A maneira como o governo de Minas Gerais tem permitido que hospitais e serviços da Fundação Hospitalar do Estado (Fhemig) sejam geridos por organizações privadas está sendo julgada no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, nesta sexta-feira (7 de fevereiro), sob relatoria do ministro Dias Toffoli. Estão em cheque os editais de contratação para gestão hospitalar na Fhemig pelas chamadas Organizações Sociais (OSs) – instituições privadas, sem fins lucrativos, que executam políticas públicas. Denúncias, baseadas em uma análise do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG), apontam que os acordos excluem a participação social do SUS, facilitam fraudes e corrupção, e falham na fiscalização. O julgamento ocorre enquanto servidores do Hospital Maria Amélia Lins (HMAL), na região Centro-Sul de Belo Horizonte, temem a entrega da unidade, apesar da Fhemig negar. 

A ação foi proposta pelo Sindicato dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sindsaúde-MG), por meio da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Seguridade Social (CNTSS/CUT). O recurso, apresentado ao STF, questiona a constitucionalidade das parcerias público-privadas (PPPs) propostas pela Fhemig, solicitando a suspensão imediata de todos os editais. “O Governo de Minas tem transferido a gestão dos hospitais da Fhemig para organizações sociais (OSs), sem permitir o controle social e a participação da comunidade. Alega que, embora os dispositivos prevejam o procedimento de seleção das OSs, não estabelecem qualquer forma de auditoria externa. Defende que esse procedimento viola a Constituição Federal”, diz trecho da ação.

O parecer do ministro Dias Toffoli foi publicado pelo STF na tarde desta sexta-feira, antes da conclusão do julgamento. O relator aceitou parcialmente o pedido, reconhecendo que a execução de serviços públicos por entidades do terceiro setor deve respeitar a Constituição. Ou seja, a Lei nº 23.081, de 2018, do governo de Minas, deve ser mantida, mas a seleção das organizações precisa seguir critérios públicos (transparentes), objetivos e impessoais (sem favorecimentos), sem ocorrer de forma arbitrária. O julgamento segue até a próxima sexta-feira (14 de fevereiro).

Para a diretora executiva do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sindsaúde-MG), Neuza Freitas, repassar a gestão de hospitais e serviços do SUS a instituições privadas vai contra a política pública. “Qualquer tipo de desestatização fere a própria Constituição. A saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Nesses casos, o Estado está transferindo sua responsabilidade para terceiros. Muitas vezes, como já se viu em escândalos pelo Brasil, para beneficiar aliados do governo”, denuncia.

A ação judicial conta com o apoio do deputado estadual Betão (PT). Para ele, as Organizações Sociais (OSs) representam um risco de sucateamento dos serviços de saúde pública. “Minas Gerais está seguindo um modelo que já apresentou falhas em outros estados, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo. Essa terceirização desorganiza o SUS, permite contratações sem concurso e sucateia o serviço, resultando na piora do atendimento, muitas vezes mascarada por fraudes no cumprimento de metas”, diz.

A nível nacional, um levantamento do Tribunal de Contas da União, de 2022, identificou 78 eventos de ameaça na participação de Organizações Sociais no SUS, como leis desenhadas para facilitar fraude na seleção da entidade privada e na execução dos contratos; editais com itens já direcionados a determinadas instituições; acertos que fraudam o chamamento e venda de CNPJ de entidades, e taxa de rateio (administração geral) cobrada em duplicidade.

A reportagem de O Tempo demandou o governo de Minas Gerais, que informou que, "em respeito aos ritos forenses e à divisão dos Poderes, não comenta ações judiciais e informa que, quando intimado, se pronunciará nos autos dos processos". 

Suspeita de irregularidade e risco financeiro em edital da Fhemig

A reportagem de O TEMPO teve acesso a um documento do TCEMG, anterior à ação no STF, que analisou o edital da Fhemig para a gestão privada da Casa de Saúde São Francisco de Assis, em Bambuí, no Centro-Oeste de Minas, em 2024. O contrato previa o gerenciamento, a operacionalização e a execução das ações e serviços de saúde, incluindo equipamentos, estrutura, maquinário e insumos. O relator Licurgo Mourão concluiu que o processo de PPP apresentava potenciais riscos financeiros ao Estado e indícios de irregularidades.

Entre os problemas apontados, destacam-se a falta de justificativa clara sobre os benefícios da terceirização da gestão hospitalar, tanto em eficiência quanto em economia; o aumento de 38,98% no valor da contratação, de R$ 36,8 milhões para R$ 51,1 milhões; e o cancelamento de uma série de editais anteriores, levantando suspeitas sobre falhas no processo.

“O Tribunal de Contas, ao apontar as irregularidades no processo de contratação de organização social para a gestão de serviços públicos de saúde pela Fhemig, exerce sua competência constitucional”, diz trecho do documento. Na ocasião, o TCEMG suspendeu o edital e aplicou multa diária de R$ 2 mil à Fhemig, em caso de descumprimento da ordem.