A denúncia de uma agressão com chutes entre alunos de 9 anos no Colégio Santo Agostinho, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, iniciou uma discussão sobre bullying nas escolas e como deve funcionar a apuração e a responsabilização nesses casos. O principal diferencial sobre o bullying, quando vítima e agressor são menores de 12 anos, é que uma criança não pode ser considerada criminosa, segundo explica Elvira Cosendey, psicóloga e uma das fundadoras do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “As crianças são inimputáveis, ou seja, não têm capacidade de avaliar os riscos, e, por isso, não existe nenhuma sanção a elas. Nesse período, o trabalho após a denúncia é educativo”, diz. 

Apesar da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) ter colhido o depoimento de uma das mães de um estudante, conforme boletim de ocorrência ao qual O TEMPO teve acesso, a instituição não está autorizada a seguir com a investigação. Os policiais encaminharam a família ao órgão encarregado: o Conselho Tutelar. “Se o direito de uma criança foi violado, os pais têm que buscar o Conselho Tutelar. É a entidade responsável e capacitada para fazer esse tipo de trabalho. Os conselheiros vão fazer um estudo do caso e impor uma medida protetiva, como acompanhamento psicológico ou encaminhamento para o juiz da Vara da Infância e da Juventude”, explica a profissional, que também é coordenadora do Fórum de Erradicação e Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente (FECTIPA/MG). 

Os conselheiros tutelares são encarregados por escutar a denúncia, acolher a criança vítima e mediar a situação ao convocar aqueles que praticaram o bullying, seus responsáveis e a direção do colégio onde a violência aconteceu. Conforme a especialista, a partir do estudo, a entidade indica soluções para todos os envolvidos, seja propondo tipos de tratamento ou acionando a Justiça. “Esse trabalho é importante porque, antes de impor uma medida protetiva, é preciso entender de onde vêm a agressão, o que faz aquela criança agir daquela forma. Muitas vezes, os pequenos estão reproduzindo uma violência que existe dentro de casa. Por isso, o Conselho Tutelar também estuda os pais”, afirma Elvira Cosendey. 

A psicóloga reforça que, caso a família da criança vítima de bullying não veja avanço na intervenção do Conselho Tutelar, os pais podem procurar a Promotoria da Infância e da Juventude, no Ministério Público, ou a Defensoria Pública. “Esses órgãos podem rever as ações do Conselho, se houver falha, e iniciar ações judiciais. Acontece, em alguns casos, dos pais conseguirem uma indenização em dinheiro por dano moral causado à criança. Seria uma forma da responsabilização cair sobre a família. Mas, isso não gera mudança. A punição, para uma criança, já é a vergonha de passar por um processo de conciliação, não uma sanção a ser aplicada”, reforça. 

E a escola, o que deve fazer em casos de denúncia de bullying? 

Conforme Elvira Cosendey, é inadmissível que uma denúncia seja ignorada dentro de uma escola. “A primeira coisa é não fingir que o problema não existe. Se uma família reclama, então a diretoria precisa convocar todos os responsáveis envolvidos e, se possível com o acompanhamento de um profissional de psicologia, escutar todos os lados do conflito. O que está causando os ataques? Por que isso está sendo possível dentro da escola? O que precisa ser revisto?”, provoca a especialista. 

Nesses casos, é o momento de propor soluções diretamente com as famílias envolvidas e passar a acompanhar os estudantes mais de perto. Segundo Cosendey, uma denúncia extrema serve de alerta para outros casos que ainda estão escondidos. Por isso, é papel da escola, também, impor uma cultura de solidariedade e aceitação do diferente dentro da comunidade estudantil.

“A intolerância é difícil de enfrentar. Precisa ser um objetivo conquistar uma sala de aula que aceita a diversidade, seja da aparência física, religiosa, de gênero e sexualidade, o que for. A empatia pode ser adicionada dentro do currículo escolar, com atividades que incentivem a colaboração entre as crianças”, propõe a psicóloga.  

  • Denúncias de bullying também podem ser feitas pelo Disque 100 Direitos Humanos, mas a especialista avisa que pode ser um processo muito mais longo que o contato com o Conselho Tutelar. 

