) trabalha com uma política de inclusão que é muito defasada. A profissional de apoio acompanhava três crianças com autismo. Dessa forma, o trabalhador não consegue dar a atenção devida a esses alunos.  Outro problema é com relação à falta de professores. Hoje mesmo, faltaram alguns profissionais que, se estivessem em maior número hoje, poderiam dar um suporte na hora do intervalo”, disse o integrante do sindicato.

Entretanto, questionada sobre a afirmação do sindicato, a Smed ressaltou que o auxiliar de apoio é previsto por lei, porém, não existe um número máximo de alunos que podem ser atendidos por eles. "Em Belo Horizonte, a prática escolar é que cada auxiliar pode ficar responsável por até 3 crianças, entre aquelas que não demandam acompanhamento exclusivo", completou.

"A SMED ressalta que a rede mantém hoje cerca de 7,2 mil alunos com laudo para acompanhamento especial – que pode ser exclusivo ou não, de acordo com a deficiência – e cerca de 4,7 mil auxiliares de apoio que trabalham em tempo integral", concluiu a secretaria da PBH. 

A MGS, empresa do governo de Minas que é a responsável pelos servidores terceirizados de apoio, informou nesta terça-feira (18), por nota, que todos os empregados da empresa são alocados de acordo com a demanda do cliente. "Dessa forma, destacamos que o dimensionamento dos Auxiliares de Apoio ao Educando nas escolas municipais de Belo Horizonte é de responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação", concluiu.

Atualizada às 15h28 do dia 18 de junho de 2024