PIRAPORA - “Lá vai o gaiola. Carregando na bagagem esperança e nostalgia.” A canção gravada pelo músico mineiro Marcus Viana traduz a representatividade do Vapor Benjamim Guimarães para Pirapora, no Norte de Minas Gerais. O barco foi reinaugurado neste domingo (1º), como parte da programação do aniversário de 113 anos da cidade. Ele já estava nas águas do rio São Francisco desde maio, mas o retorno da navegação está previsto apenas para novembro, devido ao assoreamento do rio. Antes da cerimônia simbólica no barco, a cidade recebeu uma missa e um desfile cívico.

O vapor está tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) desde 1985, mas deixou de operar em 2013 por causa de problemas estruturais e entraves administrativos. Em novembro de 2020, ele foi retirado das águas do São Francisco para restauração, que só iniciou, de fato, em setembro de 2024. 

A reforma foi executada pela Eletrobras, por meio de um acordo com o Ministério de Minas e Energia. O investimento foi de R$ 5,3 milhões. Durante a inauguração, o ministro Alexandre Silveira reforçou o compromisso do governo federal com a revitalização do São Francisco. “Agora estamos trabalhando no fundo do São Francisco para, junto com a Bahia, revitalizar o rio. Acredito que até o fim do ano estaremos com os recursos aprovados e as obras sendo licitadas. Vamos ter vigor no nosso querido Chico”, afirmou.

O vapor tem capacidade para transportar 140 pessoas. Foto: Fred Magno

 

O ministro também projetou que até 2030 o rio São Francisco possa ter condições de navegabilidade para além da região de Pirapora. “A ideia é que ele (Benjamim Guimarães), num primeiro momento, seja um polo e uma fonte de turismo no Norte de Minas. Mas, até 2030, com o esforço que o presidente Lula tem feito pelas bacias hidrográficas, acredito que conseguiremos a trafegabilidade completa do São Francisco, permitindo que o Benjamim volte a percorrer todo o leito do rio”, completou.

A cerimônia de inauguração também contou com participação de autoridades locais e do secretário de Estado de Cultura e Turismo, Leônidas Oliveira, que representou o governador Romeu Zema (Novo). “Ao retornar com as viagens em Pirapora, o vapor reativa um tempo em que o São Francisco era estrada líquida, levando gente, sonho e progresso para as cidades ribeirinhas", comentou.

As obras ficaram sob responsabilidade da empresa Indústria Naval Catarinense (INC). “É uma obra que devolve à cidade seu principal ativo e ao São Francisco esse barco que é símbolo de uma época, de uma cultura”, afirmou Amaral Junior, representante da empresa.

Centenário 

A reinauguração do vapor também marcou um reencontro centenário. Sob olhares atentos, João Nogueira dos Santos, de 104 anos, assistiu ao desfile cívico com o barco ao fundo. Ele é o comandante mais velho ainda vivo do Benjamim, que chegou ao Rio São Francisco em 1920.

O Vapor Benjamim Guimarães foi construído em 1913, nos Estados Unidos, onde navegou pelo rio Mississippi. Em seguida, veio para o Brasil e operou por alguns anos no rio Amazonas, antes de ser transferido para o Velho Chico. No passado, foi um dos principais meio de transporte da entre o Nordeste e o Sudeste, desempenhando papel fundamental no transporte de pessoas e mercadorias.

Energia é gerada a partir da queima de madeira de reflorestamento. Foto: Fred Magno

 

A embarcação é movida a vapor e lenha de reflorestamento. A caldeira aquece a água, retirada do próprio rio, e o vapor gerado movimenta o motor. Na reforma, também foram instalados novos sensores para auxiliar na navegação, como sonares. O barco conta com estrutura de restaurante e dormitórios para tripulação e passageiros, com capacidade para transportar até 140 pessoas. A velocidade média é de 12 km/h.

Assoreamento dificulta navegação

O assoreamento do Rio São Francisco é um dos principais entraves à retomada da navegação no chamado “Velho Chico”, explica o diretor de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de Pirapora, Adélio Brasil Filho. O processo ocorre quando sedimentos como areia, terra e detritos se acumulam no leito do rio, reduzindo sua profundidade e dificultando a passagem de embarcações. Em diversos trechos, o acúmulo de sedimentos é agravado pelo desmatamento das margens.

Enquanto ainda não tem condições de navegar, o Benjamim Guimarães segue ancorado. Segundo Adélio, o barco deve iniciar as operações turísticas em novembro, com passeios de cerca de duas horas. “Estamos fazendo a capacitação da tripulação que vai atuar no barco, enquanto é feito o trabalho de dragagem do rio para retirada de sedimentos. De fato, essa é uma grande questão para o retorno da operação. Além disso, as águas estão muito baixas”, explicou.