Entenda o caso

O Conselho Tutelar de Belo Horizonte está acompanhando a denúncia de agressões e bullying feita pelos pais de um aluno de 9 anos da unidade central do Colégio Santo Agostinho. Por conta das supostas violências sofridas, a criança teria que passar por uma cirurgia, conforme consta no boletim de ocorrência registrado pela Polícia Civil. Em nota, a escola alegou que foi promovida a verificação de todas as câmeras de segurança e que as crianças envolvidas foram ouvidas, não sendo constatada "nenhuma ação que viole a integridade física e corporal de qualquer criança". A mãe da criança contratou um advogado para atuar no caso, conforme informações da Defensoria Pública.

Procurada, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informou, em nota, que o Conselho Tutelar recebeu a denúncia na tarde de quarta-feira (11 de setembro). "O colegiado do Conselho vai definir as medidas cabíveis, conduzindo as apurações e análises necessárias, conforme os procedimentos estabelecidos no fluxo de atendimento dos Conselhos Tutelares do município", completou.

A equipe de O TEMPO teve acesso ao boletim de ocorrência, registrado nessa quarta-feira (11). A Polícia Civil informou que não tem atribuição para atuar no caso, considerando que o fato envolve crianças de apenas 9 anos. Com a ocorrência registrada na Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca), os responsáveis foram orientados a acionar o Conselho Tutelar, o Ministério Público e a Defensoria Pública Especializada dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes Cível de Belo Horizonte para intervenção na seara cível ou administrativa, no que couber.

A PCMG informa ainda que atua preventivamente nas escolas por meio de palestras sobre bullying e ciberbullying para estudantes da rede pública e particular de ensino.

A denúncia

Desde a última quarta-feira (11 de setembro), começou a circular nas redes sociais, entre pais de alunos da instituição de ensino, uma mensagem que trazia detalhes sobre as supostas agressões sofridas. No texto, a pessoa que seria a mãe do garoto agredido afirma que, desde o início do ano, um grupo de quatro alunos estaria assediando outras crianças.

A denúncia relata que o grupo de alunos estaria se juntando e desferindo chutes e joelhadas nas partes íntimas dos colegas. A mulher afirma ainda que, recentemente, o filho foi ao pediatra e foi constatado que um dos testículos dele teria subido para a região inguinal.

Foi somente na última sexta-feira (6) que a mulher teria descoberto as supostas agressões. A situação teria sido mantida em segredo, inclusive pela criança. No dia, a mãe teria chegado para buscar o garoto e o encontrado chorando, momento em que ele teria revelado que levou chutes e joelhadas.

 No boletim de ocorrência, os pais informaram que outras crianças também sofreram o mesmo tipo de agressão.

Posicionamento da Defensoria Pública 

A Defensoria Pública tomou conhecimento de forma indireta, mas até o presente momento não foi acionada. Segundo informações, a mãe da criança que sofreu a suposta agressão constituiu advogado.

Conforme apuração junto à delegacia, as crianças envolvidas têm nove anos, de forma que a elas não podem ser imputados atos infracionais. Nesse caso, a Defensoria Pública não atua na esfera criminal, sua atuação na área da infância e juventude é como órgão de proteção de crianças e adolescentes.

A Defensoria fez contato com o Conselho Tutelar e foi informada que o órgão está apurando as denúncias e verificando as medidas cabíveis, por meio do Conselho Centro-Sul. Também há informações de que o Ministério Público foi acionado.

Como órgão de proteção das crianças e adolescentes, a Defensoria Pública de Minas Gerais se coloca à disposição para auxiliar na prevenção de problemas como este, promovendo campanhas de conscientização e atuações em mediação escolar, a exemplo dos Projetos “Defensoria nas escolas” e “Mediação de Conflitos no Ambiente Escolar (Mesc)”, desenvolvidos pela Instituição.

Escola diz que acionou o MPMG

Após ser questionada pela reportagem de O TEMPO, a assessoria de imprensa do Colégio Santo Agostinho divulgou uma nota em que afirma que acionou o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) "para atuar na situação, dada a proporção e exposição de todos os envolvidos".

