Passadas mais de 24h após o sequestro de um ônibus no bairro Nacional, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, Wellington Lemos, o passageiro de 58 anos que foi forçado a dirigir o coletivo e acabou sendo mantido refém por mais de 3 horas na última terça-feira (28 de janeiro), ainda se esforça para conseguir lembrar os detalhes de tudo o que viveu, memórias apagadas pelo estado de choque. Mas, apesar do trauma vivido, ele garante que não deseja qualquer mal para o sequestrador, de 36 anos, chegando inclusive a falar que pensa nele com "carinho" e "amor de irmão".
O TEMPO conversou nesta quarta-feira (29) com o homem, que é proprietário de uma ótica. "Eu estava achando que estava bem, mas, na verdade, estou em uma tensão violenta. Até conversei com um psicólogo agora há pouco. Percebi que não estava bem pois não consigo me lembrar dos detalhes", desabafa o empresário.
Lemos diz que estava sentado mais ao fundo do ônibus, desatento, e que demorou para perceber o que acontecia. "Eu só vi quando ele (sequestrador) já estava em cima de mim, com a faca. Ele gritou, falou que não ia me fazer mal, e eu fiquei mais tranquilo. Quando ele mandou eu dirigir, eu simplesmente sentei lá para dirigir. Eu fiz tudo no automático, pois pensei que se eu o levasse até onde queria, ele iria me liberar", diz o refém, que contou não se lembrar sequer de ter batido em alguns veículos durante o trajeto.
O empresário conta que estava indo para casa para buscar alguns óculos de clientes, sendo que o sequestro aconteceu quando ele já estava a cerca de 15 quadras do destino. Após passar pelo atendimento médico no local, Lemos recusou ir ao hospital. "Eu só pensava que, se estava de pé, eu estava bem. Só queria ir para casa para tranquilizar minha família. Quando cheguei, tomei um banho gelado para me recompor e poder dar o depoimento. Mas é tudo muito estranho, o tempo vai passando e a gente vai ficando esquisito", completa.
"Torço para ele vencer"
Questionado sobre qual recado ele gostaria de mandar para o seu sequestrador, um homem de 36 anos que sofria de depressão, Wellington Lemos respondeu imediatamente: "Que Deus abençoe a vida dele". "Eu torço para ele vencer, quero ver ele vencendo também. É o que eu tenho no fundo do meu coração", disse.
"De maneira nenhuma eu tenho raiva dele, entende? Ele estava desesperado. E a gente sabe que depressão não é fácil, não é brincadeira. Então, eu penso nele com muito carinho, com muito amor mesmo, de irmão. É tão bom a gente ver as pessoas crescerem", finaliza o empresário.
Sequestrador já recebeu alta
Na manhã desta quarta-feira, a reportagem de O TEMPO confirmou, com uma fonte ligada à investigação do caso, que o homem de 36 anos já recebeu alta hospitalar.
Apesar disso, ele ainda não prestou depoimento, tendo sido encaminhado para o sistema prisional. A audiência de custódia, conforme familiar do homem, está marcada para ocorrer nesta quinta-feira (30).
O crime
O sequestro do ônibus da linha 2290 (Nacional/BH) no bairro Nacional, em Contagem, na Grande BH, mobilizou agentes do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) entre a manhã e a tarde da última terça-feira (28). O sequestro teve início por volta de 10h30, quando, armado com uma faca, o homem invadiu o coletivo.
Após obrigar que um dos 12 passageiros, o homem de 58 anos, assumisse a direção, o sequestrador foi até a porta do emprego de sua ex-companheira. No trajeto, pelo menos três carros que estavam estacionados acabaram sendo atingidos pelo veículo de grande porte.
Depois de mais de 3h, o homem de 36 anos foi imobilizado pelos agentes, que utilizaram arma de choque após ele arrancar um fio e tentar se enforcar. Após isso, ele foi sedado e encaminhado para o Hospital Municipal de Contagem.
Durante o sequestro, o suspeito exigia a presença da filha, de 1 ano. O homem teria terminado o relacionamento e estaria sendo impedido de ver a criança após sofrer uma recaída e voltar a utilizar drogas.