TRANSPORTE PÚBLICO

Acidentes com ônibus: João XXIII já recebeu 50% dos casos de todo 2022

Somente nesta semana, o hospital atendeu 13 vítimas de batidas de ônibus; motoristas e passageiros denunciam condição do transporte

Por Isabela Abalen
Publicado em 25 de maio de 2023 | 16:02
 
 
 
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Antes da chegada do meio do ano, o Hospital João XXIII, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, já atendeu 50% dos casos de vítimas de acidentes com ônibus de todo 2022. Até a última segunda-feira (22), o hospital já tinha recebido 178 pacientes que tiveram algum tipo de fratura após batidas, atropelamentos e demais acidentes em coletivos. E os casos não param de crescer. De 2021 para 2022, houve um aumento de 42%, quando as vítimas passaram de 247 para 350. 

Somente nesta semana, 13 vítimas de três batidas de ônibus diferentes foram atendidas no João XXIII. O número é alto, mas, mesmo assim, ainda não representa a totalidade. As pessoas que se ferem em acidentes de coletivos são levadas para unidades de saúde diferentes. Segundo um levantamento de O TEMPO, desde a última sexta-feira (19), foram 12 acidentes com ônibus na Grande BH, com pelo menos 40 vítimas, sendo que três foram atropeladas e uma morreu. 

Para atender a quantidade de acidentes com múltiplas vítimas, uma vez que um acidente de ônibus coloca motorista, passageiros e outros agentes de trânsito em risco, o Hospital João XXIII conta com um plano de atendimento de catástrofe. “Quando nós recebemos a informação de que ocorreu um acidente de ônibus, preparamos toda a sala de emergência para oferecer recurso material e humano que dê conta de atender todas as vítimas com qualidade e urgência”, explica o cirurgião do trauma do pronto-socorro, Romulo Souki. 

A organização interna é usada para que o serviço de saúde não seja sobrecarregado com a chegada das vítimas dos acidentes de coletivos, mas com o aumento de frequência e gravidade dos casos, os demais atendimentos do hospital sofrem algum tipo de aperto. “Chegam vários pacientes com gravidades ao mesmo tempo. O João XXIII é referência em casos complexos, mas, dependendo do número de vítimas, ocorre de ficar sobrecarregado. É por isso que o atendimento pré-hospitalar tem que ser bem feito, para que não cheguem ao pronto-socorro vítimas que podem ser atendidas em outros centros de saúde”, continua o médico. 

Nessa terça-feira (23), por exemplo, o hospital recebeu nove vítimas de uma batida entre dois ônibus do Move metropolitano na avenida Dom Pedro I, na região de Venda Nova. Duas das vítimas ficaram internadas por 24h. “Envolve a sala de emergência, neurocirurgia, cirurgia do trauma, ortopedia, quase todas as equipes de atendimento imediato de vítimas graves”. 

Souki avalia que um acidente de ônibus gera acidentes de variados tipos, mas traumatismos cranianos, torácicos e abdominais são mais comuns. “Os ônibus não têm cinto de segurança, os passageiros ficam soltos, então estão mais vulneráveis. No interior do veículo, ele pode bater a cabeça, o tórax, fraturar a perna se ela fica presa ou o braço, com a queda. Os pacientes ejetados do veículo podem chegar a ter múltiplas lesões ou o famoso politraumatismo”, explica. 

Ainda segundo o médico, os casos mais graves tendem a acontecer com as vítimas que estão fora dos veículos e sem proteção. “A gravidade de um acidente com ônibus vai depender da velocidade e da intensidade do impacto. Por isso, pedestres e ciclistas são os mais vulneráveis”. Dos 12 acidentes da última semana, apenas um levou a morte. Uma pedestre de 51 anos foi atropelada e esmagada por um ônibus Move na avenida Antônio Carlos, na Pampulha, e não resistiu. Três dias antes, uma adolescente ficou gravemente ferida ao ser atropelada na mesma avenida também por um Move. 

Sucateamento da frota é apontada como agravante

Problemas nos veículos do transporte público da capital e da região metropolitana têm sido noticiados diariamente. Nesta quinta (25), três ônibus saíram de circulação por estarem circulando com pneus lisos ou sem o licenciamento de veículo na Estação São Gabriel, na região Nordeste. Mais cedo, O TEMPO adiantou o problema com os freios dos veículos. Com relação aos ônibus metropolitanos, houve flagra de coletivo sem conseguir fechar as portas do veículo durante a viagem. 

“Eu saí da garagem muitas vezes com problema no freio, pneu careca, o banco do motorista sem regulagem e eu sem conseguir me ajustar na cadeira”, denuncia um motorista da região metropolitana que não será identificado. “Divulgam por aí que os ônibus levam infração e saem de circulação, mas não é assim, sempre continua rodando. Podem até recolher o veículo, e ele volta a rodar com o mesmo problema”, continua. 

Marcos Aurélio de Soares, líder do movimento ‘Volta Cobrador’, acumula em seu celular vídeos de ônibus que circulam com irregularidades. Os mais recentes, dessa quarta-feira (24), flagraram um veículo da linha 305 (Estação Diamante/Mangueiras) com os pneus carecas e um da linha 9214 (Bairro Goiânia) com a lanterna quebrada. 

“Todo dia um acidente envolvendo ônibus na nossa cidade e na região metropolitana. Um caos de falta de manutenção e fiscalização. As empresas receberam muito dinheiro, quem paga é a população, então queremos melhorias. É direito”, reclama. 

