Católicos de todo o mundo voltam os olhos para o Vaticano nesta semana, quando se inicia o Conclave, que escolherá o novo líder da Igreja. A votação, marcada para começar na próxima quarta-feira, definirá o sucessor do papa Francisco, que morreu no dia 21 de abril deste ano. Além da expectativa de continuidade nas reformas iniciadas pelo religioso argentino, o novo papa terá diante de si um desafio: reverter a queda no número de vocações sacerdotais. Em Minas Gerais, menos de 3.000 religiosos são responsáveis por manter viva a tradição religiosa em 853 cidades. Há padres que enfrentam semanalmente estradas, em carros ou a cavalo, para celebrar missas em vários municípios.

O Anuário Pontifício, publicação que atualiza os dados do mundo católico, mostra que, no mundo inteiro, desde 2012, o total de seminaristas – homens em preparação para a vida eclesiástica, geralmente o sacerdócio – tem diminuído de forma contínua. O levantamento mais recente, divulgado em março de 2025, aponta que o número caiu de 109,8 mil, em 2021, para 106,4 mil, em 2023.

No Brasil, o quadro se repete. Dados levantados pela Comissão Nacional de Presbíteros da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) revelam que Minas Gerais, por exemplo, conta com 2.915 sacerdotes – o que equivale a um padre a cada 7.000 habitantes, considerando a estimativa da população mineira do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2024 – ressaltando que, segundo o Censo 2010, dado mais recente sobre a proporção de fiéis no país, 70,4% da população do Estado é católica.

Outro problema é que cerca de 20,6% dos religiosos – aproximadamente 600 – estão concentrados em Belo Horizonte e na região metropolitana, o que leva a um desequilíbrio no atendimento pastoral: em muitas cidades do interior, os padres precisam se dividir entre diversas comunidades.

Diante desse cenário, a escolha do novo papa é vista como oportunidade para renovar a Igreja. A expectativa é que o novo pontífice consiga dialogar com novas gerações, promover reformas profundas e resgatar o sentido do chamado à vida sacerdotal.

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Para o teólogo pastoralista Raylson Araújo, da PUC-SP, o sacerdócio já não é mais visto como ascensão social. “Hoje, ser padre é arregaçar as mangas. É ser administrador de paróquia, psicólogo e guia espiritual. Muitos desistem ao se deparar com o peso do compromisso”, diz. 

“Vivemos uma crise generalizada de compromisso”, afirma o teólogo, que defende uma revisão profunda na formação dos seminaristas. “Eles ainda vivem muito isolados da realidade do povo. A formação precisa ser mais pastoral, mais próxima das dores e dos desafios cotidianos das comunidades”, conclui.

Limitações

Pastorear muitos fiéis de uma só vez é uma tarefa que o padre Alwin D’Souza, 52, conhece bem. Nascido na Índia, o religioso entrou para o seminário logo após completar 18 anos. “Era o sonho da minha família”, disse. O sacerdote foi ordenado em 2002 e, por pertencer a uma congregação missionária – a do Verbo Divino –, foi designado para iniciar o ministério em Trairão, no Pará, onde, com outro sacerdote, era responsável por 45 comunidades.

“Dentro das nossas limitações, precisávamos atender todos os fiéis. As estradas de chão eram um desafio. Quando chovia, não dava para ir celebrar as missas”, afirma. Ele viveu situação semelhante em 2013, ao ser transferido para a Paróquia Bom Jesus, em Rio do Prado, na região do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. “Lá eram 22 comunidades, todas na área rural. Assim como no Norte do Brasil, aqui o principal desafio era chegar até os fiéis no período chuvoso”, explica. Atualmente, o padre indiano está em Santa Leopoldina, no Espírito Santo.

O sacerdote vê com preocupação a queda no número de seminaristas em todo o mundo, mas espera que o novo pontífice dê continuidade aos trabalhos iniciados pelo papa Francisco. “Que seja uma pessoa carismática, que promova o diálogo com as demais religiões e que possa abrir a Igreja para outras realidades do mundo”, projeta o padre.

Pe. Alwin em missa celebrada na Paróquia Bom Jesus, em Rio do Prado (Arquivo pessoal)

‘É preciso repensar’

“Ser padre tinha um caráter de ascensão, um reconhecimento e projeção social e econômica, algo que já não funciona no Brasil”. Esse é o principal ponto que ajuda a explicar o motivo das baixas vocações sacerdotais no país, segundo o frei Jacir de Freitas. “Outro fator é o celibato. A sociedade já não pensa desse modo. Com todo o processo de erotização na internet e da sexualidade, isso não é mais visto como possível, apesar de termos dentro do clero alguns que não levam essa questão a sério”, aponta.

Frei Jacir, que é doutor em teologia bíblica, avalia que o momento pede que a Igreja repense “tópicos que são cruciais”. “O papa Francisco tentou fazer algumas mudanças e quase resolveu essas questões. Ele, por exemplo, aceitou diáconos casados, defendeu a bênção para casais homoafetivos. Contudo, foi barrada a ascensão de mulheres ao sacerdócio”, elenca. O novo pontífice a ser eleito no Conclave não poderá, conforme destaca frei Jacir, “virar as costas” para tais temas.

