A delegada da Polícia Civil (PCMG) Ana Paula Lamego Balbino não sabia que o marido, Renê da Silva Nogueira Júnior, de 47 anos, era suspeito de ter assassinado o gari Laudemir de Souza Fernandes, 44, até o momento de sua prisão em uma academia no bairro Estoril, na região Oeste de Belo Horizonte, nessa segunda-feira (11/8). A informação foi repassada em uma coletiva de imprensa na tarde desta terça-feira (12).
De acordo com o delegado Saulo Castro, porta-voz da PCMG, Ana Paula alegou que não tinha qualquer conhecimento em relação à responsabilidade ou eventual participação do marido em infração penal. Questionado se haverá uma punição à delegada caso seja comprovado que a arma utilizada no crime seja dela, Saulo apontou que as penalidades variam entre uma repreensão e até uma demissão.
"O estatuto disciplinar da Polícia Civil tem uma série de possíveis penalidades e, claro, dentro da legalidade, respeitado o devido processo, nesse caso aí, administrativo, as penalidades variam de uma repreensão e até uma demissão. Então é importante frisar, eu estou falando em tese, não estou imputando responsabilidade ou afirmando qual vai ser a punição para delegada, para servidora da instituição. É apenas um esclarecimento geral do que está previsto no nosso regime disciplinar", pontuou o porta-voz da PCMG.
Advogado criminalista e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Leandro Teixeira esclareceu os procedimentos adotados pela Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG). De acordo com ele, a decisão de não afastar a esposa de Renê da Silva Nogueira Júnior, a delegada Ana Paula Balbino, é acertada.
“A profissão do suspeito do crime não tem a ver com a situação. Estaria relacionado se ela estivesse apurando o caso. Nesse caso, deveria haver o afastamento e um substituto ser colocado no lugar. O fato de ela ser delegada, em outra delegacia, não é um impeditivo para ela continuar atuando”, diz ele. “Ela não poderia se valer da posição de delegada para beneficiar o marido, mas não há informações de que ela tenha feito isso”, afirma ele.
Como foi o crime?
Na manhã de segunda-feira (11/8), por volta das 9h, houve uma confusão no trânsito no bairro Vista Alegre, região Oeste de Belo Horizonte. Um caminhão de coleta de lixo estava parado quando um carro BYD cinza, vindo na direção contrária, se aproximou. O motorista do carro — apontado como o suspeito — teria sacado uma arma e ameaçado a condutora do caminhão, dizendo que “iria atirar na cara” dela. Logo depois, ele teria atirado contra o gari Laudemir de Souza Fernandes, que estava trabalhando na coleta.
O gari foi atingido na região torácica, próximo às costelas, e socorrido ao Hospital Santa Rita, em Contagem, mas não resistiu aos ferimentos. Após o disparo, o suspeito fugiu no mesmo carro BYD cinza e foi localizado pela polícia na tarde do mesmo dia, enquanto malhava em uma academia de alto padrão no bairro Estoril. Ele foi preso sem oferecer resistência. Conforme relatos das testemunhas, pouco antes de ser atingido Laudemir teria dito: “Acertou em mim”.
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Versão de Renê
Renê da Silva Nogueira Júnior negou a autoria do crime durante o depoimento. Segundo ele, no dia do homicídio saiu de casa às 8h07 e seguiu o trajeto que costuma fazer até Betim, onde trabalha. Relatou que chegou à empresa, saiu para almoçar, retornou ao trabalho, voltou para casa ao final do expediente, trocou de roupa, saiu para passear com os cães, guardou os animais e foi à academia. A PCMG informou que as imagens de câmeras de segurança estão sendo analisadas para confrontar a rota e os horários descritos por Renê. Segundo a corporação, “tem que ser comprovado” o trajeto narrado pelo suspeito. Até o momento, Renê não passou por exames periciais.
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A vítima
A vítima foi identificada como Laudemir de Souza Fernandes, 44 anos, gari da Localix Serviços Ambientais. Colegas e parentes o descrevem como trabalhador, pacífico e dedicado à família. Laudemir deixou esposa, uma filha de 15 anos e enteadas; segundo testemunhas e familiares, era muito querido no trabalho e em casa.
Segundo Ivanildo Gualberto Lopes, sócio-proprietário da Localix, Laudemir tentou apaziguar a situação durante a confusão no trânsito e acabou sendo atingido enquanto trabalhava. “Agora vai estar nas mãos da Justiça e nós iremos acompanhar”, afirmou Ivanildo.
