Ilegal

Abortivo tem ‘comércio livre’ no campus da UFMG por R$ 550  

Repórter negociou compra com traficantes; alunos de medicina e farmácia seriam fornecedores

Por Marcus Celestino
Publicado em 12 de junho de 2015 | 03:00
 
 
 
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Com comercialização para o público proibida desde 1998, e sem registro pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) há dez anos, o Cytotec – que tem o misoprostol como princípio ativo – é comercializado livremente nos campi da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na capital, e da Universidade Federal de Viçosa (UFV), na Zona da Mata. Os fornecedores seriam alunos da medicina e farmácia. Considerada crime hediondo, a venda do medicamento pode levar à condenação e até 15 anos de prisão.

A reportagem de O TEMPO foi à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), no campus da UFMG na Pampulha, e chegou a negociar a compra do remédio. O primeiro contato foi feito com um traficante que atuava, alheio à presença do segurança a menos de 100 m do local, nos fundos do prédio da faculdade. “O que você quer? Aqui tem de tudo”, perguntou o rapaz de aproximadamente 20 anos.

Quando questionado sobre o abortivo proibido, o jovem, que não revelou o nome, disse que “mandaria um zapzap” para o vendedor do medicamento. Precisamente quatro minutos depois, ele apontou para o prédio da Faculdade de Belas Artes e comentou: “Já vem ele lá”.

Atendendo pelo nome de André, o segundo traficante parecia ser um universitário comum – falava bem e carregava uma mochila. Assim que se aproximou, convidou o jornalista a ir para um local mais afastado. Perto do estacionamento, começou a negociar. O preço ficou acordado em R$ 550. “Você tem que comprar oito comprimidos, porque, se der problema, a mulher pode usar quatro depois, de segurança”, explica.

André ainda ensinou o procedimento. “Ela deve introduzir o comprimido na vagina ou, se ficar com medo de dar problema, pode colocá-los debaixo da língua”. O aborto induzido é crime no país, com pena prevista de um a três anos de detenção – a prática só é permitida se houver risco de morte para a mãe ou em casos de estupro.

Por fim, quando indagado se o produto não era falso, André garantiu que “era de qualidade”, obtido com alunos dos cursos de farmácia e medicina da instituição. Além disso, o traficante disse que mostraria o produto em um banheiro masculino dentro do prédio de ciência da informação. Lá, ele tirou da mochila uma cartela com quatro comprimidos do medicamento. Despreocupado, o rapaz ainda permitiu que fosse feita uma foto após a alegação de que ela seria “enviada para a interessada via WhatsApp”.

Por fim, o traficante pediu que o repórter saísse primeiro do banheiro. Ele preferiu não deixar um número de telefone para contato, mas disse que “sempre está por lá e, para encontrá-lo, é só proceder da mesma forma”.

Saiba mais

Outras denúncias. No início do ano, a Fafich foi alvo de denúncias de tráfico de drogas.

Perigo. A Organização Mundial de Saúde estima que, no Brasil, a cada duas mulheres que optam pelo aborto induzido, uma morre. Levantamento da Universidade Estadual do Rio de Janeiro aponta que cerca de 865 mil mulheres optaram por procedimentos abortivos ilegais em 2013 no país.

Remédio. O Cytotec – que tem o Misoprostol como princípio ativo – começou a ser vendido no Brasil em 1985. Em 1998, foi proibida a comercialização para o público em geral. Em 2005, o uso do remédio foi vetado em hospitais, assim como sua produção.

Respostas

Sem ação. As universidades, por meio de suas assessorias, garantem “não ter conhecimento” dos casos. Além disso, ambas dizem que só tomarão providências quando denúncias forem feitas.

Fronteira do Paraguai é principal porta de entrada do remédio

A assessoria de imprensa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que grande parte do estoque de Cytotec vendido ilegalmente no país entra pela fronteira do Paraguai. O remédio não possui registro, e, portanto, sua comercialização é estritamente proibida.

No Brasil há apenas um remédio com o princípio ativo do Cytotec registrado. Ele é indicado para a interrupção da gravidez, mas seu uso é restrito ao ambiente hospitalar, não podendo ser vendido em farmácias.

Ainda de acordo com a agência, “a venda de produtos sem registro é considerada infração sanitária gravíssima e crime hediondo, enquadrado no Código Penal, art. 273”. Denúncias podem ser feitas às vigilâncias sanitárias estaduais ou municipais ou à ouvidoria da Anvisa.

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