A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que a substância que supostamente causou a intoxicação e morte de ao menos 54 cães pode ter sido distribuída para indústrias de alimentos para consumo humano. O órgão publicou uma resolução, nessa segunda-feira (12), que proíbe a comercialização, distribuição, manipulação e uso de dois lotes de propilenoglicol, da TecnoClean Industrial Ltda.
A resolução também determinou o recolhimento dos lotes (AD5035C22 e AD4055C21) da substância. A TecnoClean informou, anteriormente, que é uma redistribuidora e que adiquiriu os lotes da A&D. As duas empresas não responderam à reportagem.
Os lotes foram analisados preliminarmente pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que detectou a contaminação por etilenoglicol, substância extremamente tóxica, quando ingerida, semelhante àquela encontrada na cerveja Belorizontina, da Backer. Na época, a intoxicação matou 10 pessoas.
Durante a apuração de mortes de diversos cães, conduzida pelo Mapa, as ocorrências foram associadas ao consumo de petisco para cães fabricado com propilenoglicol, com evidências de contaminação por etilenoglicol, segundo a Anvisa.
No decorrer da apuração, ao identificar a possibilidade de distribuição da substância contaminada para fábricas de alimentos de uso humano, o Mapa compartilhou as informações para que a Anvisa pudesse adotar ações relacionadas aos produtos sujeitos à vigilância sanitária.
O propilenoglicol é um aditivo alimentar permitido para alimentos de consumo humano. A Anvisa decidiu publicar uma medida preventiva, proibindo a utilização e determinando o recolhimento dos dois lotes do produto contaminado com etilenoglicol, para evitar que os produtos sejam utilizados na fabricação de alimentos.
O etilenoglicol é um solvente orgânico altamente tóxico que causa insuficiência renal e hepática, podendo inclusive levar à morte, quando ingerido.
Empresas que tenham adquirido os lotes de propilenoglicol da TecnoClean (lotes AD5035C22 e AD4055C21) não devem utilizá-los, em nenhuma hipótese, nem os comercializar. A orientação é entrar em contato com a própria TecnoClean, para a devolução dos produtos.
Adicionalmente, caso identifiquem que o uso dos lotes contaminados tenha ocorrido, as empresas devem de imediato adotar medidas, incluindo a investigação imediata de potencial contaminação e todas as outras ações necessárias para evitar o consumo do produto.
Em 8 de setembro, O TEMPO entrevistou especialistas que alertaram que o propilenoglicol é uma substância muito usada pela indústria alimentícia e que possivelmente poderia acontecer o recolhimento de produtos usados na dieta cotidiana humana.
Professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec BH), Paulo Henrique Tavares afirmou que o propilenoglicol é amplamente usado na alimentação humana. Segundo ele, a intenção é deixar as comidas “mais fresquinhas”.
“Ele evita que o alimento perca água ou a umidade que tem naturalmente. Um exemplo disso é o coco ralado. Quando se abre e usa metade do saquinho, o propilenoglicol ajuda a mantê-lo fresquinho por mais tempo. Outros produtos que também o utilizam muito são o panetone, massa para bolo e sucos com corantes”, diz ele.
O professor Ildefonso Binatti, do Departamento de Química do Cefet-MG, diz que “o propilenoglicol é usado na indústria de alimentos, mas para isso tem uma condição. A substância precisa ter elevado grau de pureza. O composto tem várias funções. Ele é anticongelante, que pode ser usado em bebidas e na panificação”. No caso das bebidas, o propilenoglicol pode ser usado, por exemplo, “para manter a cerveja bem gelada sem congelar”.
Sobre o risco de contaminação do propilenoglicol com monoetilenoglicol, o especialista diz que “são substâncias que partem de matérias-primas distintas, então não há como haver essa contaminação”, afirma. Com isso, a contaminação pode ter ocorrido após falha durante o processo de produção.
Paulo Henrique Tavares explicou que não é de praxe que as empresas que compram matérias-primas as testem ou façam algum teste no produto final antes de comercializá-lo. Ele citou como exemplo as padarias. “Uma padaria, por exemplo, compra farinha, açúcar, entre outros ingredientes para fazer pães, bolos. Imagina se tivesse que testar todas essas matérias-primas”, destacou.
Com Juliana Siqueira, Gabriel Rezende e Anvisa