Uma clínica de reabilitação em Mateus Leme, na Grande BH, foi fechada em operação conjunta do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Vigilância Sanitária Municipal e Polícia Civil de Contagem, nesta quinta-feira (7 de julho). Três suspeitos foram presos em flagrante no estabelecimento, que funcionava no bairro Queiroz. A clínica era insalubre, os pacientes eram maltratados e torturados e ainda recebiam medicamentos vencidos e sem a devida receita médica, além de serem submetidos a condições de trabalho análogas à escravidão, entre outras irregularidades. Foi apreendida uma arma de fogo no local, sem documento de posse.

O caso começou a ser investigado na sexta-feira (4/07), após o MPMG receber denúncia anônima de um ex-interno da instituição. O principal suspeito detido, que tinha recebido a licença de funcionamento do estabelecimento, já tinha sido preso pela prática de mesmo crime, em 2024, conforme explicou o delegado de Mateus Leme responsável pelo caso, Diego Nolasco, em coletiva de imprensa realizada nesta quinta-feira (10 de julho). Os outros dois presos também atuavam na administração da casa terapêutica.

Segundo o policial, os agentes chegaram ao local no momento em que os internos e os três suspeitos estavam descarregando alguns móveis. "Eles estavam em outra clínica, no bairro Serra Azul, que não teve o alvará de funcionamento renovado, por isso estavam fazendo a mudança de imóvel (para o Queiroz)", disse.

Condições insalubres

Em varredura no momento da abordagem, os agentes apreenderam no imóvel vários frascos de medicamentos tarja preta sem receita e verificaram que não havia prontuário médico e nenhum médico ou enfermeiro responsável pelo acompanhamento dos internos. O delegado ressaltou as condições sub-humanas encontradas no local. 

"Os internos apresentavam uma certa confusão mental, fraqueza física. Havia apenas quatro quartos para comportar os 45 internos, e praticamente todos os cômodos da clínica estavam em condições insalubres", detalhou. Alguns pacientes estavam dormindo em beliches colocados em uma varanda da casa, e nos banheiros e alguns cômodos foram encontradas fezes e urina no chão e nos colchões. 

Os 45 internos da instituição eram alojados em quartos,ocupados por cerca de sete pessoas cada. Após o fechametno da clínica, eles foram transferidos para outras casas terapêuticas.

De acordo com a investigação, um médico ia à clínica uma vez por mês, e um enfermeiro supostamente atuava no local somente pela manhã. Os dois profissionais de saúde não estavam no local no momento da operação nem tiveram a identidade relevada até a publicação desta reportagem.

"Danoninho" para internação involuntária

No local, havia pacientes de 17 a 71 anos de idade. Segundo as investigações, todos os internos foram para a clínica de forma involuntária, geralmente usuários de droga ou álcool, e a própria família contatava a clínica, para que os buscassem. Quando chegavam à casa da família, era dado ao futuro interno um coquetel de medicamentos, que os colaboradores da casa terapêutica chamavam de "Danoninho", com o objetivo de dopá-los para que eles conseguissem levá-lo para a clínica. 

"As famílias desses internos são pessoas de baixa renda que foram enganadas, ludibriadas pelos responsáveis com promessas de um lugar acolhedor. Geralmente a mensalidade para um interno variava de R$ 1.200 a R$ 2.000, valor esse que chamou também nossa atenção, pois é um valor muito abaixo", disse o delegado. As clínicas de recuperação que agem conforme a lei e respeitam as normas geralmente cobram valores que podem chegar a R$ 8.000.

Internos faziam segurança e vigilância

Ainda segundo as investigações, como não havia ninguém para fazer a segurança do local, os próprios internos eram designados para cumprir a função. "Era um método cruel que eles utilizavam de um fiscalizar o outro. Caso algum deles tentasse fugir, era amarrado e deixado no sol o dia inteiro", afirmou o delegado Diego Nolasco.

Os telefonemas para a família eram monitorados pelos colegas dos internos, que fiscalizavam o teor da conversa, em uma ação que recebia o nome de Grupo de Apoio ao Interno (GAP). Era permitida somente uma ligação por semana, com duração máxima de dez minutos. 

"É somente dinheiro"

A delegada Gislaine Reis, chefe do departamento de Polícia Civil de Contagem, disse que essa será uma operação constante em cidades da Região Metropolitana de BH. Ela disse que alguns municípios não têm legislação específica para o funcionamento desse tipo de clínica, o que facilita a atuação de grupos que só querem ganhar dinheiro em cima da fragilidade alheia: "Não há ali nenhuma vontade de recuperar e ajudar essas pessoas que estão internadas, é somente dinheiro". 

Ainda segundo Gislaine, Polícia Civil, MPMG e vigilâncias sanitárias municipais vão fiscalizar os alvarás que estão vencendo e vistoriar clínicas, que serão fechadas em caso de irregularidades. 

Crimes 

Os três presos serão autuados por falsidade ideológica, posse ilegal de arma de fogo, cárcere privado e maus-tratos, entre outros crimes. Segundo o delegado, se houver condenação, a pena para cada um pode chegar a 27 anos de prisão.