A Justiça decretou, na noite desta segunda-feira (18/8), a prisão preventiva do policial penal de 45 anos suspeito de assassinar sua namorada — a auxiliar administrativa Priscila Azevedo Mundim, de 46 anos —, em um apartamento no bairro Padre Eustáquio, na região Noroeste de Belo Horizonte, no último sábado (16/8). 

A decisão da juíza de direito Juliana Beretta Kirche Ferreira Pinto leva em conta o Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) que, para a magistrada, "evidencia com clareza a brutalidade das lesões corporais que foram, em tese, as causas da morte da vítima, por estrangulamento e golpes contundentes no tórax, rosto, pernas e braços, além da presença de fortes indícios do agressor ter agido com a intenção de matar, especificamente em virtude da condição da vítima ser do sexo feminino, violência decorrente do gênero".

A juíza também decretou que o policial penal deverá passar por um exame de corpo de delito após alta hospitalar — ele se encontra internado no Pronto-Socorro do Hospital João XXIII, pois tentou se suicidar com um corte no abdômen após o feminicídio. 

Confira um trecho da decisão judicial na íntegra:

"Os policiais compareceram no local dos fatos e realizaram incursão utilizando escudo balístico e pistola AIN (arma de incapacitação neuromuscular), com o intuito de manter a integridade física do possível autor de tentativa de autoextermínio.

Os integrantes da guarnição receberam então informações de uma
testemunha, primo do autor, noticiando que o ele tinha matado a namorada e ameaçava tirar a própria vida. Diante dos fatos, os policiais arrombaram a porta do imóvel e se depararam com o autor armado com uma faca. 

Constataram ainda que no apartamento havia grande quantidade de sangue pelos cômodos, ocasião em que o autor correu para o quarto e passou a desferir golpes de facas contra si próprio, momento em que a vítima identificada como Priscila Azevedo Mundim foi avistada pelos militares caída ao lado da cama, possivelmente sem vida, em posição fetal.

Nesse momento, os policiais munidos de escudo e com a arma AIN ordenaram que o autor Rodrigo largasse a faca e se rendesse. O autuado passou a resistir ativamente aos comandos policiais e, com a faca em punho, veio em direção aos militares, sendo efetuado um disparo com a arma AIN. Após ser atingido, o autor caiu na cama, foi contido e finalmente algemado, logrando êxito os policiais em retirar as duas facas que estavam na posse do autor.

Os policiais prestaram socorro ao autuado, encaminhando-o ao Hospital João XXIII, sendo atendido e permanecendo hospitalizado. Declarou ainda o condutor que, posteriormente, compareceram no local do crime os policiais penais responsáveis pela custódia do agressor policial penal preso em flagrante delito  informando que a arma de fogo de porte funcional do autor já fora recolhida em data pretérita, em decorrência da prática de atos de violência doméstica, na forma da Lei Maria da Penha, contra a mesma vítima.

Após a perícia técnica da Polícia Civil ser acionada, foi constatado pelos médicos legistas que a vítima, possivelmente, fora morta estrangulada, pois não apresentava “marcas” de facadas, mas sinais de sim pancadas no tórax, rosto, pernas e braço.

Durante as diligências, os policiais entraram em contato com o primo do autor, relatando que o casal estava sozinho em casa. A seu turno, a irmã da vítima, que reside no mesmo prédio e no mesmo andar, declarou ter ouvido gritos de briga, mas não especificou.

Os relatos constantes do APFD evidenciam com clareza a brutalidade das lesões corporais que foram, em tese, as causas da morte da vítima, por estrangulamento e golpes contundentes no tórax, rosto, pernas e braços, além da presença de fortes indícios do agressor ter agido com animus necandi, especificamente em virtude da condição da vítima ser do sexo feminino, revelando-se a violência decorrente do gênero. A triste e emblemática história de Maria da Penha se repete diuturnamente.

