Motorista há 18 anos, dez deles à frente de caminhões de coleta, Eledias Aparecida Rodrigues, de 43 anos, tentou salvar os colegas após ser ameaçada de morte com uma arma nesta segunda-feira (11/8). Enquanto subia a rua Modestino de Souza, no bairro Vista Alegre, um motorista apressado foi ajudado pelos coletores a passar entre o caminhão e os carros parados na rua. No entanto, ao emparelhar o BYD com o veículo de Eledias, ele disse: “Se você esbarrar no meu carro, vou dar um tiro na sua cara”. A motorista não acreditou na ameaça até que o homem engatilhou a arma. Desesperada, perguntou: “Você vai atirar em mim, tem certeza?”. Na sequência, o atirador passou pelo caminhão e parou três metros adiante. Ela o viu pelo retrovisor e gritou para os colegas: “Ele vai atirar, ele está armado”. Não deu tempo. O assassino mirou em Laudemir de Souza Fernandes, de 44 anos, que tinha um saco de lixo nas mãos. “Me acertaram”, gritou o gari enquanto subia a rua, até cair e deixar as luvas perto da esquina, contou Eledias. O homem, que usava calça branca e blusa azul, fugiu após o crime.
O principal suspeito, Renê da Silva Júnior, de 47 anos, foi preso na tarde dessa segunda-feira em uma academia de alto padrão no bairro Estoril, na mesma região onde Laudemir foi assassinado. Eledias só conversou com a imprensa mais de 24 horas após a prisão. Desde a tragédia, tem sofrido com dores de cabeça, incontinência urinária e tensão na mandíbula. “Ele (atirador) é um cara influente, de porte, diferenciado, branco, alto, bem posicionado, até pensei que fosse policial. A gente fica com medo do que pode fazer”, declarou.
‘Não teve briga de trânsito’
Mesmo assustada, a motorista explicou que não houve briga de trânsito. “Não houve confusão, briga ou discussão. Ele (atirador) se manteve o tempo inteiro frio, a gente, na verdade, estava ajudando a manobrar. Manobrei o caminhão, jogando-o o máximo possível para o meio-fio, mas ele queria passar rápido”, detalha.
Ela relata o momento do disparo: “Ele mirou no coletor Thiago, que estava me ajudando a manobrar, mas aí desistiu e atirou no Laudemir. Ele atirou para pegar mesmo. Pegou na lateral da barriga. Foi uma violência gratuita, a gente não bateu boca com ele em hora nenhuma”, acrescentou. “Ele nos tratou como se fôssemos descartáveis, matou o que estava mais perto dele”.
Mudança de rota
Eledias contou que Laudemir não costumava trabalhar na rota que fez em seu último dia. Na segunda-feira, ele cobria a vaga de um colega afastado por acidente doméstico. “Ele foi emprestado, estávamos com três coletores. A rota dele era na Serra”, disse. Ela já havia trabalhado com Laudemir em outras ocasiões e o descreveu como tranquilo: “Era uma pessoa maravilhosa, calma. Chegava na garagem mais cedo e fazia café para a gente”. Conforme Eledias, a vítima não teve chance. “Ele nem viu o atirador porque estava no lado esquerdo e foi atingido com o lixo na mão. Ele estava trabalhando”, lamenta.
Veja tudo o que se sabe sobre o crime
Na manhã de segunda-feira (11/8), por volta das 9h, houve uma confusão no trânsito no bairro Vista Alegre, região Oeste de Belo Horizonte. Um caminhão de coleta de lixo estava parado quando um carro BYD cinza, vindo na direção contrária, se aproximou. O motorista do carro — apontado pelas investigações como Renê da Silva Nogueira Júnior, de 47 anos — teria sacado uma arma e ameaçado a condutora do caminhão, dizendo que “iria atirar na cara” dela. Logo depois, ele teria atirado contra o gari Laudemir de Souza Fernandes, de 44 anos, que estava trabalhando na coleta.
