LGBTQ

Ativista Anyky Lima, que lutava por pessoas travestis e trans, morre em BH

Ela tinha 65 anos e travava uma batalha contra um câncer há alguns anos

Por Alex Bessas
Publicado em 14 de abril de 2021 | 13:52
 
 
 
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Aos 65 anos, a ativista pelo direito de pessoas travestis e transexuais Anyky Lima morreu nesta quarta-feira, 14, por volta de 10h50, em decorrência de um infarte. Uma das mais importantes vozes na luta contra a transfobia, ela foi presidenta do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual em Minas Gerais (Cellos-MG) e representante estadual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

Nos últimos meses, ela vinha sofrendo com o agravamento de um quadro de câncer, segundo relato de pessoas próximas. Mesmo assim, como em toda sua trajetória, Anyky nunca baixou a guarda.

Expulsa de casa, no Rio de Janeiro, aos 12 anos, enfrentou cada desafio de frente. “Sempre me entendi como mulher – e minha família não aceitava. Só faltava tomar hormônios, o que fiz depois, por minha conta”, recordou ela em depoimento sobre as dificuldades de se envelhecer sendo uma mulher trans. Antes de se instalar na capital mineira, onde viveu por 34 anos, ela ainda passaria por Vitória (ES). Anyky costumava dizer que era uma cidadã belo-horizontina “tombada pelo patrimônio”.

Sua importância, aliás, foi reconhecida em vida. O Ambulatório Trans do Hospital Eduardo de Menezes, da rede Fhemig, por exemplo, prestou-lhe homenagem, sendo batizado com o nome da ativista.

Ainda que, por vezes, se resignasse, até o último momento se mostrou combativa. “A gente sente que não é bem querida assim. A gente vale o que tem, sabe? Se tem um milhão, vale um milhão, se tem um tostão, vale um tostão. Entendeu? Então se a trans não procurar construir algo, depois fica muito difícil. E não adianta ficar culpando governo, Estado, que não vão fazer nada mesmo”, queixou-se em uma entrevista, em 2020, quando falou sobre a solidão na e da militância travesti e transexual. Ainda que fragilizada e com dificuldade de mobilidade, fazia planos. “Quando melhorar, vou chamar as meninas e ir para as ruas. Vou chamar vocês também, chamar a imprensa e fazer barulho, porque a violência contra nós está aumentando”, disse, citando casos de agressão a travestis e trans durante o Carnaval em Belo Horizonte e em São Paulo daquele ano.

Comunidade lamenta perda

Cocoordenadora do projeto Transpasse, que oferece acompanhamento psicossocial e orientação jurídica a travestis e transexuais em BH, Lorena Maria, de 56 anos, estava ao lado de Anyky Lima no momento da morte. "Eu já vinha acompanhando ela desde 2017, quando complicações de saúde foram deixando ela mais e mais debilitada", comenta.

Além de saudade, a ativista deixa um sólido legado, defende a amiga. "Estamos falando da ativista mais antiga, a que abriu mais portas para nós. Ela foi uma das primeiras a colocar a cara a tapa em BH. É uma perda muito grande. Mas é também uma pessoa que deixa uma herança, uma memória que é muito valiosa", garante, complementando que a relação que a comunidade trans tinha por Anyky era de reverência. "Nós temos a nossa família de sangue e a nossa família de comunidade, de pessoas próximas que se ajudam. Nesse sentido, ela foi a nossa matriarca", emociona-se. 

Em nota de pesar, a Antra lamentou a morte da ativista. "Anyky viveu e morreu lutando! Além de ter sobrevivido a ditadura, a epidemia do HIV nos anos 80/90, a ausência e omissão do estado, a violência e o transfeminicídio, era uma grande defensora dos direitos das pessoas LGBTI+ e lutadora pela cidadania da população de travestis e demais pessoas trans", lê-se na publicação, que lembra que ela sobreviveu à estatísticas e se tornou idosa em um país onde a expectativa de vida de uma travesti ou transexual é de 35 anos.

A entidade prossegue lembrando que ela atuou como profissional do sexo até os 50 anos, "e era uma ferrenha defensora dos direitos das prostituas". "Se constituiu como uma referência para todas as pessoas que atuam junto as trabalhadoras sexuais, acolheu muitas travestis em sua casa e pode proporcionar acolhimento a essas pessoas", pontua.

"Vó Anyky constituiu uma longa trajetória, incidiu em políticas públicas, contribuiu com pesquisas acadêmicas e para o processo de humanização da população trans brasileira", acrescenta a Antra.

A vereadora Duda Salabert também prestou homenagem à colega de luta. "Anyky foi uma grande defensora dos direitos humanos e dedicou muito de sua vida na luta pela construção de uma sociedade mais justa e que respeite a diversidade", descreveu.

"Querida, sua história está eternizada no movimento LGBT. Vivências como a sua pavimentaram o caminho para existência de tantas outras pessoas trans. Se hoje eu existo e resisto é porque antes tiveram travestis como você. Obrigada por tudo!", completou a parlamentar, se dirigindo à militante histórica.

Pesquisador sobre identidades e sociabilidades LGBTQIA+ em Belo Horizonte, Luiz Morando também se juntou ao coro de vozes a lamentar a morte da militante. "Anyky Lima nos deixou hoje. Suas ações tiveram alcance nacional e vão deixar não apenas uma memória, mas também um conjunto de vivências para todes nós na cidade", escreveu em um post que relembra a trajetória da amiga.

"Em 1994, quando o GAPA-MG (Grupo de Apoio e Prevenção à Aids em Minas Gerais) iniciou nova etapa do projeto 'Previna na Prostituição', com financiamento do Ministério da Saúde, foi preciso ampliar a equipe de trabalhadoras do sexo. Foi quando Anyky Lima ingressou na instituição e que eu a conheci. Sua chegada à sede era sempre uma festa! Sempre alegre, inquieta, espirituosa, fala rápida; sempre atenta, ia direto ao ponto. Divertia sim, como também sempre foi comprometida e plenamente ativista", recorda o estudioso, inteirando que, depois, ela prosseguiu na militância em Belo Horizonte.

 

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