Foi marcado para o próximo dia 7 de outubro de 2025 a audiência de instrução que dará início ao julgamento do processo movido pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) contra o Condomínio JK, sua síndica — que está há mais de 40 anos no poder — e um gerente da administração do tradicional edifício desenhado por Oscar Niemeyer, localizado na região Centro-Sul de Belo Horizonte e que abriga, conforme o Censo de 2022 do IBGE, 999 moradores. 

A ação foi movida pelos promotores por suposta "omissão dolosa dos denunciados" na conservação do bem, tombado em 2022, o que teria resultado em "danos ao patrimônio cultural e na ausência de medidas". Em sua argumentação, o MPMG chegou a citar a ausência do AVCB, documento do Corpo de Bombeiros que garante que o prédio é seguro contra incêndios.

O MPMG havia solicitado o afastamento cautelar de Maria Lima das Graças, síndica que ficou conhecida como "Dama de Ferro do JK", e do gerente Manoel Gonçalves de Freitas Neto. A ideia do órgão de Justiça era que a dupla fosse afastada de suas funções por 120 dias, com a nomeação de um administrador judicial. O argumento era que a medida seria necessária para evitar a continuidade delitiva e garantir a gestão adequada do patrimônio.

Entretanto, no entendimento da juíza Maria Isabel Fleck o afastamento deles poderia trazer "desorganização administrativa, em vez de soluções", considerando a complexidade da gestão do Edifício JK. Em sua decisão, a magistrada destacou que Maria Lima das Graças é síndica há 40 anos, e Manoel gerente desde 2004, o que "atesta a capacidade, pelo menos por ora, em gerir o edifício". Além disso, a juíza relembrou que a síndica foi reeleita em 7 de dezembro de 2024, demonstrando "possuir capacidades básicas para exercer o cargo".

Procurado nesta segunda-feira (1º de setembro) por O TEMPO, o advogado Faiçal Assrauy, que representa o condomínio, informou por nota que a administração do Condomínio JK "valoriza e respeita as leis", além de buscar uma "excelente relação com os órgãos de controle do Estado". 

"Ocorre que, um Edifício tombado, precisa de autorizações públicas para alterações profundas, e também, de fundos financeiros. Por ser um condomínio onde pessoas com recursos muito escassos vivem, as chamadas financeiras são próximas do impossível. De tal feita, não na velocidade que é cobrado, mas na velocidade possível, todas as intervenções estão sendo feitas. Por fim, a administração aproveita o espaço para sensibilizar o Ministério Público para direcionar verbas financeiras para ajudar na satisfação dos pleitos", concluiu. 

Gestão cercada por polêmicas

Em novembro de 2024, O TEMPO publicou reportagens com denúncias feitas por moradores do Edifício JK acerca da atuação "polêmica" da síndica, que completou quatro décadas à frente dos dois prédios de 23 e 36 andares que abrigam quase mil moradores. 

Entre as principais queixas, estava a exigência de uma caução de R$ 4 milhões para quem desejasse se candidatar ao cargo de síndico, imposta em 2020. Moradores consideram a medida uma forma de "afastar qualquer concorrência", uma "arbitrariedade", já que a própria síndica "não pagou esse valor".

Advogado especialista em direito imobiliário, Marcelo Mantuano classificou a exigência como "abusiva" e "ilegal" se não prevista na convenção do condomínio. O advogado da síndica, Faiçal Assrauy, afirmou que a denúncia sobre a caução é "caluniosa", pois ela está prevista no Estatuto e em Ata aprovada em Assembleia, e que "a exigência da caução nunca partiu dela".

Outras polêmicas incluem a falta de transparência na prestação de contas do condomínio, que arrecada cerca de R$ 700 mil por mês. Moradores afirmam não ter acesso a informações detalhadas sobre os gastos, reclamando da falta de reuniões e de detalhes sobre funcionários e investimentos. O advogado Faiçal Assrauy contestou as acusações, afirmando que os números "sempre estiveram à disposição (na forma da lei, e estatuto)" e que as denúncias seriam "fruto de ambição política da oposição".

Há também relatos de "assédio jurídico" contra quem questiona a síndica, com moradores temendo processos na Justiça. O defensor do condomínio argumentou que qualquer "calúnia, injúria e acusações inverídicas" "podem e devem ser alvo de responsabilização judicial".

Falta de segurança

Desde 2017, o condomínio não possui o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), o que gerou a ação do MPMG. Irregularidades como a falta ou insuficiência de sinalização e iluminação de emergência, ausência de brigadista, extintores fora das normas e sistema de hidrantes incompleto foram constatadas. A impossibilidade de as escadas dos caminhões dos bombeiros alcançarem os andares superiores torna os hidrantes em todos os andares indispensáveis.

A estimativa é que as adequações custem cerca de R$ 2 milhões. O advogado do condomínio afirmou que é interesse da administração solucionar a questão do AVCB, mas que, por ser um bem tombado e projeto de Oscar Niemeyer, a confecção do projeto cabe ao Instituto Niemeyer e a aprovação, aos órgãos culturais. Na época, o promotor Fabrício Costa Lopo explicou a O TEMPO que o MPMG tentou conciliar a obrigação legal com a capacidade econômica do condomínio, sem sucesso, levando à ação judicial.