Na avaliação de André Veloso, integrante do movimento Tarifa Zero BH, os últimos acidentes são consequências de uma série de problemas que se acumularam. “Sucateamento dos veículos, frotas velhas circulando, superexploração do trabalho dos motoristas em jornada longa e estressante. Tudo isso faz com que esse tipo de acidente seja cada vez mais comum e coloque em risco passageiros e trabalhadores”, lamenta. 

Más condições de trabalho fazem motoristas deixarem serviço 

“Quantas vezes já aconteceu de um colega motorista abandonar o carro por exaustão no meio do serviço. Sair chorando e ir para casa, tamanha a pressão todos os dias”, relata um motorista da região metropolitana. Ele fazia o trajeto Ibirité-Belo Horizonte, mas deixou o serviço no ano passado, por exaustão, após 10 anos rodando. 

“Abandonei porque não aguentava mais. A verdade é que os motoristas trabalham dobrado, fazem a carga horário de dois, sob pressão, com função acumulada, com um veículo sucateado e poucas horas de sono. É claro que vai gerar acidente”, denuncia. Segundo ele, a carga-horária do contrato é de 6h40, mas, como não há outro motorista para cobrir o serviço seguinte, os mesmos ficam por 12h, 15h horas. 

O trabalhador teve problema de pressão e passou a tomar remédio para dormir com a exaustão do trabalho. Ele lembra de outros colegas que também estão doentes. “Eu chegava em casa às 00h e tinha que sair às 03h30 de novo para pegar o veículo 4h. A nossa mente tem um limite, mas precisamos do emprego e arriscamos a própria vida, porque, se causa acidente, nós também estamos dentro do veículo. Hoje eu vejo que poderia ser eu vivendo uma tragédia”. 

Passageiros estão com medo 

Assim como os motoristas não querem virar vítimas, os passageiros também prefeririam pegar os ônibus sem medo de vivenciar um acidente. “É uma tragédia anunciada que está se agravando a cada dia. Nós temos que pegar ônibus, não é escolha, e já estamos pedindo socorro para as autoridades. É pneu careca, elevador quebrado, motorista estressado. Queremos uma solução de verdade”, diz. 

O que diz a BHTrans 

"A Prefeitura de Belo Horizonte esclarece que a manutenção dos ônibus é dever das concessionárias. Caso o veículo apresente problemas, o motorista recebe orientação para que, assim que possível, interrompa a viagem e recolha o veículo à garagem para resolver a situação. Se o problema apresentado afetar a segurança dos passageiros, a viagem deve ser interrompida imediatamente.

A BHTRANS e a Superintendência de Mobilidade do Município de Belo Horizonte (SUMOB) têm adotado as medidas administrativas para sanar as irregularidades e fazer com que as concessionárias cumpram o regulamento dos serviços de transporte público coletivo e convencional de passageiros por ônibus, com o objetivo de assegurar a continuidade e a segurança da prestação dos serviços para a população.

Para garantir o atendimento dos usuários, todas as viagens do transporte coletivo são monitoradas diariamente, em tempo real, pelo Centro Integrado de Operações de Belo Horizonte e por meio dos agentes da BHTrans, que fazem a fiscalização nas estações, ao longo dos itinerários, nas garagens dos ônibus e nos pontos finais. Além disso, todos os veículos do transporte coletivo da capital passam por vistoria regularmente.

Nos últimos dias, a Prefeitura tem intensificado as ações de fiscalização de itens de segurança e de licenciamento dos veículos do transporte coletivo municipal nas garagens das concessionárias do sistema de transporte coletivo. Os veículos que não estão em condições adequadas estão tendo suas autorizações de tráfego recolhidas, sendo autuados e, em alguns casos, sendo removidos para o pátio do Detran. Os ônibus só poderão voltar à operação tendo ajustado todos os requisitos de segurança e após uma vistoria técnica, quando receberão uma nova autorização de tráfego.

É fundamental que o usuário registre a reclamação por meio do PBH APP, pelo WhatsApp (31) 98472-5715 ou no Portal de Serviços. Além da linha, é necessário que o passageiro informe o número do veículo e horário da ocorrência para melhor direcionar a equipe de fiscalização. Todas as reclamações são devidamente apuradas e enviadas às concessionárias para a resolução dos problemas apontados pelos usuários."

O que diz a Seinfra 

"A Secretaria de Estado de Infraestrutura, Mobilidade e Parcerias (Seinfra) esclarece que a idade média da frota dos ônibus metropolitanos é de 10,96 anos, bem abaixo do permitido, que é de 18 anos, conforme estabelece o Decreto nº 46.680, de 19/12/2014, que alterou o Regulamento do Serviço de Transporte Coletivo Rodoviário Intermunicipal e Metropolitano do Estado de Minas Gerais (decreto 44.603, de 22/08/2007).

É importante salientar que a frota metropolitana é vistoriada periodicamente pelo DER-MG e, conforme Regulamento do Sistema de Transporte Coletivo Intermunicipal e Metropolitano (RSTC), as empresas são responsáveis pela manutenção do veículo de forma a garantir as condições satisfatórias de higiene, conforto e segurança.

Cabe destacar, ainda, que conforme decreto 46.680/2014, para operação dos veículos com idade superior a 15 anos de uso, nos serviços das linhas do transporte coletivo intermunicipal e metropolitano, deverá ser apresentado laudo de vistoria, renovável a cada seis meses, emitido pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), ou por empresas por ele credenciadas, atestando serem adequadas as condições de manutenção, conservação, segurança e preservação de suas características técnicas."

Atendimentos a vítimas de acidente de ônibus no João XXIII

2021 – 247
2022 – 350
2023 (01/01 a 22/05) - 178
FONTE: Fhemig

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