O gari foi atingido na região torácica, próximo às costelas, e socorrido ao Hospital Santa Rita, em Contagem, mas não resistiu aos ferimentos. Após o disparo, o suspeito fugiu no mesmo carro BYD cinza e foi localizado pela polícia na tarde do mesmo dia, enquanto malhava em uma academia de alto padrão no bairro Estoril. Ele foi preso sem oferecer resistência. Conforme relatos das testemunhas, pouco depois de ser atingido, Laudemir teria dito: “Acertou em mim”. Testemunhas que estavam no local do crime afirmaram que o suspeito “saiu tranquilo e com semblante de bravo” após atirar na vítima.
A vítima
A vítima foi identificada como Laudemir de Souza Fernandes, 44 anos, gari da Localix Serviços Ambientais. Colegas e parentes o descrevem como trabalhador, pacífico e dedicado à família. Laudemir deixou esposa, uma filha de 15 anos e enteadas; segundo testemunhas e familiares, era muito querido no trabalho e em casa.
Segundo Ivanildo Gualberto Lopes, sócio-proprietário da Localix, Laudemir tentou apaziguar a situação durante a confusão no trânsito e acabou sendo atingido enquanto trabalhava. “Agora vai estar nas mãos da Justiça e nós iremos acompanhar”, afirmou Ivanildo.
Versão de Renê
Renê da Silva Nogueira Júnior, 47 anos, negou a autoria do crime durante o depoimento. Segundo ele, no dia do homicídio, saiu de casa às 8h07 e seguiu o trajeto que costuma fazer até Betim, onde trabalha. Relatou que chegou à empresa, saiu para almoçar, retornou ao trabalho, voltou para casa ao final do expediente, trocou de roupa, saiu para passear com os cães, guardou os animais e foi à academia.
A PCMG informou que as imagens de câmeras de segurança estão sendo analisadas para confrontar a rota e os horários descritos por Renê. Segundo a corporação, “tem que ser comprovado” o trajeto narrado pelo suspeito. Até o momento, Renê não passou por exames periciais.
Como a polícia chegou até Renê e o que a PCMG sabe até o momento
De acordo com o delegado Evandro Radaelli, do DHPP, a Polícia Militar capturou e identificou o suspeito, que foi levado à unidade. “Fizemos o levantamento de informações, a identificação de testemunhas e conseguimos, em fase preliminar, confirmar elementos que levaram à ratificação da prisão. Também houve identificação de imagens, calibres de arma de fogo e representação pela prisão preventiva”, afirmou. Com base nesses elementos, houve representação pela prisão preventiva do suspeito. Os investigadores também pontuaram que, durante o depoimento, o suspeito não apresentava sinais de embriaguez ou de uso de drogas. “Ele é articulado, fala bem e não havia necessidade da realização do exame toxicológico”, informou o delegado Matheus Moraes.
O delegado informou ainda que o suspeito não possuía porte de arma. A informação ainda vai ser checada pela instituição com a Polícia Federal. A investigação identificou a placa e a propriedade do veículo supostamente envolvido e colheu depoimentos de todas as testemunhas; o inquérito inclui análise de imagens e oitivas para consolidar o conjunto probatório. “Identificaram a placa do veículo e, após isso, consequentemente, a propriedade. Com isso, chegaram às informações de que ele passou pelo local [do crime]. Por meio de oitivas de testemunhas, pudemos confirmar que era um indivíduo de porte físico reconhecível e pudemos confirmar a autoria do fato”, disse o delegado Evandro Radaelli
O caso está sob investigação contínua da Polícia Civil. Renê foi autuado por homicídio duplamente qualificado e por ameaça contra a motorista do caminhão. Após os procedimentos no DHPP, ele foi encaminhado ao Ceresp Gameleira, onde aguardará audiência de custódia, marcada para esta quarta-feira (13). A esposa de Renê, a delegada Ana Paula Lamego Balbino, não sabia que o marido era suspeito de um assassinato até a prisão dele em uma academia do bairro Estoril, segundo a PCMG.