Presentes os indícios da autoria e comprovação da materialidade, resguardando-se, portanto, a ordem pública e considerando-se que a pena máxima privativa de liberdade cominada em abstrato para o crime de feminicídio é de quarenta anos de reclusão, diante dos expressos permissivos legais contemplados no artigo 313, I, do CPP, imperiosa a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva do agressor, por envolver o fato a prática de atos extremos de violência em decorrência do sexo feminino da vítima, fatal.

Sobreleva ainda notar a peculiar condição do agressor, agente público de segurança do Estado, integrante da Polícia Penal, já despojado do uso de seu armamento funcional em decorrência da prática de atos pretéritos de violência contra a mesma vítima, mulher, denotando-se, portanto, a periculosidade do agente."

Priscila relatou medo do namorado

Priscila Azevedo Mundim, de 46 anos, assassinada dentro de um apartamento no bairro Padre Eustáquio, na região Noroeste de Belo Horizonte, na madrugada desse sábado (16/8), teria desabafado à irmã, horas antes do crime, o medo que sentia do próprio namorado. Fabíola Mundim contou que estava com o casal na noite de sexta, quando a irmã a chamou em particular e disse: “Eu não estou aguentando. Ele está me sufocando, está muito possessivo”. 

O corpo de Priscila foi velado no Cemitério Parque da Colina, na região Oeste de BH, na tarde desse domingo (17/8). No momento de despedida, a irmã da vítima, Fabíola Mundim, relatou a angústia dos últimos momentos com a familiar. “Na sexta, eles (o casal) estavam lá em casa e eu senti um ciúmes extremo por parte dele”, disse.

“Eu falei: ‘Sai fora, você não precisa disso’. E, na hora em que ela (a Priscila) foi embora com ele, ela me deu um abraço apertado, como nunca tinha me dado antes. Olhou nos meus olhos e falou: ‘Irmã, eu te amo’. Foi embora. Eu senti algo tão ruim, uma angústia no peito”, continuou.

Segundo relato da irmã, na manhã de sábado (16/8), ela começou a ligar para Priscila por volta das 7h. Três horas depois, no entanto, ainda não havia recebido retorno. Diante da preocupação, ela e o companheiro decidiram ir até o endereço do namorado da vítima e tocaram o interfone até conseguirem entrar. “Eu liguei no interfone para qualquer apartamento e disse: ‘Gente, eu sou a irmã da Priscila. Ele (o namorado dela) fez alguma coisa com a minha irmã. Abre para mim, por favor’”, lembra.

Ao chegar à porta do apartamento, Fabíola contou que o policial penal atendeu uma ligação do cunhado e teria dito: “Chama a polícia, que eu fiz merda”. “Então, eu estou aqui por mim, por você, por todas as mulheres. Ele é assassino. E eu quero justiça pela vida da minha irmã”, afirmou a familiar, entre lágrimas.

Policial Penal estava afastado por motivos psiquiátricos

A morte de Priscila Azevedo Mundim foi lamentada pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), que confirmou o feminicídio por meio de nota. Segundo a pasta, o policial penal estava afastado das atividades desde janeiro de 2024, "por motivos psiquiátricos". "O armamento institucional do servidor já havia sido recolhido desde então", dizia a nota.

Quando a Polícia Militar (PM) chegou ao imóvel, localizado na esquina das ruas Progresso e Vereador Geraldo Pereira, encontrou o policial penal com um corte profundo no abdômen. O ferimento teria sido feito por ele mesmo, em uma tentativa de suicídio após o feminicídio.

Por conta do ferimento grave, ele precisou ser encaminhado às pressas pelos militares até o Hospital de Pronto-Socorro (HPS) João XXIII, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. Ele permanece internado sob escolta. 

"O Departamento Penitenciário (Depen) informa que será instaurado um procedimento administrativo pela Corregedoria em decorrência do fato e que está à disposição para auxiliar a Polícia Civil no que for preciso no inquérito policial que investigará o crime", concluiu a Sejusp em nota. 

O feminicídio será alvo de investigação da Polícia Civil.