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O velório e as homenagens
Familiares, amigos e colegas se reuniram na manhã de terça-feira (12/08) na Igreja Quadrangular, em Nova Contagem, para o velório de Laudemir. Em falas marcadas pela revolta e pela dor, parentes o descreveram como “uma pessoa muito trabalhadora, uma pessoa honesta, muito carinhosa e protetora, que morreu trabalhando.” A enteada Jessica França, 25, disse que a família está em choque e cobrou justiça.
No sepultamento, o tom foi de pedido por justiça e de apelo ao respeito com os profissionais de limpeza urbana. A família e colegas ressaltaram a importância de responsabilizar o autor do crime, independentemente da condição social ou cargos que ele ocupe.
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O que a PCMG sabe até o momento
De acordo com o delegado Evandro Radaelli, do DHPP, a Polícia Militar capturou e identificou o suspeito, que foi levado à unidade. “Fizemos o levantamento de informações, a identificação de testemunhas e conseguimos, em fase preliminar, confirmar elementos que levaram à ratificação da prisão. Também houve identificação de imagens, calibres de arma de fogo e representação pela prisão preventiva”, afirmou. Com base nesses elementos, houve representação pela prisão preventiva do suspeito.
O delegado informou ainda que o suspeito não possuía porte de arma. A investigação identificou a placa e a propriedade do veículo supostamente envolvido e colheu depoimentos de todas as testemunhas; o inquérito inclui análise de imagens e oitivas para consolidar o conjunto probatório. O caso está sob investigação contínua da Polícia Civil. Renê foi autuado por homicídio duplamente qualificado e por ameaça contra a motorista do caminhão. Após os procedimentos no DHPP, ele foi encaminhado ao Ceresp Gameleira, onde aguardará audiência de custódia.
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Investigação da Corregedoria e a arma
Segundo a apuração, uma pistola calibre .380 foi recolhida e entregue à Corregedoria. A delegada Ana Paula Lamego Balbino — apontada como esposa do suspeito — teve a arma pessoal entregue à Corregedoria para perícia e apuração sobre cautela e guarda do armamento. Radaelli afirmou que ainda não é possível dizer se a arma utilizada no crime pertence à delegada; essa verificação está em curso e o caso é acompanhado pela Corregedoria da Polícia Civil.
Diversos veículos noticiaram que, em depoimento, o próprio empresário afirmou que a arma pertenceria à esposa, o que motivou a instauração de procedimento pela Corregedoria para apurar eventual falha na guarda do armamento. A investigação disciplinar e o inquérito policial seguem abertos para esclarecer esse ponto.
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Declarações no velório
No velório e no sepultamento, a família e colegas externaram revolta e pedido por justiça. A enteada Jessica afirmou: “Uma pessoa muito trabalhadora, uma pessoa honesta, muito carinhosa e protetora, que morreu trabalhando. Saiu de casa cedo, era um dia que ia chegar mais tarde, mas não voltou. Todo domingo de manhã ele fazia café da manhã, cuidava da gente.” Em coro, colegas e o patrão também pediram que o caso não fique impune.
Ivanildo Gualberto Lopes, sócio-proprietário da Localix, disse: “Agora vai estar nas mãos da Justiça e nós iremos acompanhar.” Ele reforçou que a categoria está sensibilizada e exigiu responsabilização: “Estamos clamando por justiça. A nossa categoria é muito forte. Então não mexa com os garis.”
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Quem é o suspeito
Renê da Silva Nogueira Júnior, de 47 anos, é o suspeito de matar o gari Laudemir de Souza Fernandes, de 44. Ele se apresenta no LinkedIn como alguém que “transforma empresas e acelera resultados através de liderança estratégica e inovação”. Ele é marido da delegada da Polícia Civil de Minas Gerais Ana Paula Balbino Nogueira.
Segundo o perfil profissional, Renê tem 27 anos de experiência executiva no setor de alimentos e bebidas e afirma possuir “histórico comprovado de gerar crescimento exponencial e liderar transformações organizacionais complexas” no mercado brasileiro e internacional.
Ele já ocupou cargos executivos em empresas como Coca-Cola, Vigor, Red Bull e Ambev. Sua experiência mais recente começou em agosto, quando assumiu a diretoria de negócios da Fictor Alimentos. Após a prisão, a empresa informou que ele havia iniciado as atividades há menos de duas semanas, repudiou a conduta atribuída ao funcionário e manifestou solidariedade à família da vítima.
Na formação acadêmica de Renê, constam estudos na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Fundação Getulio Vargas (FGV), Ibmec, Universidade de São Paulo (USP), Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e Harvard Business School. Em seu LinkedIn, há uma recomendação escrita pela esposa, na qual ela afirma que ele é um “homem de caráter irrefutável”.
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O que diz a defesa?
Procurado pela reportagem, o advogado de defesa do suspeito, Henrique Viana Pereira, afirmou que não vai se manifestar sobre o caso.