Autoridades de saúde pública fiscalizam a venda de cigarros para crianças e adolescentes no entorno da Escola Estadual Pedro II, no Centro de Belo Horizonte. Agentes do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e da Vigilância Sanitária da capital realizam desde a quinta-feira (25) uma pesquisa sobre os pontos de venda de produtos de tabaco nas proximidades da instituição de ensino. Os resultados deste levantamento deverão ser apresentados até o mês de setembro, e encaminhados para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ao poder legislativo para orientar novas leis.

"Infelizmente, os comerciantes continuam vendendo produtos de tabaco para menores de 18 anos. A intenção dessa fiscalização, então, é proteger nossos jovens desses produtos", explica Felipe Mendes, técnico do Programa Nacional de Controle ao Tabagismo, do Instituto Nacional do Câncer (Inca), coordenador da ação que é inédita. Segundo Mendes, os agentes envolvidos no levantamento constataram que alunos desta escola têm tido fácil acesso ao cigarro tradicional e de palha. "É mapear os pontos de vendas que existem em torno da escola para orientar os vigilantes sanitários, além de desenvolver políticas públicas mais restritivas", completa. 

Apesar da venda proibida para crianças e adolescentes com idade entre 13 e 17 anos, um estudo do Inca apontou que nove em cada dez adolescentes, nesta faixa etária, conseguem comprar cigarros em locais comerciais autorizados. São estabelecimentos como padaria, cafeteria, mercados e bancas de jornal. O levantamento apontou que 70% dos menores de idade compram cigarro unitário, o que significa que os postos de venda abrem o maço e comercializam unidades avulsas, em desacordo com a lei. 

Em Belo Horizonte, o cenário não é diferente do nacional. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense) de 2019, 15% dos estudantes da capital fumaram pela primeira vez com 13 anos ou menos. "Além desse prejuízo para o sistema respiratório, que pode desenvovler até os 30 anos, outro risco é a dependência. As pessoas que começam a fumar nessa faixa etária (entre 13 e 17 anos) tendem a seguir com esse hábito durante toda a vida. Só que a partir dos 30 anos a capacidade pulmonar é reduzida, e o consumo do cigarro se torna um agravante", destaca o pneumologista Silvio Musman, da Unimed-BH.

A pneumologista Michelle Andreata, da Santa Casa de Belo Horizonte, reforça o alerta. Para ela, o uso de cigarro entre crianças e adolescentes também também pode estar associado a outro problema de saúde pública: a depressão. "Não é possível precisar se o cigarro é causa da depressão, ou se fazem o uso dele por causa da doença. Mas o que temos percebido é um desenvolvimento maior desse distúrbio entre aqueles que fazem o uso do cigarro", detalha. 

A reportagem questionou a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE-MG) sobre a fiscalização e se a unidade de ensino desenvolve projetos a fim de conscientizar os alunos sobre os riscos do cigarro. A pasta informou que essa fiscalização é uma iniciativa da Secretaria Secretaria Estadual de Saúde, e garantiu que desenvolve uma série de campanhas educativas junto aos estudantes. 

"Para a conscientização e sensibilização dos estudantes quanto aos riscos do uso abuso e abuso do álcool, tabaco e outras drogas, a SEE/MG inclui em seu calendário escolar,  por meio da  Resolução SEE Nº 4.797, de 25 de novembro de 2022 , a Semana Estadual de Prevenção às Drogas, realizada de 19 a 23 de junho, conforme Lei nº 16.514 de 2006", disse em nota.

Cigarros eletrônicos

Um dos focos dessa fiscalização feita pelo Inca e pela Vigilância Sanitária é a venda e a utilização do cigarro eletrônico, popularmente conhecido como "vape". O produto possui um apelo muito grande entre os jovens por ser tecnológico e apresentar diversos sabores, no entanto oferece riscos à saúde.  “Um desafio importante que temos é conter a venda desses produtos e o interesse por eles, pois, embora seja proibido no Brasil, é muito fácil de encontrar”, salienta Mendes. Conforme a resolução nº46, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de 2009, a comercialização, a importação e a propaganda dos "vapes" são proibidas no Brasil.

O cigarro eletrônico é, inclusive, motivo de uma campanha realizada pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais.  A ação tem como objetivo alertar a população sobre os riscos do desenvolvimento de doenças e ofertar ações de prevenção. Com o nome de "O Uso do Cigarro Eletrônico", a iniciativa é parte das ações da semana do Dia Mundial sem Tabaco, celebrado em 31 de maio.

"É importante discutir isso porque é algo que virou tendência e atrai crianças e adolescentes. Muitos acham que é um vapor de água, com cheiro e gosto, e não tem conhecimento das substâncias que estão ali", alerta a pneumologista Michelle Andreata. Para a especialista, o cigarro eletrônico pode oferecer ainda mais riscos que o tradicional, uma vez que, segundo ela, não se tem a real dimensão dos produtos utilizados. "A gente sabe que a carga não tem apenas nicotina. É um produto ainda em descoberta. Um outro problema é que muitas pessoas estão fabricando a própria carga, com substâncias que não são próprias para inalação", pontua. 

Para o pneumologista Silvio Musman, essa é uma questão que precisa ser debatida pelas autoridades de saúde, uma vez que além das doenças do aparelho respiratório, o "vape", como é conhecido, pode causar dependência e até colaborar para a transmissão de vírus. "O cigarro eletrônico ele costuma ser compartilhado, então você tem o risco da transmissão de diversos vírus. Além disso, a possibilidade desse usuário de tornar um tabagista tradicional é maior", complementa. 

Venda para crianças e adolescentes é ilegal

Desde 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe a venda de cigarros para crianças e adolescentes no Brasil. Conforme a Lei n.º 8.069/1990, comercializar ou entregar à criança ou ao adolescente produtos que possuem componentes que podem causar dependência física ou psíquica, como é o caso dos derivados de tabaco, é considerado prática ilegal no país.

Em 2003 essa proibição tornou-se mais expressa na Lei n.º 10.702/2003, que proíbe a venda de quaisquer produtos de tabaco a menores de 18 anos.

Doença

O tabagismo, doença causada pela dependência de nicotina presente nos produtos à base de tabaco, é considerada como doença crônica  e está inserida na Classificação Internacional de Doenças (CID10), da Organização Mundial da Saúde (OMS). Conforme a OMS, o tabagismo ativo e a exposição passiva à fumaça do tabaco estão relacionados ao desenvolvimento de aproximadamente 50 enfermidades. São elas:

  • Câncer
  • Doenças do aparelho respiratório (enfisema pulmonar, bronquite crônica, asma, infecções respiratórias) 
  • Doenças cardiovasculares (angina, infarto agudo do miocárdio, hipertensão arterial, aneurismas, acidente vascular cerebral, tromboses)
  • Úlcera do aparelho digestivo
  • Osteoporose
  • Catarata
  • Patologias do buco-dentais
  • Impotência sexual do homem
  • Infertilidade na mulher
  • Menopausa precoce
  • Complicações na Gravidez

Somente nos últimos meses, 407 das 853 cidades de Minas ofereceram tratamento para pessoas tabagistas. O atendimento foi ofertado por meio do serviço de Atenção Primária à Saúde. Ao longo do último ano, ações educativas e de mobilização social também foram realizadas em 747 municípios. A iniciativa buscou conscientizar sobre a dependência química, tabaco, álcool e outras drogas.