Irregularidades em empresas de alimentos de Belo Horizonte geraram a aplicação de 316 medidas por parte da Vigilância Sanitária (Visa) somente neste ano. O número soma advertências, intimações, apreensões, multas e/ou interdições parciais ou totais de estabelecimentos do município. É como se, a cada dia, uma média de três estabelecimentos com foco em venda de produtos alimentícios fosse flagrada com alguma situação que foge ao preconizado pelas regras das agências reguladoras do setor.

Na última quarta-feira (23), uma padaria no bairro Serrano, na região Nordeste de Belo Horizonte, foi fechada após suspeita de intoxicação de três pessoas de uma mesma família que consumiram uma torta produzida no local. Outros produtos que poderiam não estar próprios para o consumo foram apreendidos pela Vigilância Sanitária durante a vistoria. Segundo o filho da idosa de 75 anos, que é uma das vítimas, Jorge Luiz Morais Dias, a mãe relatou que o alimento “tinha cheiro de comida podre”. As vítimas consumiram parte do produto, e o restante foi levado à padaria, que devolveu o dinheiro gasto. Os sintomas das vítimas não foram detalhados, mas elas precisaram, inclusive, de suporte para respirar.

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Segundo o gastroenterologista Lincoln Antinossi Cordeiro da Mata, os sintomas de intoxicação alimentar podem acontecer de duas formas diferentes: quando há ingestão da bactéria e quando há ingestão da toxina produzida pela bactéria. “No primeiro caso, a ingestão da bactéria demora mais para que os sintomas apareçam, enquanto no segundo, com a ingestão da toxina, os sintomas surgem mais rapidamente e de forma mais intensa. Em geral, há dor abdominal, náusea, diarreia, vômito, que pode agravar para fraqueza muscular intensa, que compromete a fala, capacidade de raciocínio e até a respiração”, afirmou. Desde que foram internadas, as vítimas precisaram ser intubadas. Segundo a família, “o quadro permanece o mesmo.”

Ainda conforme o médico, casos de morte por intoxicação são raros, mas não impossíveis. “Se não houver atendimento quando houver agravamento, dependendo da quantidade de toxina ingerida e das condições do paciente, o paciente pode evoluir para o óbito”, apontou. A recomendação é buscar atendimento médico caso o paciente não consiga se hidratar na mesma proporção da desidratação causada por diarreia e vômito, e quando não houver mais sinais de consciência.

Uma das suspeitas com relação ao diagnóstico que levou as três pessoas da mesma família para o hospital após o consumo de torta de frango é o botulismo, doença causada pela toxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum. A família, inclusive, começou tratamento contra a doença. “O botulismo pode levar à fraqueza muscular progressiva e impactar no andar, no respirar. É uma toxina que pode ser encontrada em alimentos enlatados e embutidos. É um caso grave, em quase todos os pacientes que o contraem, e exige um tratamento longo, com fisioterapia para recuperação motora, respiratória e deglutição”, disse o médico.

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Pareceu estranho? Não coma!

O padeiro e alguns funcionários da padaria afirmam que a torta consumida pela família hospitalizada não foi a única produzida no sábado (19). Entretanto, nenhum outro cliente procurou a polícia e a padaria para reclamar de que os produtos estavam estragados. Conforme a Vigilância Sanitária, em produções de grande escala, a possibilidade de apenas alguns itens serem contaminados não é comum, mas pode acontecer.

“Dependendo do acondicionamento e do tempo de exposição, a contaminação pode iniciar em uma parte do produto. Os produtos podem ficar impróprios para consumo se armazenados em temperatura inadequada, má manipulação dos alimentos, utilização de insumos vencidos, produto de origem ignorada, ou seja, sem rotulagem, contaminação cruzada”, disse o órgão por meio de nota.

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Os alimentos com maior incidência de irregularidades, segundo a Visa, são produtos para preparo de sorvetes, carnes, embutidos, frios, farináceos e açúcar, e as irregularidades se referem a data de validade vencida, temperatura fora dos padrões, má conservação, produtos clandestinos e deteriorados.

O médico gastroenterologista Lincoln Antinossi Cordeiro da Mata afirma que a melhor maneira de evitar a intoxicação é ter cuidado na hora de ingerir alimentos, sobretudo fora de casa. “Ao menor sinal de dúvida, não consuma. Preste atenção ao cheiro e ao aspecto do alimento”, orienta.

A recomendação da Vigilância Sanitária é sempre observar a data de validade dos produtos, a temperatura (os produtos resfriados devem respeitar a orientação do fabricante que consta na embalagem) e as condições gerais de higiene do local e dos funcionários. Com relação aos alimentos prontos, a orientação é optar sempre por aqueles que estão ou muito quentes ou muito frios.

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O que fazer ao comprar e/ou consumir um alimento estragado?

A padaria interditada não possuía Alvará Sanitário e não havia nenhum cadastro no serviço para iniciar o processo de liberação do documento. A Polícia Civil também coletou amostras do produto e investiga o caso. Apesar de a família afirmar que testes feitos de forma particular tenham descartado a possibilidade de envenenamento, a PCMG ainda trabalha com todas as hipóteses: envenenamento ou contaminação causada por alguma toxina ou micro-organismos.

A recomendação da Visa em casos desse tipo é congelar o alimento para depois encaminhá-lo à análise e também denunciar o estabelecimento ao órgão. A denúncia, inclusive, é uma das maneiras de garantir que o empreendimento seja vistoriado pelo órgão.

BH teve apenas um caso confirmado de botulismo nos últimos três anos

Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informou que, considerando o período de 2022 a 2025, houve apenas um caso confirmado de botulismo em residente do município, que foi em 2023. O órgão ressaltou que a capital não teve nenhuma ocorrência de óbito por botulismo no período mencionado e que, atualmente, há um caso em investigação.

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