A prefeitura estuda cobrar taxa de visitação em datas específicas, mas os valores dos passeios ainda não foram definidos. Na noite anterior à reinauguração, a Orquestra Sinfônica Jovem de Pirapora se apresentou no porto como parte das comemorações pelos 113 anos da cidade.

Motor econômico: R$ 15 milhões por ano

O retorno do Vapor Benjamim Guimarães representa uma engrenagem importante para a economia de Pirapora. Apesar de ainda não ter uma data definida para a volta dos passeios regulares, a prefeitura estima que o impacto financeiro na cidade varie entre R$ 10 milhões e R$ 15 milhões por ano, movimentando setores como hospedagem, alimentação, comércio e serviços.

“O vapor é nosso ícone do turismo e da cultura aqui do nosso povo ribeirinho. Trabalhei na Secretaria de Turismo antes de ser prefeito e acompanhei as últimas operações do barco, que traz, sem dúvida, um impacto direto na economia local”, afirmou o prefeito Alex Cesar (União). “Fazendo os passeios, o vapor movimenta toda a cadeia: o turista se hospeda, se alimenta, compra lembranças e produtos locais. Todos ganham com esse ciclo”.

O prefeito Alex Cesar (União) e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD). Foto: Fred Magno

 

Segundo o setor de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural da Prefeitura de Pirapora, a paralisação das atividades do vapor acarretou uma queda estimada de 60% no fluxo turístico da cidade. A expectativa da administração municipal é que a retomada da operação também impulsione projetos de ampliação das rotas fluviais. Um dos planos em estudo é o restabelecimento, ainda que esporádico, de um trajeto até Januária, no Norte de Minas, ampliando o alcance turístico da embarcação.

Para Petrônio Santana, músico de 65 anos e entusiasta da cultura ribeirinha, a ideia pode resgatar um passado de projeção internacional. “Se a gente conseguir fazer um trajeto entre Pirapora e Januária, Minas Gerais vai ganhar um pacote turístico que pode atrair novamente visitantes do mundo inteiro, como era antes. Na época dos vapores, Pirapora era considerada a cidade movida a dólar. Vinha gente de fora — americanos, franceses, italianos — para navegar nas nossas águas”, relembra.

Toda cabine de comando do vapor foi restaurada. Foto: Fred Magno

 

Cúmplice de histórias 

Mais que um barco, o Vapor Benjamim Guimarães é cúmplice de vidas inteiras em Pirapora. Nas viagens pelo rio São Francisco, a embarcação carregou mais do que passageiros e mercadorias: transportou sonhos, construiu famílias, sustentou gerações. Supervisor de máquinas aposentado, Waldomiro Souza, de 69 anos, lembra que a conexão da sua família com o vapor atravessa décadas. 

“Foi o pão de cada dia do meu pai. Ele aposentou em 1968, e eu entrei em 74, primeiro como maquinista, depois como supervisor. É um sonho de todos nós ver o Benjamim de volta. É um compromisso que temos com o rio e com o vapor”, afirmou. Segundo ele, manter viva essa tradição exige o envolvimento das novas gerações. “Se não tiver quem ensine, como meu pai me ensinou, isso tudo pode acabar.”  

Waldomiro também relembra histórias curiosas que mostram a dimensão social do vapor no passado. “Na época do meu pai, o comandante fazia casamentos no barco. Tinha gente que conhecia alguém na viagem e se casava ali mesmo. Depois ia para o cartório da cidade formalizar.”

Cristiano Dias, de 68 anos, também tem no Benjamim Guimarães parte essencial da própria trajetória. Ex-marinheiro, trabalhou em diversos vapores da região e participou da reforma recente da embarcação. “Muita gente dizia que o vapor tinha que virar peça de praça, que não ia voltar. Eu mesmo achei que não ia funcionar mais. Mas aí está ele, para dar alegria ao povo. Aqui era uma família. Todo mundo se respeitava. Trabalhamos muito, mas também nos divertíamos. Eu aposentei aqui. Meu pai também. Foi com o vapor que criei meus filhos”, contou.

O músico Petrônio Santana, 65, reforça esse elo entre identidade ribeirinha e as águas do São Francisco. Neto de nordestinos e mineiros, ele cresceu fazendo o trajeto entre Juazeiro, na Bahia, e Pirapora — 14 dias subindo e sete descendo o rio. “Tenho esse sentimento de pertencimento. O vapor me conecta à minha história, às minhas férias com a família, à cultura ribeirinha. É mais do que transporte. É um símbolo que nos lembra de onde viemos. Hoje, preservar o Benjamim é preservar a nossa identidade”, afirmou.

Benjamim Guimarães atrai turistas de todo o mundo. Foto: Fred Magno

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