“O sucessor de Francisco precisa dar continuidade a essas reformas. Espero que seja eleito um cardeal progressista e que assuma o nome de Francisco II. É muito difícil pensar na Igreja dando passos para trás após o pontificado de Bergoglio”. O religioso diz ainda que a alta cúpula da Igreja Católica “sempre foi muito lenta para tomar decisões” que mudem o que é tradicional. “O que está em jogo é o poder: moral e econômico. Tais decisões têm impacto na sociedade como um todo. O papa Francisco foi fundamental para as mudanças”, conclui o frei

Quartos vazios 

A vida religiosa do padre Aníbal dos Anjos, 99, começou cedo. Aos 12 anos, o adolescente que morava em Bragança, em Portugal, sentiu-se “chamado” a abraçar a causa da Igreja de Cristo e abdicar da vida que levava com os pais e os nove irmãos. “Digo que foi Deus quem me chamou. Um padre da Sociedade Missionária da Boa Nova havia passado pela minha cidade, e gostei do trabalho que ele desenvolvia”, conta.

Com o aval dos pais, o jovem Aníbal recebeu autorização para seguir com o religioso que havia visitado sua cidade. “Nossa casa ficava de frente para uma igreja. Meus pais eram muito cristãos e não perdiam uma missa. Lembro a alegria que sentiram quando souberam do meu desejo de ser padre”.

O período no seminário foi desafiador. Ele conta que entrou com outros 29 seminaristas, mas que, no fim, somente três se ordenaram. “Nunca tive o desejo de sair, graças a Deus, mas ver os meus amigos desistindo ao longo da caminhada me entristecia. Lembro que chorava, pois tínhamos uma relação praticamente de família. E a saída deles só nos era comunicada; então, não nos despedíamos nem sabíamos o que havia motivado a desistência”, relata.

A ordenação do padre Aníbal aconteceu em Fátima. Três dias depois, ele retornou a Bragança, onde celebrou a primeira missa, ao lado da família e dos amigos. Antes de chegar ao Brasil, em 1975, o religioso foi professor no seminário por sete anos e depois foi designado para uma missão em Moçambique. “Foram 17 anos por lá, sendo dez deles no meio de uma guerra. Sofríamos terrivelmente e víamos padres sendo mortos. Sofremos demais. Na nossa paróquia não tinha nada. Tivemos que começar do zero. Recordo que fui engenheiro, pedreiro, pintor e padre”, relembra, aos risos.

Pe. Aníbal reza por novas vocações sacerdotais (Daniel de Cerqueira / O TEMPO)

O trabalho missionário do padre Aníbal no Brasil se concentrou no Sul do país. O religioso desembarcou primeiro em Alto Piquiri, no Paraná, e, depois de mais de quatro décadas, veio para Contagem, em Minas Gerais, na Paróquia Nossa Senhora da Boa Nova. “Deixei o Paraná por causa da idade, pois estava com 90 anos. Analisei que era o momento de dar uma descansada. Aqui estou sendo muito bem cuidado. Celebro duas missas aos fins de semana e auxilio nas paróquias vizinhas”, conta.

Padre Aníbal está em contagem regressiva para o centenário. “Faltam cinco meses”, diz com um sorriso no rosto o padre mais velho residente na Arquidiocese de Belo Horizonte. Atualmente, o sacerdote se recupera de uma fratura no fêmur em decorrência de uma queda. O religioso precisa usar uma cadeira de rodas para se locomover pela casa, mas faz algumas caminhadas com a ajuda da cuidadora Sandra.

Ao receber, o padre comentou a tristeza de ver a diminuição no número de seminaristas e o silêncio que se faz pela casa. “Os mais velhos estão morrendo, e não temos novos para seguir a missão. Os bispos se queixam de que os seminários estão vazios. Veja só: esse local em que estamos tem 30 quartos destinados a seminaristas, e temos somente um. Os quartos estão vazios”.

O religioso teme que, no próximo ano, não haja seminarista. “Em 2024, eram quatro. Três foram para Portugal neste ano para concluir os estudos. O que está por aqui, Renan (Guimarães), vai concluir a graduação em dezembro e também irá para Portugal. Para 2026, não sabemos como será”

Chamado de Deus

A entrevista com o padre Aníbal dos Anjos, 99, aconteceu em uma sala do Seminário Boa Nova. O silêncio na casa era interrompido apenas pelo andar do gato Fred. Em determinado momento da conversa, porém, ouviu-se o barulho de um carro chegando ao imóvel. Em seguida, a porta que dá acesso à escada – que leva ao local da entrevista – foi aberta. Quem entra no seminário é Renan Guimarães, 27, o único seminarista residente na casa.

Renan Rubens Guimarães, de 27 anos, está em processo de formação para se tornar padre (Daniel de Cerqueira / O TEMPO)

Natural de São João del-Rei, no Campo das Vertentes, Guimarães está há dez anos no discernimento vocacional. A decisão de iniciar a vida religiosa veio ao concluir o ensino médio. “Acreditamos que, para ser padre, é preciso que haja um chamado de Deus – e ele é respondido conforme cada pessoa. Na minha juventude, apesar de ter vivência eclesial, algumas pessoas me diziam que eu tinha ‘jeito de padre’. Só que eu tinha o sonho de fazer medicina e me deparei com a necessidade de fazer uma escolha: entrar para o seminário ou cursar o sonho que tanto almejava após passar no vestibular da Universidade Federal de Juiz de Fora”.

Outros desafios elencados são a renúncia à família – visto que o contato ocorre apenas durante as férias – e a falta de independência financeira. “Por mais que as congregações, por exemplo, arquem com algumas despesas, para outras é preciso recorrer à família. E isso precisa ser resolvido pessoalmente. É um desafio”.

Guimarães deixa uma mensagem para quem deseja iniciar a vida religiosa, mas tem se sentido em dúvida: “Tenha a ousadia de tentar, pois não custa. Quando entrei no seminário, com a dúvida sobre a faculdade de medicina no coração, tive ousadia para tentar – e hoje estou feliz e firme. Se não der certo, mude a rota”.