Ir ao cinema assistir à nova versão do filme “O Rei Leão” é o desejo de Talita Cristina Oliveira de Souza, de 16 anos, depois de passar quase seis meses internada em um hospital.

A jovem, que sobreviveu ao rompimento da barragem 1 de Córrego de Feijão, que em 25 de janeiro deste ano matou 248 pessoas e deixou 22 desaparecidos, em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, recebeu alta médica na quarta-feira (17) e conversou a reportagem de O Tempo no hotel onde está hospedada com a família, em Betim, também na região metropolitana.

Ela continua tendo acompanhamento médico semanal. Por estar sentindo muita dor ainda, ela concordou em falar por apenas 10 minutos.

Talita disse ainda se emocionar quando olha as imagens do resgate impressionante dela, sendo retirada do mar de lama em um helicóptero dos bombeiros, com uma perna e a bacia fraturados, imagens que ganharam o mundo.

“Estou muito triste de ter saído do hospital, mas também muito triste por deixar as amizades que eu fiz no hospital. Agora, eles são da minha família”, comentou.

Além de ir ao cinema, quando tiver condições de andar, Talita pretende retornar a Brumadinho, para visitar parentes. “Também quero ir à igreja agradecer a Deus por mais essa oportunida de vida”, reforçou.

A adolescente disse ser eternamente grata à major Karla Lessa, do Corpo de Bombeiros, que conseguiu parar completamente o helicóptero que pilotava no ar, a poucos centímetros da lama, para que ela pudesse ser salva por dois moradores de Brumadinho que arriscaram a vida para salvá-la.

“A major foi lá no hospital e eu a agradeci. Ganhei uma orquídea linda dela. Também quero agradecer pessoalmente os dois meninos do Córrego do Feijão que me tiraram da lama, o Jefferson e o Michael”, disse Talita.

A jovem passou por quatro cirurgias. “Ainda tenho que trocar a prótese do quadril daqui a dois anos, pois tem prazo de validade, e também quando eu fizer 30 anos”, comentou.

“A Vale acabou com as nossas vidas. Perdi a minha sobrinha e estou aqui sentindo dor. A Vale não tem coração nenhum. Só pensou nela, não pensou nos seres humanos”, reclamou a adolescente, chorando, ao lembrar da sobrinha Laís, cujo corpo foi achado e sepultado.

Lembranças

Talita não contem as lágrimas quando fala da sobrinha e melhor amiga Laís, de 14 anos, que estava com ela no momento em que a lama chegou destruindo tudo pela frente. “Se ela estivesse aqui, essa dor não seria tanta. Ela estava ao meu lado. Vejo como se fosse hoje, ela com um vestido verde”, chorou.

No dia 11 do mês passado, Talita completou 16 anos no hospital. Ela pensou que comemoraria com médicos e enfermeiros, que agora fazem parte da família dela, segundo a jovem, mas ela foi surpreendida com uma festa surpresa, com presença de parentes do Norte de Minas e amigos de Brumadinho que foram ao hospital. “Eu fiquei muito feliz. Teve um monte de bolo”, comentou.

No hospital, a adolescente aprendeu a fazer crochê, mas o passatempo não apagou as imagens da tragédia das suas lembranças, segundo ela, que se emociona toda vez que comenta o "pesadelo".

“Fiquei muito tempo longe da minha vida, dentro do hospital. Agora, eu quero é viver”, deseja Talita.

Força de vontade

Tão logo aconteceu a tragédia, em janeiro, o sorriso estampado no rosto de Talita, em meio a tanta dor física e tristeza, surpreendeu a todos no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII (HPS), na capital, onde ela permaneceu internada por um longo período antes de ser transferida pela Vale para um hospital particular de Betim.

O segredo de tanta força, segundo ela, vem de Deus. “A força de Deus existe e faz milagre”, comentou.

A irmã de Talita, Alessandra Paulista de Souza, de 42, também foi levada pela lama e conseguiu se salvar milagrosamente, segundo a própria comentou anteriormente. Quando perdeu as forças, e era tragada para o fundo da lama, Alessandra disse ter pensando na mãe dela e de Talita, que havia morrido pouco tempo antes do rompimento da barragem, vítima de câncer.

Como um milagre, Alessandra disse ter voltado a  boiar na lama, como se uma mão a puxasse para cima. Talita também disse acreditar que, naquele momento, a mãe dela foi o seu anjo da guarda.

“Sim, foi ela. O anjo da guarda da minha mãe é que me dá força também. Ela era muito guerreira e também sofreu muito. Sentiu muita dor nos ossos, por causa do câncer. Ela acreditava muito em Deus”, comentou a adolescente.

Antes de morrer, em seu leito de morte, a mãe de Talita a entregou para Alessandra e o genro, o supervisor de serviços gerais José Antônio Soares Pereira, 46, para que cuidassem de Talita como se fosse filha deles. “Ele é o meu primeiro pai. Alessandra, minha mãe”, comentou. “E a Laís..... sempre vai ser a minha irmã, a minha estrela”, disse Talita, aos prantos, dando por encerrada a entrevista.