Tragédia em SC

Adolescente morto em BMW saiu de Paracatu para ajudar a família financeiramente

Segundo uma tia de Nicolas Kovaleski, de 16 anos, ele deixou Paracatu pela primeira vez na vida há cerca de 1 mês e, agora, retorna dentro de um caixão

Por José Vítor Camilo e Jonatas Pacheco
Publicado em 03 de janeiro de 2024 | 18:03
 
 
 
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"Primeira vez que ele saiu da cidade, primeira vez que ele participava do Réveillon, e acontece essa tristeza na nossa família". A frase é de Maria José, de 65 anos, tia de Nicolas Kovaleski, de 16 anos, que é um dos quatro jovens que morreram dentro de uma BMW em Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Os corpos do jovem Gustavo Pereira Silveira Elias, de 24 anos, Tiago de Lima Ribeiro, de 21, e de Karla Aparecida dos Santos, de 19, serão velados coletivamente no ginásio do Jóquei Clube da cidade.

"Ele era um menino que sempre quis ajudar a mãe, desde pequeno. O pai deixou ele com a mãe e nunca ajudou em nada. O Nicolas passou a ser o homem da casa com essa pouca idade. Era um menino que sonhava muito, tinha muitos planos", conta, emocionada, a tia.

Maria José lembra que, desde pequeno, o garoto já dizia que queria dar uma casa para a mãe dele, por não aguentar vê-la acordando de madrugada e voltando tarde para casa para conseguir pagar aluguel e manter todas as despesas da casa.

"Teve uma época que ele ajudava a mãe no serviço, ele trabalhava algumas horas em uma pizzaria, pois ele estudava, e os R$ 50 que ganhava ele passava para a mãe dele. Foi pensando em ajudar a mãe e os irmãos que ele resolveu mudar para Santa Catarina. Foi para longe de Paracatu com a ideia de ter uma vida melhor, mas em um mês que ele estava lá aconteceu essa tragédia. Era um menino exemplar, então estamos desesperados e pedindo ajuda a Deus para confortar nossos corações", completou a mulher. 

Ainda conforme a tia, o garoto também gostava muito de esportes, sempre jogava basquete e ia à academia. "Mas a gente só via ele com os livros na mão, estudando, pensando em um futuro melhor. A mãe dele está precisando muito de uma ajuda, está desesperada emocionalmente e financeiramente. Por isso, agradecemos muito a todos que estão mandando mensagens positivas e de conforto para a família", finalizou.

Um dos amigos era sobrinho de participante do Masterchef

A reportagem de O TEMPO também conversou nesta quarta-feira com Bruno Nogueira. Tio de Gustavo Pereira Silveira Elias, de 24 anos, o cirurgião dentista também foi um dos participantes do programa de culinária Masterchef, em 2022. Segundo ele, o sobrinho era um menino carinhoso, presente e animado.

"Eu passei a primeira infância dele longe, só tivemos contato na adolescência. Mas o que nos aproximou é que somos muito parecidos, na personalidade, jeito de ser. Só tenho memória boa dele, ele era uma pessoa boa. Ele é de Paracatu e foi morar comigo em Barroso durante o ensino médio. Comigo e com minha irmã. Eu sou irmão do pai dele", detalhou.

Bruno conta ainda que Gustavo estava com Tiago, que é de Patos de Minas e foi morar em Paracatu. Eles cresceram juntos. "O irmão do Tiago veio falar comigo depois do ocorrido, falando que eles assistiam o Masterchef que eu participei, que o Gustavo vivia falando de mim, que todo mundo me assistia no programa. Foram boas palavras, que acalentaram o coração", contou, contendo as lágrimas, o familiar.

Jovens queriam trabalhar com redes sociais

Ainda de acordo com Bruno, Gustavo e os amigos se mudaram para Santa Catarina para seguir o sonho de trabalhar com as redes sociais. Foi Tiago, que já estaria atuando na área, quem teria o convidado para se mudar para Balneário Camboriú. "Ele passou por um período depressivo, de achar o seu lugar. Foram esses meninos (amigos que morreram) que ajudaram ele. Pegaram ele pela mão, saíram juntos, iam para cachoeira", lembra Bruno.

Para o tio de Gustavo, o carro seria de um dos jovens, mas ele não acredita que eles tenham feito a customização sozinhos."Não deve ter sido feita pelos meninos. Devem ter adquirido já com a alteração. Não vejo eles com o perfil de fazer algo assim. Tem gente julgando os meninos. Falando que só está tendo essa repercussão porque era uma BMW. Gente falando que a namorada poderia ter salvado eles, ela não é médica. Não dá pra saber a reação de ninguém na situação que eles se encontravam. O que minha família precisa agora é de respeito e de quem tiver amor pra dividir", concluiu o participante do Masterchef.

