A morte da ex-sinhazinha do boi Garantido Djidja Cardoso, de 32 anos, na terça-feira (28 de maio), em Manaus, capital do Amazonas, acendeu um alerta sobre o uso da cetamina sem controle. O medicamento, que é um anestésico utilizado até em cavalos e também no tratamento de depressão resistente, tem sido usado indiscriminadamente como droga recreativa, um perigo que pode levar à morte, conforme alertam os especialistas.
Também conhecida como “ketamina”, a substância é um agente anestésico usado em procedimentos de curta duração. Diferentemente de outros medicamentos com esse efeito, não é necessária a aplicação de um relaxante muscular em um paciente que usa a substância. Ela também é utilizada na medicina veterinária para sedar alguns animais, como cavalos.
Outra utilidade da cetamina na medicina é para o tratamento de pacientes com depressão resistente, quando este já apresenta um quadro grave, cogitando até mesmo o autoextermínio, como explica a professora Williane Mendes, do curso de farmácia do Centro Universitário Una.
“A chance de cura desses pacientes é entre 70% e 90%. Mas vale ressaltar que o uso dessa substância é feito em centros especializados. É necessária uma autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Não é qualquer pessoa que pode comprar e utilizar. Também é preciso ter acompanhamento psiquiátrico”, explica Williane.
Entre os principais efeitos da cetamina, a psicóloga Marta Bonfim elenca "sensação de estar desconectado com o próprio corpo, confusão mental, delírio, alucinações, comportamentos irracionais e sentir como se estivesse sonhando".
Por apresentar efeitos dissociativos a droga passou a ser comercializada irregularmente como droga recreativa. Entretanto, a utilização para esse fim pode acarretar em consequências trágicas, como alerta a psiquiatra Christiane Ribeiro.
“Dentro do ambiente hospitalar ou de clínicas especializadas, a cetamina é utilizada de forma bastante controlada. Mas esses efeitos fizeram com que ela passasse a ser usada como droga psicotrópica, causando alucinações e euforia. Com o uso constante, a pessoa passa a criar resistência a ela e necessita de doses cada vez maiores, que podem levar à morte”, disse.
DROGAS - A morte da ex-sinhazinha do boi Garantido Djidja Cardoso, de 32 anos, na terça-feira (28), em Manaus, capital do Amazonas, acendeu um alerta sobre o uso da cetamina sem controle. O medicamento, que é um anestésico utilizado até em cavalos e também no tratamento de… pic.twitter.com/nYlNLL9LQT
— O Tempo (@otempo) June 7, 2024
Distribuição é restrita
Aprofessora Williane Mendes e a psiquiatra Christiane Ribeiro alertam que, apesar de haver restrições na comercialização da cetamina, acabam ocorrendo desvios, corrupção, contrabando e criação de um mercado paralelo de venda do produto, que é comprado por pessoas que fazem o uso recreativo da droga.
Procurada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária informou que a distribuição dos medicamentos de uso humano contendo a cetamina é restrita. Segundo o órgão, somente é permitido o uso desses produtos em ambiente hospitalar, não podendo ser fornecido em farmácias ou drogarias. O órgão ainda disse que é de responsabilidade das Vigilâncias Sanitárias municipal e estadual a fiscalização.
Sobre o uso da cetamina em animais, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) respondeu que o médico veterinário deve se cadastrar no Sistema Integrado de Produtos e Estabelecimentos Agropecuários para que possa prescrever ou adquirir a cetamina. Em nenhuma hipótese é permitido revender o produto. Para coibir desvios, o Mapa informou realizar fiscalizações de rotina nos estabelecimentos e que, se forem constatadas irregularidades, o local e o veterinário podem ser suspensos.
A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) disse que a cetamina é um medicamento restrito a estabelecimentos de saúde e a fiscalização é realizada pelas Vigilâncias Sanitárias dos municípios, que inspecionam as distribuidoras, hospitais ou clínicas especializadas. Quando são verificados desvios nos estabelecimentos, durante as inspeções ou apurações de denúncias, a Vigilância Sanitária adota as medidas cabíveis, de acordo com o risco identificado.
Família de Djidja é investigada por seita religiosa
Djidja Cardoso, de 32 anos, estava envolvida com uma seita que pode ter praticado os crimes de cárcere privado e estupro, de acordo com uma investigação da Polícia Civil do Estado do Amazonas.
Ela era um dos alvos da operação que investiga a seita chamada “Pai, Mãe, Vida”, fundada pela mãe e pelo irmão de Djidja, Cleusimar Cardoso e Ademar Cardoso, que tiveram as prisões preventivas decretadas pela Justiça a pedido da polícia.
De acordo com as investigações, a seita é suspeita de fornecer e distribuir a substância cetamina. Além do comércio, a família também utilizava a droga. Um vídeo gravado por Cleusimar e divulgado pelo portal G1 mostra os filhos sob efeito da substância, além de marcas de aplicações no braço de Ademar.
As investigações apontam que Ademar Cardoso, que se apresentava como Jesus, e sua mãe, Cleusimar, como Maria, usavam a droga como parte de práticas espirituais. Já Djidja era vista como Maria Madalena.