Enquanto muitas cidades pelo mundo zelam e tratam de seus rios como patrimônios, crescendo e se desenvolvendo no entorno, como aconteceu por exemplo em Lisboa, Roma, Paris e Londres, uma solução antagônica foi adotada em Belo Horizonte. Primeiro, a capital mineira transformou seus cursos d' água em esgoto a céu aberto. Na sequência, surgiu na década de 1920 a ideia de cobrir os rios e transformá-los em ruas e avenidas. A iniciativa ganhou força ao longo das décadas de 60 e 70.
A cobertura de córregos para abrir espaço para os carros é tratada por especialistas como uma espécie de bomba-relógio e apontada como uma das principais culpadas pelas constantes inundações registradas em importantes vias da capital mineira. A avenida Vilarinho, na região de Venda Nova, é o exemplo mais claro desta situação. O local inundou três vezes em menos de 15 dias no final do ano passado, arrastando carros e provocando prejuízos.
“Quando essas avenidas começaram a ser feitas, há cerca de 40 anos, o nível de permeabilização da cidade era bem menor. Com o tempo, as galerias construídas para canalizar os rios e receber as chuvas se tornam insuficientes. As inundações são inevitáveis”, explicou o geógrafo Alessandro Borsagli, autor do livro “Rios Invisíveis da Metrópole Mineira”, que conta a história da canalização dos córregos de Belo Horizonte.
A convite do jornal O TEMPO, Borsagli e o engenheiro Daniel Miranda visitaram alguns dos principais pontos de inundação da capital. Na avenida Vilarinho, eles apontaram, com olhar incrédulo, o tamanho das galerias, que medem cerca de dois metros de altura por três de largura.</CW><CW10> “Belo Horizonte está fazendo o caminho inverso. Enquanto várias cidades do mundo constroem parques ao longo dos rios para aumentar a área de inundação e a permeabilização do solo e recuperam seus cursos d’água, aqui continuam cobrindo todos os córregos que cortam a cidade, como era feito décadas atrás”, avaliou Borsagli.
Alternativa. Para os especialistas, uma solução possível é o aprofundamento do leito do rio em alguns metros e a instalação de tubulação com maior capacidade de vazão da água. “Mas são obras muito caras”, avaliou Miranda.
“É uma questão estrutural muito grave. São necessárias obras urgentes, mas também é preciso fazer um trabalho grande de conscientização com a população, que joga lixo nas ruas entupindo os bueiros e constrói prédios e casas sem se preocupar com a permeabilização do solo”, completou Alessandro.
Pelo visto, os moradores ainda terão que esperar um bom tempo para ver soluções que impeçam o problema de se repetir. No início de dezembro, o então prefeito Márcio Lacerda (PSB), que entregou o cargo a Alexandre Kalil (PHS) no início deste ano, assegurou que a prefeitura ainda não tem recursos para fazer obras no local. Segundo Lacerda, seria necessário investir pelo menos R$ 300 milhões por ano em prevenção de inundações pela cidade, o que fica praticamente inviável sem financiamentos.
Após acompanhar os problemas provocados pelas chuvas de fim de ano em Belo Horizonte, o prefeito Alexandre Kalil disse que pretende buscar ajuda junto ao Ministério das Cidades e tem mantido contato permanente com a Defesa Civil.
Problema recorrente
Cobertura. Assim como na avenida Vilarinho, na região de Venda Nova, outras vias da cidade que também cobriram seus rios após canalizações já sofreram com inundações, como as avenidas Francisco Sá, no Prado, na região Oeste, Mem de Sá, no Santa Efigênia, na região Leste, e Prudente de Morais, no Cidade Jardim, na região Centro-Sul. Na noite do dia oito de outubro de 2009, a avenida Prudente de Morais viveu uma de suas maiores inundações, quando vários veículos foram arrastados e ficaram empilhados uns sobre os outros.
Arrudas. Boa parte do leito do ribeirão Arrudas, um dos principais da capital, foi coberto para virar avenida. Mas a solução, que deu mais espaço para os carros, pode trazer problemas futuros de grandes proporções, afirma especialista ouvido pela reportagem. “Eu não posso te precisar quando, mas posso te garantir que aquilo vai explodir um dia”, garantiu o advogado especialista em direito ambiental Bruno Albergaria.
Seul
Coreia do Sul dá melhor exemplo de revitalização
Um dos maiores exemplos de revitalização de rios em grandes centros urbanos e construção de parque linear aconteceu na cidade de Seul, capital da Coreia do Sul. As imagens do local antes e depois são tão impressionantes que chegam a causar desconfiança de que se trata do mesmo ponto.
O rio Cheonggyecheon, que corta a capital sul-coreana, teve seu leito coberto por pistas e um elevado de veículos a partir dos anos 60, por onde circulavam por dia milhares de carros, ônibus e caminhões, assim como é comum no Brasil. Foram criados seis quilômetros de vias suspensas sobre o curso d’água.
Com o trânsito cada vez mais caótico na cidade de 10 milhões de habitantes, as autoridades locais tiveram que interromper a circulação em três pistas da região em 1999. Três anos depois, ambientalistas lançaram a ideia de recuperar o Cheonggyecheon com um ousado plano de revitalização.
Toda a cobertura de asfalto foi removida, e o rio teve sua água tratada para se transformar em um parque linear de 5,8 km de extensão, 400 hectares (ha) e 80 m de largura. Hoje, a água é cristalina e tem vários peixes. A obra, inaugurada em 2003, custou na época cerca de R$ 700 milhões. Parte das 620 mil toneladas de aço e concreto que foram ao chão acabou utiliza em outras obras na cidade. (GC)