A suspeita de comercialização e distribuição de nudes falsos criados com inteligência artificial, que assusta alunas do colégio Santa Maria Minas nos últimos dias, pode envolver adolescentes de outras escolas de Belo Horizonte. A informação é de uma adolescente de 16 anos, ex-aluna da instituição tradicional, que foi uma das vítimas do vazamento de imagens ocorrido em 2023.
Em entrevista a O TEMPO, a garota, que tinha 14 anos na época que foi vítima do crime, conta que, inicialmente, o uso da tecnologia começou como uma brincadeira, que era feita inclusive com os garotos da sala. "Eles pediam pra fazer uma pose, tiravam uma foto e, no dia seguinte, mostravam o rosto com o corpo nu. Mas aí, do nada, ele começou a fazer com as meninas. Mas, quando a gente fala que não tinha gostado, ele apagava na nossa frente", lembra.
Entretanto, menos de um ano depois destes primeiros fatos, passou a circular entre as estudantes a informação de que o grupo de garotos teria uma pasta com diversas fotos de meninas da escola de biquíni ou, em alguns casos, nudes reais vazados e que estariam sendo compartilhados entre os garotos.
"Um dia eu perguntei como eles conseguiam essas fotos, principalmente porque não era só do Santa Maria, eram meninas de outros lugares, outras escolas. E, quando eu perguntei isso (como conseguiam), eles falaram: 'Eu tenho meus contatos'. Eram fotos de meninas que nunca foram da escola", denuncia.
João Godinho / O TEMPO
No final do ano passado, a adolescente e uma amiga teriam conseguido pegar o telefone do suspeito e apagar a pasta com as imagens. Com isso, resolveram que não fariam novas denúncias, porém, não contavam com a possibilidade denunciada nos últimos dias de que estas imagens estivessem sendo comercializadas pelo Telegram, aplicativo alvo de diversas denúncias por utilização para venda de conteúdos de pornografia infantojuvenil.
"Nossa maior preocupação é essa (comercialização das imagens). Sabemos que, depois que cai na rede, não dá para saber mais nas mãos de quem está. Não acho que a compra dessas fotos seja feita por adolescentes, o que preocupa muito, saber que essas fotos hoje podem estar na mão de pedófilos. Sem falar que as fotos tinham o nome das meninas, pelo menos nessa pasta", diz, assustada, a mãe da adolescente.
Pelo menos dez estudantes estariam em grupo
Ainda de acordo com a adolescente e sua mãe, apesar das denúncias feitas até agora estarem focando em somente dois alunos da instituição de ensino particular, na verdade, ao menos dez estudantes estariam neste grupo em um aplicativo de mensagens onde as imagens das garotas eram compartilhadas.
"Eles passaram a usar o Telegram para não terem essas imagens arquivadas nos celulares e nas nuvens. Nesse aplicativo, não fica registro de nada. Nesse grupo estariam pelo menos dez meninos, tanto da unidade do Floresta como do Cidade Nova. E como funcionava: quando uma menina publicava uma foto de biquíni, por exemplo, na rede social privada, um deles que tinha amizade tirava o print e jogava no grupo onde estava o garoto que fazia a montagem", detalha a adolescente.
Em algumas situações, as fotos das vítimas eram obtidas de forma forçada, com os garotos tomando os telefones das meninas e enviando imagens da galeria do aparelho entre eles. "Tomavam e corriam para o banheiro para enviar. Eram fotos da intimidade delas, dentro de casa", lembra.
Ainda segundo mãe e filha, o que mais revolta é que, apesar do caso vir sendo denunciado desde 2023, os alunos seguiram na instituição e, após o novo caso de grande repercussão, somente dois deles teriam sido punidos com apenas dois dias de suspensão.
O TEMPO procurou a escola nesta sexta, mas, até a publicação da reportagem, a instituição ainda não tinha se manifestado. O texto será atualizado assim que o posicionamento for recebido.
Conselho Tutelar acompanha o caso
Desde que o caso veio à tona, a assessoria de imprensa do colégio Santa Maria Minas divulgou que iria acionar o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a Polícia Civil e o Conselho Tutelar. Nesta sexta-feira (6 de junho), a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) confirmou, por nota, que o Conselho Tutelar Leste está acompanhando o caso.
"A PBH informa que o Colégio Santa Maria enviou ao Conselho Tutelar Leste, regional onde a escola está localizada, o relato dos fatos e o boletim de ocorrência. O Conselho solicitou os dados dos alunos envolvidos e vai avaliar as medidas cabíveis"
O que diz o colégio?
Procurado, o Colégio Santa Maria lamentou o ocorrido e informou que desenvolve "sistematicamente" atividades educativas sobre o uso ético e responsável da tecnologia, o que contemplaria "medidas de prevenção e combate das diversas formas de violência que ameaçam crianças e adolescentes, no mundo concreto e no ambiente digital".
"O Colégio Santa Maria Minas lamenta o ocorrido e reafirma seu compromisso com a promoção de um ambiente escolar seguro, acolhedor e pautado pelo respeito mútuo. Todas as providências estão sendo tomadas com responsabilidade e transparência, em consonância com os valores institucionais e a legislação vigente. A instituição permanece à disposição das autoridades competentes e das famílias envolvidas para esclarecimentos e encaminhamentos necessários", concluiu.
Também sou vítima, o que fazer?
A Polícia Civil afirmou que atua para levantar as informações do caso. A instituição orienta a vítima a comparecer na Delegacia Especializada de Apuração de Ato Infracional em Belo Horizonte para registrar a denúncia. O endereço da especializada é rua Rio Grande do Sul, 661, Barro Preto.