Cidade de luto se prepara para despedida

Os corpos dos jovens devem chegar a Paracatu, na região Noroeste de Minas Gerais, por volta das 20h desta quarta-feira (3 de janeiro). A informação foi confirmada a O TEMPO por familiares das vítimas. O clima na cidade nesta quarta é de luto.

Por telefone, a reportagem conversou com moradores que, apesar de não quererem ser identificados, lamentaram a perda. "Estamos todos muito abalados. É triste ver famílias nessas condições. Uma tragédia muito grande", disse uma moradora da cidade que pretende ir ao velório.

Relembre o caso

Gustavo Pereira Silveira Elias, de 24 anos, Thiago de Lima Ribeiro, de 21, Nicolas Oliveira Kovaleski, de 16, e Karla Aparecida dos Santos, de 19, foram achados mortos dentro de uma BMW em Balneário Camboriú nessa segunda-feira (1º de janeiro). Os jovens viviam em Paracatu, na região Noroeste de Minas Gerais. Saiba tudo o que se sabe sobre o caso até o momento.

O que aconteceu

As vítimas estavam dentro de um carro estacionado na rodoviária de Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Eles teriam ido ao local para buscar uma amiga, que saiu de Minas Gerais para se encontrar com o grupo, que morava em Florianópolis há cerca de um mês. Quando a mulher chegou, ela encontrou os quatro passando mal, com ânsia de vômito e tontura. As vítimas teriam ficado cerca de quatro horas no carro, com o ar-condicionado funcionando, tentando melhorar, o que não ocorreu.

Os jovens acreditavam estar passando mal por terem comido um cachorro-quente. A mulher optou não ficar no carro com eles, mas ia e voltava ao veículo para ver como todos estavam. Em determinado momento, ela percebeu que a situação se agravou muito e chamou as autoridades.

Socorro

Informações iniciais dão conta de que, enquanto estavam passando mal, o adolescente de 16 anos teria ligado para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), mas nenhuma equipe teria comparecido no local.  A prefeitura de Paracatu afirmou que irá pedir explicações sobre o possível não atendimento da ocorrência. "É uma questão que precisa ser melhor explicada. Se de fato tiver ocorrido essa negligência, é grave e cabem providências jurídicas por parte das famílias", disse o prefeito Igor Santos (União Brasil).

Por meio de nota, a Secretaria de Estado de Saúde de Santa Catarina, que é responsável pelo serviço, afirmou que a informação de que o atendimento teria sido negado não procede.

Investigação

O carro em que estavam os quatro mineiros sofreu customização do cano de descarga dias antes do ocorrido, informou, na segunda-feira (1º de janeiro), o delegado Bruno Effori, responsável pela investigação.

Essa personalização é uma das linhas de investigação sobre o que teria levado à suposta intoxicação por monóxido de carbono das quatro vítimas. "Vamos tentar fazer esse vínculo para apurar se a causa da morte é justamente fruto dessa customização que ocorreu dias atrás", disse.

A investigação policial vai apurar onde e como ocorreu a customização do cano de descarga, para estabelecer se houve algum problema no trabalho de personalização.

O delegado também explicou que as "informações preliminares indicam que houve vazamento entre o motor e o painel do veículo, causando intoxicação e asfixia por monóxido de carbono nas quatro vítimas". "Uma fatalidade ocasionada por um defeito", prosseguiu.

Apesar disso, a polícia não descarta outras linhas de investigação, "caso surjam novas provas". Segundo ele, no entanto, o Instituto Médico Legal não encontrou "sinais de violência nas vítimas, o que descarta, em um primeiro momento, uma morte violenta".

Velório

Os jovens serão velados no ginásio do Jóquei Clube de Paracatu. Os corpos já deixaram a cidade catarinense e devem chegar ao município mineiro até o fim desta terça-feira (2 de janeiro). O horário do velório ainda não foi definido, mas deverá ter início na manhã de quarta-feira (3 de janeiro).

Entenda a intoxicação por monóxido de carbono

A intoxicação ocorre da seguinte forma: as moléculas de monóxido de carbono se ligam à hemoglobina (responsável pelo transporte de oxigênio do pulmão para os tecidos do corpo). Com isso, a circulação de ar é prejudicada, fazendo com que órgãos fiquem sem oxigênio. A consequência é a asfixia.

O monóxido de carbono é um subproduto da queima incompleta de combustíveis fósseis, como gasolina e diesel. Com isso, é liberado pelos veículos e pode representar um risco à saúde humana em caso de ausência de ventilação adequada. Túneis e estacionamentos cobertos são exemplos de lugares onde a concentração do produto pode ser maior.

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