Investigação da Corregedoria e a arma
Segundo a apuração, uma pistola calibre .380 foi recolhida e entregue à Corregedoria. A delegada Ana Paula Lamego Balbino — apontada como esposa do suspeito — teve a arma pessoal entregue à Corregedoria para perícia e apuração sobre cautela e guarda do armamento. Radaelli afirmou que ainda não é possível dizer se a arma utilizada no crime pertence à delegada; essa verificação está em curso e o caso é acompanhado pela Corregedoria da Polícia Civil.
Diversos veículos noticiaram que, em depoimento, o próprio empresário afirmou que a arma pertenceria à esposa, o que motivou a instauração de procedimento pela Corregedoria para apurar eventual falha na guarda do armamento. A investigação disciplinar e o inquérito policial seguem abertos para esclarecer esse ponto.
Homenagens e velório
Familiares, amigos e colegas se reuniram na manhã de terça-feira (12/08) na Igreja Quadrangular, em Nova Contagem, para o velório de Laudemir. Em falas marcadas pela revolta e pela dor, parentes o descreveram como “uma pessoa muito trabalhadora, uma pessoa honesta, muito carinhosa e protetora, que morreu trabalhando.”
A enteada Jessica França, 25, disse que a família está em choque e cobrou justiça. Ela informou que Laudemir é “uma pessoa muito trabalhadora, uma pessoa honesta, muito carinhosa e protetora, que morreu trabalhando. Saiu de casa cedo, era um dia que ia chegar mais tarde, mas não voltou. Todo domingo de manhã ele fazia café da manhã, cuidava da gente.” Em coro, colegas e o patrão também pediram que o caso não fique impune.
Emocionada, a esposa do gari, Liliane França, afirmou: “O Lau não voltou. Me devolveram o Lau no caixão. Não pode ficar assim, tem que haver uma mudança, tem que haver justiça.” Ela também cobrou respeito à categoria e lembrou das dificuldades e da falta de tolerância enfrentadas pelos garis.
A mãe do gari Laudemir de Souza Fernandes passou mal durante o velório do filho. Abalada, ela foi amparada por familiares e levada a um hospital após apresentar pressão muito baixa, conforme relatou a sobrinha de Laudemir.
Ivanildo Gualberto Lopes, sócio-proprietário da Localix, disse: “Agora vai estar nas mãos da Justiça e nós iremos acompanhar.” Ele reforçou que a categoria está sensibilizada e exigiu responsabilização: “Estamos clamando por justiça. A nossa categoria é muito forte. Então não mexa com os garis.”
Quem é o suspeito
Renê da Silva Nogueira Júnior, de 47 anos, é o suspeito de matar o gari Laudemir de Souza Fernandes, de 44. Ele se apresenta no LinkedIn como alguém que “transforma empresas e acelera resultados através de liderança estratégica e inovação”. Ele é marido da delegada da Polícia Civil de Minas Gerais Ana Paula Balbino Nogueira.
Segundo o perfil profissional, Renê tem 27 anos de experiência executiva no setor de alimentos e bebidas e afirma possuir “histórico comprovado de gerar crescimento exponencial e liderar transformações organizacionais complexas” no mercado brasileiro e internacional.
Ele já ocupou cargos executivos em empresas como Coca-Cola, Vigor, Red Bull e Ambev. Sua experiência mais recente começou em agosto, quando assumiu a diretoria de negócios da Fictor Alimentos. Após a prisão, a empresa informou que ele havia iniciado as atividades há menos de duas semanas, repudiou a conduta atribuída ao funcionário e manifestou solidariedade à família da vítima.
Na formação acadêmica de Renê constam estudos na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Fundação Getulio Vargas (FGV), Ibmec, Universidade de São Paulo (USP), Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e Harvard Business School. Em seu LinkedIn, há uma recomendação escrita pela esposa, na qual ela afirma que ele é um “homem de caráter irrefutável”.
Defesa do suspeito
O advogado de Renê, Henrique Viana Pereira, foi procurado pela reportagem, mas preferiu não se manifestar sobre o caso.