Na manhã desta quarta-feira (18), um grande supermercado da região Leste de Belo Horizonte estava completamente lotado de clientes, com longas filas e consumidores empurrando carrinhos de compras abarrotados, principalmente de produtos de higiene e limpeza doméstica e itens alimentícios.

A situação remetia às compras na véspera do Natal, mas com uma ligeira diferença: o sentimento de ansiedade causado pela expectativa de que não falte nada nas comemorações natalinas deu lugar ao medo por uma escassez de alimentos em uma possível situação de confinamento ocasionada pela pandemia de coronavírus.

Um consumidor, que pediu para não ser identificado, estava com dois carrinhos, um apenas com pacotes contendo dezenas de rolos de papel higiênico e outro com quantidades descomunais de arroz, feijão, óleo e alimentos enlatados. 

“Eu vi que nos Estados Unidos está acontecendo uma corrida aos supermercados e que já estão faltando alguns produtos por conta do coronavírus. É melhor eu já me adiantar e fazer um estoque lá em casa. Tenho criança pequena e não posso arriscar”, justificou o homem, que aparentava ter entre 30 e 40 anos.

O empresário Victor Bueno, de 40 anos, reclamou da falta de produtos em um supermercado da região Centro-Sul da capital. “Ontem não tinha detergente líquido, sabão em pó, feijão e água sanitária. Hoje não tem papel higiênico. Não sei se está faltando por conta do coronavírus ou se a reposição não foi feita”.

A reportagem de O Tempo percorreu quatro supermercados em Belo Horizonte, nas regioões Centro-Sul, Leste e Nordeste. Em todos eles foi constatada a falta de álcool em gel. Alguns estavam também com prateleiras vazias nas seções de carne, itens de higiene pessoal e grãos.

De acordo com a Associação Mineira de Supermercados (Amis), nos últimos cinco dias foi verificado um aumento expressivo nas compras de mantimentos em todo o Estado. 

“O abastecimento está normal nos supermercados mineiros. A única exceção é para o item álcool em gel, que teve excesso de demanda e há dificuldade de fornecimento por parte dos fabricantes”, informou a Amis por meio de nota.

Segundo a entidade, não há motivo para pânico. “Não há necessidade de o consumidor formar estoques, o que só contribuiria para um desnecessário descontrole do abastecimento”, ressaltou.

O que dizem os especialistas

Essa corrida aos supermercados para formar estoques em residências e, com isso, enfrentar sem desabastecimento os períodos de emergência é chamada em inglês de “panic buying", ou compras motivadas pelo pânico, em português.

Para a doutora em antropologia pela Universidade de São Paulo Denise Pimenta, esse tipo de comportamento de alguns clientes é ainda mais evidenciado em momentos de crise, como a pandemia de coronavírus que estamos vivendo. 

“Uma pandemia diz mais sobre nós mesmos do que sobre a própria doença”, explica Denise Pimenta.

De acordo com a antropóloga, o pânico é uma emoção muito forte e tem o poder de mobilização grande na sociedade. “Eu entendo o pânico de querer estocar as coisas, mas uma família só vai ter essa ação de estocar se ela não compreender que o coletivo pode ser prejudicado. Não é uma questão de ser solidário, mas de responsabilização social com o outro”, afirma.

Pimenta acredita que a pandemia do coronavírus está revelando com mais facilidade alguns aspectos obscuros da sociedade.

“O coronavírus está sendo como uma grande lente que mostra as desigualdades entre as classes da nossa sociedade. A classe média vai aos supermercados e compra dez pacotes de arroz, por exemplo. Enquanto a classe mais pobre não tem condições de fazer isso, porque a maioria está em trabalho informal”, argumenta.

Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais, André Dias analisa que esse comportamento dos consumidores de correr aos supermercados em momentos de incertezas não é exclusivo do público brasileiro.

“Em vários outros países que têm enfrentando a pandemia do coronavírus podemos ver esse comportamento de pânico. No Brasil ele se deve, em parte, a uma falta de informação clara. A própria Presidência da República trata o fenômeno como uma histeria, uma bobagem. Isso causa insegurança e medo na população”.

De acordo com Dias, falta uma política clara das autoridades para definir, por exemplo, um limite máximo de compra de alguns produtos.

“Vários itens já não são encontrados nos supermercados. Não necessariamente por um desabastecimento, mas a procura das pessoas tem sido feita de tal ordem que até a velocidade de reposição dos produtos tem sido dificultada. Falta claramente uma política dos governantes para a regulação da compra de alguns produtos, como por exemplo o arroz”, afirma.

O psicólogo disse que está situação atual é muito mais grave que a vivida, por exemplo, na greve dos caminhoneiros, ocorrida em 2018, quando também aconteceu uma corrida aos supermercados.

“É uma situação única que estamos vivendo. Segundo os boletins epidemiológicos e especialistas da área, é provavelmente uma situação que nós viveremos até junho. Estamos só no início”, projeta.