A psicóloga Mônica Vidal, 49, vive na Espanha há seis anos. A distância, porém, não a impede de colaborar com o atendimento gratuito a pessoas contaminadas com o novo coronavírus ou recuperadas da Covid-19 em Minas Gerais, além de familiares, amigos e outros afetados pela doença no Estado.
Mônica integra o total de 1.141 cadastrados desde março do ano passado em uma rede de voluntariado organizada pela Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) para ações relacionadas à pandemia. O número acumulado pode até parecer alto à primeira vista, mas a quantidade de profissionais disponíveis atualmente, entre médicos, enfermeiros e psicólogos, é pequeno para atender a demanda diante do agravamento da crise sanitária.
De acordo com o assessor chefe de Parcerias em Saúde da SES-MG, Gian Gabriel Guglielmelli, as consultas online oferecidas por meio de um aplicativo oficial do governo foram a principal demanda identificada pelos gestores para absorver essa mão de obra. O programa chegou a contar com 55 voluntários ativos simultaneamente no ano passado, mas atualmente há apenas 20 profissionais com horários pro bono dedicados ao teleatendimento.
“O tempo de participação varia de acordo com a disponibilidade, então é uma questão muito dinâmica, esse número vai flutuando. Estamos renovando o chamado para que as pessoas com registro profissional se cadastrem, porque verificamos, sim, uma necessidade maior neste momento”, enfatiza Guglielmelli.
Segundo ele, os voluntários representam atualmente cerca de 40% do pessoal responsável pelas consultas na plataforma digital. “Eles são uma força complementar importante e têm grande destaque, com uma média de avaliação altíssima pelos usuários. Prestam um serviço extremamente qualificado e fazem um trabalho digno de nota”, elogia o gestor.
Para Mônica, um diferencial do programa é permitir o acesso da população mais carente ao acompanhamento especializado. “É uma satisfação enorme poder ajudar. Plataformas online existem muitas, mas a maioria dos pacientes não tem condições de pagar. Estamos vivendo não só uma crise de saúde, mas também econômica. As pessoas estão sentindo-se muito impactadas e sobrecarregadas”, destaca a psicóloga.
Transtornos elevam demanda por atendimento psicológico
Além da maior demanda em função do número de novos casos de Covid-19, os profissionais relatam um aumento recente nos atendimentos motivados por transtornos mentais entre os atingidos direta ou indiretamente pela pandemia. Por isso, a coordenadora de psicologia e também voluntária Dra. Nazareth Ribeiro, 60, reforça o pedido para que mais formados na área entrem para a rede.
“Muitas pessoas manifestam problemas emocionais, como ansiedade e depressão, devido às perdas que elas tiveram com a doença. Não é só o adoecimento. Muitas perderam entes queridos, ou o trabalho, e estão em casa com medo e cheias de incertezas. O objetivo inicial era atender pacientes com Covid ou pós-Covid, mas temos percebido que esses outros perfis também têm acessado muito a plataforma”, revela Nazareth.
Médicos, enfermeiros e psicólogos dispostos a colaborar com o programa precisam apenas realizar o cadastro, informar os dias e horários disponíveis e comprovar o registro nos respectivos conselhos profissionais (CRM, Coren e CRP). Já os cidadãos interessados em marcar uma consulta devem instalar o aplicativo Saúde Digital MG - Covid 19, disponível para os sistemas Android e IOS.
Benefício visto de perto
Moradora de Belo Horizonte, a enfermeira Raiane Alves, 35, se inscreveu na rede em maio do ano passado e diz não ter a intenção de deixar o programa enquanto a pandemia durar, principalmente depois de ter visto bem de perto o impacto positivo do teleatendimento.
“A tia do meu marido, a minha cunhada e o marido dela precisaram desse serviço, e fez muita diferença para eles, ajudou demais. Mesmo com plano de saúde, está difícil marcar uma consulta [na rede privada], e muitas vezes não existe uma orientação ou um acompanhamento próximo. Te mandam pra casa e pronto”, diz a enfermeira, responsável pelo monitoramento remoto de pacientes diagnosticados ou com suspeita de Covid-19.
Raiane reserva cerca de uma hora e meia por dia para os atendimentos e se diz recompensada pessoal e profissionalmente. "Vendo a necessidade diante da pandemia, tanta gente precisando e os números crescendo, pensei que tirar um pouquinho do meu tempo realmente não iria me atrapalhar e eu poderia ajudar”, lembra a enfermeira.
Solidariedade sem fronteiras
Mestre pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pela Universidade de Barcelona, a psicóloga Mônica Vidal ressalta que sempre estudou em instituições públicas e realizou trabalhos voluntários durante toda a carreira como forma de “devolver à sociedade”.
Ela afirma que a distância e a diferença no fuso horário não representam nenhum empecilho. “Começo a atender no fim da tarde, pela internet, e consigo conciliar tranquilamente com minhas outras atividades. A pessoa do lado de lá não fica nem sabendo que estou tão longe”, conta a psicóloga.
Moradora do Rio de Janeiro, a coordenadora Nazareth Ribeiro destaca que elas não são as únicas voluntárias contribuindo à distância com o atendimento aos pacientes mineiros. Segundo dados do governo, a lista de inscritos desde o ano passado, entre médicos, enfermeiros, psicólogos e demais categorias profissionais, possui residentes em Alagoas, Bahia, Rio, Sergipe e São Paulo.
“Nós lidamos com o cuidado e a compaixão ao ser humano, isso é condição para o nosso trabalho. Quem se forma em alguma área da saúde e não gosta de gente está no lugar errado. Poder ajudar num momento como esse realmente não tem preço, e a possibilidade do atendimento remoto facilita muito”, enfatiza Nazareth.
Profissionais de outras áreas estão na “reserva”
Quanto às demais áreas de atuação profissional, o assessor chefe de Parcerias em Saúde da SES-MG, Gian Gabriel Guglielmelli, explica que os outros voluntários cadastrados compõem uma “força de reserva”, pois o Estado não precisou convocá-los para atuar. O foco neste momento é reforçar o time de médicos, enfermeiros e psicólogos.
“A rede foi pensada no início para ser bem abrangente, também para pessoas com outras formações, que poderiam colaborar no trabalho operacional, de logística ou de atendimento ao público, por exemplo. Porém, com o desenrolar da pandemia, não houve essa demanda. Identificamos o teleatendimento como a área de trabalho mais necessária e viável, até mesmo pelo distanciamento social e a segurança dos profissionais e pacientes”, explica.
Cerca de 15% dos cadastrados na rede de voluntariado informaram possuir formação em medicina, enfermagem ou psicologia. A lista inclui outras áreas da saúde, como farmácia, fisioterapia, educação física, nutrição e odontologia, e também profissões menos relacionadas ao tema, como direito, administração e pedagogia, por exemplo.
A maior parte das pessoas dispostas a trabalhar voluntariamente no combate à pandemia em Minas é do sexo feminino (54%), tem entre 21 e 40 anos de idade (72%) e informou ter disponibilidade para atuar em todos os dias da semana ou ao menos nos dias úteis (59%).