Fotos mostram Katia Cristina, de 30 anos, em uma festa de aniversário e no dia a dia, em casa, com os filhos, entre eles o pequeno Emanuel que, no início do mês, morreu vítima de maus-tratos, em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana de Belo Horizonte. Nelas, todas as crianças estão bem, saudáveis e aparentemente felizes, um contraste grande com a forma que foram resgatados: desnutridos e maltratados. Foi por meio destas imagens que a verdadeira avó dos meninos, uma mulher que mora em Valparaíso de Goiás e que preferiu não ser identificada por medo, tentou provar que a mulher e o seu filho, o pai das crianças que se encontra desaparecido, jamais seriam capazes de fazer qualquer mal às crianças. 

Nesta segunda-feira (27 de fevereiro), O TEMPO teve acesso aos áudios enviados pela avó das crianças aos advogados da mãe, que está presa desde o dia 6 de fevereiro pela morte do menino de 4 anos. Katia também é mãe dos dois garotos, de 6 e 9 anos que, na última terça-feira (21), foram resgatados desnutridos e trancados em um apartamento no bairro Lagoinha, na região Noroeste de BH, e de outras duas meninas de 1 e 2 anos, que estão em um abrigo

A verdadeira avó paterna das crianças foi localizada pelas redes sociais pela manicure Viviane do Nascimento Pereira Santos, de 29 anos, que foi uma das vizinhas que denunciaram e ajudaram no resgate aos dois garotos na última semana. Ela conta que, no dia do resgate, ouviu da boca do menino mais velho que eles estavam ali por que o "tio" e a "avó" - suspeito que está preso e a mãe dele, que é investigada pela polícia - agrediam eles e a mãe. 

"Fiquei sensibilizada com a história e com a mãe deles presa e, por isso, procurei os advogados que hoje estão no caso para a ajudarem. Com os desdobramentos eu comecei a buscar os familiares da Katia e do marido dela, e acabei encontrando essa senhora que me confirmou tudo, enviou fotos e me pediu ajuda", detalha. 

Nas mensagens trocadas com a vizinha do imóvel onde os garotos foram encontrados, a avó paterna deles garante que o filho e a nora nunca fizeram mal aos filhos. "Ele nunca agrediu os filhos, nunca fez mal às crianças, de jeito nenhum. A Katia eu tenho absoluta certeza que ela não fez isso (espancar o filho). Tenho certeza que ela não teria coragem de tirar a vida dos filhos dela", diz, com firmeza, a avó. 

"Viviam numa boa", diz avó sobre o casal

A senhora diz ainda que, durante todo o período em que o casal viveu em Goiás, o relacionamento deles era tranquilo e respeitoso. "Nunca vi eles dois brigando, nem se batendo. Eles viviam numa boa, ela ajudava ele e ele ajudava ela. Ela era muito gorda, eles limpavam casa, cuidavam dos meninos. Eles cuidavam muito bem dos filhos, não deixavam passar necessidade", lembra a sogra de Katia. 

Ela também garante que o filho jamais abandonaria a mulher com as crianças e sumiria. "Onde ele morava, ele levava a Katia e as crianças. Ele não deixava ela, onde estava a cabra, estavam os cabritos. Ele não deixava ela", afirma a avó dos garotos. 

Procurada por O TEMPO nesta segunda, a Polícia Civil informou que as investigações do caso seguem em andamento com as equipes da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente em Belo Horizonte, que estão realizando diligências e todos os levantamentos para apuração dos fatos.

"Por se tratar de investigação relacionada à criança, a PCMG esclarece que todas as cautelas legais são adotadas para preservar as informações, neste momento, mas tão logo avancem os trabalhos investigativos serão prestados os devidos esclarecimentos acerca das apurações", completou a instituição policial.

Entenda o caso

O resgate

As crianças, de seis e nove anos, foram resgatadas na terça-feira, 21 de fevereiro, trancadas em um apartamento do bairro Lagoinha, na região Noroeste de Belo Horizonte. Segundo a Polícia Militar, elas estavam com sintomas de desnutrição e febre. Elas ficaram trancadas por três dias, sem alimentação.  

Conforme informado pela polícia, as vítimas estavam magras, usavam roupas sujas e o ambiente onde elas estavam era escuro e encardido. Após o resgate, as crianças foram encaminhadas para o hospital Odilon Behrens, no bairro São Cristóvão. 

A denúncia

A denúncia foi feita por uma vizinha, a vendedora Poliana Pereira dos Santos, de 37 anos. Ela acionou a polícia depois que percebeu que elas estavam sozinhas no apartamento e sem o auxílio de familiares. Ela tentou alimentar as crianças por um buraco na parede do apartamento. A porta da residência onde elas estavam foi trancada com um cadeado e correntes. 

O local em que as crianças estavam

Conforme a denunciante, no local em que as crianças estavam, havia uma vasilha de comida com bicho. Em entrevista ao TEMPO, ela descreveu o cenário. "Encontramos muita sujeira, o cheiro era tão forte que, quando os policiais abriram a porta, nem eles aguentaram. A gente se emocionou muito quando vimos os dois, com os bracinhos fininhos, um deles sem conseguir nem falar. Aí começamos a chorar. Aqui tudo sujo, tudo podre, vasilha com bichos, colchão no chão", relatou.

Menino sentiu cheiro de churrasco e pediu comida

Uma das crianças resgatadas pediu um pouco de comida para a vizinha depois que sentiu o cheiro do churrasco que era feito por ela. "Meu sobrinho estava andando de bicicleta aqui e, pelo buraquinho, ele viu e pediu um pouco de comida. Meu sobrinho, que tem mais ou menos a idade dele, veio até mim e contou. Fui até a porta e vi os dois, um deles disse que estava com fome e pediu churrasco para ele e o irmão. Pedi para ele abrir a porta, e ele falou que podia ser por ali mesmo. Falei que a vasilha não cabia no buraco. Ele, então, sugeriu que eu colocasse em uma sacolinha e disse 'eu estou com muita fome, me dá churrasco'",  detalhou a vendedora Poliana dos Santos, de 37 anos, responsável por fazer a denúncia para a polícia.

A criança disse para a vendedora que elas estavam acompanhadas da avó. No entanto, o menino voltou a pedir comida durante a noite daquele dia, o que intrigou a vizinha e indicou de que elas estariam sozinhas.

Os responsáveis pelas crianças

A investigação apontou que as crianças são filhas de uma mulher, de 30 anos, que foi presa por maus-tratos a outro filho, morto no último dia 6 de fevereiro. O caso foi registrado em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana da capital. De acordo com o boletim de ocorrência, no início do mês, a mulher levou o filho de 4 anos ao médico, mas a criança já estava morta. O menino chegou com lesões no olho, inchaço no pé e queimaduras no tornozelo.

O pai biológico das crianças, segundo a apuração do caso, teria morrido de Covid-19, em 2020. Em depoimento à polícia, uma das vítimas resgatadas no apartamento, na última terça-feira (21), informou que elas haviam vindo de São Joaquim de Bicas, na semana anterior ao resgate, e que a avó teria passado a noite de sábado (18) com elas, mas não retornou.