A nota começa lamentando "a forma irresponsável da repercussão de uma acusação, que extrapolou o âmbito familiar e escolar". "Foi tomada como verdade, sem provas concretas e antes de qualquer apuração dos fatos. Também se solidariza com as famílias devido à exposição causada aos estudantes e a toda a comunidade escolar", completou.

Em seguida, o colégio informou que, desde que foi notificado sobre o assunto, tem atuado junto às famílias e apurado os fatos "com firmeza". "Conforme informações constatadas e imagens das câmeras de segurança, não foram encontradas evidências de agressões e comprovações sobre o relato recebido no dia 6 de setembro", concluiu o Santo Agostinho.

Leia o posicionamento encaminhado aos pais na íntegra:

"Estimadas famílias,

Gostaríamos, primeiramente, de externar a nossa consternação com a repercussão de uma acusação que extrapolou o âmbito familiar e escolar, e foi tomada como verdade, sem provas concretas e antes de qualquer apuração dos fatos. Sentimos muito pela exposição causada aos estudantes e a toda a nossa comunidade escolar.

Entendemos ser respeitoso e necessário compartilhar as ações empreendidas por nós, desde o momento em que fomos acionados na sexta-feira, dia 6 de setembro, com o relato de uma situação de conflito.

• Imediatamente, na sexta-feira, dia 6 de setembro, contactamos a família para escuta e acolhimento e posterior conversa presencial, na segunda-feira, dia 9 de setembro.
• Ao tomarmos conhecimento sobre a citação do nome de outras crianças, acolhemos e realizamos a escuta qualificada delas e de suas respectivas famílias, por meio de nossa equipe do Programa de Convivência Ética e da Supervisão Pedagógica. Todos os relatos são convergentes em torno de uma narrativa de não-violência.
• Mobilizamos uma equipe multidisciplinar de profissionais do Colégio, para trabalhar e apoiar na análise das informações relatadas, envolvendo diretor, gestores, supervisores pedagógicos, professores e especialistas em Convivência Ética.
• Analisamos as imagens de nossas câmeras instaladas nos diversos espaços da escola que registram a movimentação dos estudantes, a dinâmica do final do recreio e o trajeto deles para as salas de aula. Não foi constatada nenhuma ação que viole a integridade física e corporal de qualquer criança.
• Reiteramos que a segurança nos espaços internos da escola já é uma prática constante e estabelecida no Colégio, com diversos profissionais qualificados presentes no pátio e em todos os banheiros.
• Realizamos uma escuta com diversos profissionais da escola.
• Houve tentativa de contato com a família várias vezes, por telefone e pessoalmente, ao longo do dia 11, para fornecer a devolutiva das apurações, mas não obtivemos retorno.
• No dia 11 de setembro, realizamos uma reunião com os Artesãos da Paz do 4º ano e hoje, dia 12, às 7h30, com os Artesãos da Paz de todos os anos/séries do Colégio, para fornecer mais detalhes e as tratativas relativas ao tema.
• Todos os pais do 4º ano, série onde o relato aconteceu, também foram convidados para uma reunião extraordinária, hoje, dia 12 de setembro, para dialogar sobre o tema.
• O Colégio acionou o Ministério Público para atuar neste caminho, tamanha proporção e exposição de todos os envolvidos.

Por meio da análise e cruzamento de todos esses dados, não foram encontradas evidências que configurem um ato de agressão intencional ou bullying. Também não foi identificada intencionalidade ou objetivo de agredir, perseguir, expor ou
magoar qualquer criança.

Não estamos minimizando o fato - compreendemos que cada criança pode ser afetada por uma situação de maneira particular, vamos continuar acolhendo todos os estudantes.

 
Ao longo dos nossos 90 anos de existência, temos experiência e cuidado no trato de situações de conflito como essa.

Reforçamos que o Colégio não compactua com nenhum tipo de violência e possui canais efetivos de combate ao bullying, como o Canal de Denúncia, administrado por empresa especializada e independente, assegurando sigilo absoluto e o tratamento
adequado de cada situação.

Cordialmente,

Karla Santiago
Gestora Pedagógica

Clovis Oliveira
Diretor Institucional

Colégio Santo Agostinho - Belo Horizonte"